Opinião
O ensino superior e o desenvolvimento económico de Cabo Verde

Qualquer projeto de desenvolvimento de um pequeno país como Cabo Verde, para ser credível, tem de colocar a educação no centro da sua agenda, dando-lhe estatuto de prioridade e de bem estratégico.
Isso implica investir de modo sistemático e sequenciado na formação do capital humano, enquanto dimensão incontornável do processo de transição entre uma economia dependente da Ajuda Pública ao Desenvolvimento, das remessas de emigrantes e do turismo de massas com baixo valor acrescentado que carateriza, neste momento, a economia do país, para uma economia internacionalmente competitiva, cuja competitividade assenta na alta produtividade decorrente da capacidade dos seus trabalhadores em incorporar inovações e da eficiência das suas organizações.
Cabe, no entanto, dizer, em abono da verdade histórica, que este processo de empoderamento da economia cabo-verdiana pela via da educação há muito que começou. Em rigor, o único dado novo é que ele precisa de atingir agora, estribado nos ganhos de percurso alcançados, a fase da inexorável aceleração e intensificação, propiciando à educação a possibilidade de fazer o país dar o almejado salto no seu desenvolvimento. Só isso. Vejamos então rapidamente os ganhos de percurso.
1. Os Ganhos do Percurso
Cabo Verde logrou realizar nas décadas passadas um rápido, eficaz e nem por isso fácil processo de universalização do ensino básico, graças ao qual a rede de escolas primárias atingiu quase todos os pontos daquele disperso e arquipelágico país, levando para as suas salas de aula mais de 95% das crianças em idade escolar. Isso é fundamental, pois a cidadania só tem alguma chance de se tornar efetiva, quando todos souberem ler e escrever. Nunca é demais lembrá-lo: os méritos desta conquista básica e prioritária devem ser creditados ao professor primário anónimo, verdadeiro parteiro do Cabo Verde contemporâneo. Há duas décadas atrás – na verdade um pouco mais de tempo, se levarmos em conta que a criação da Escola de Formação de Professores antecipou o processo – o país iniciou a expansão do ensino secundário, pondo fim ao longo duopólio dos liceus do Mindelo (1917) e da Praia (1956). Uma ambição, a de criação de liceus, aparentemente excessiva ao tempo, dada a escassez de docentes e de outros recursos. Mas a História da educação em Cabo Verde é e sempre foi assim: acelerada e com pressa de avançar para a etapa seguinte.
Há cerca de 10 anos, entrou em cena o ensino superior, dando-nos uma década fértil na criação de universidades e instituições universitárias, a ponto de a taxa bruta de escolarização neste nível de ensino em Cabo Verde ter pulado de 1,7% para 21%, sendo hoje a mais alta de toda a África subsariana.
Sem embargo da jovialidade do processo universitário cabo-verdiano e das suas precariedades, já se pode, mesmo assim, creditar-lhe ganhos interessantes e promissores para a economia cabo-verdiana, como, por exemplo, o aumento constante da proporção da população ativa com formação terciária ou a elevação expressiva, relativamente ao ponto de partida, da percentagem dos estudantes que cursam as carreiras de ciência e tecnologia. Basta dizer que, do ano 2000 até agora, esta foi a área científica que mais cresceu, em termos de recrutamento de estudantes.
2. Para uma necessária reorientação da oferta formativa
Da observação da evolução do setor, pode concluir-se que tem havido uma tendência para a redução gradual do gap existente entre as necessidades de qualificações requeridas pela economia e as disponibilidades oferecidas pelas instituições formativas. Tal gap, no entanto, tem de ser reduzido mais ainda e numa velocidade maior. Como fazer isso? Em primeiro lugar, pela ativação de mecanismos indutores da procura, tais como a fixação de quotas para as diferentes áreas de formação na atribuição de bolsas de estudos, assim como pelo estabelecimento de ponderações diferenciais no acesso ao crédito bancário para o financiamento dos estudos superiores, com base na contra-garantia do Governo. Outro mecanismo a ser utilizado complementarmente é a intensificação do processo de melhoria da qualidade da formação oferecida, sobretudo nos domínios das TICs, biotecnologia, mecânica, eletrónica, energia, ciências do mar, engenharia química e biológica, ciências agrárias, gestão, finanças, línguas, artes e outros ramos.
Mas, que fique claro, superar as fragilidades de formação nestas áreas implica um enorme esforço, a começar pelo investimento na formação avançada de professores.
Isso é urgente, pois o número de doutores em algumas destas áreas é ainda confrangedoramente baixo e a questão que se põe muitas vezes é como implementar projetos, como o da criação de um moderno setor de economia do mar, por exemplo, com tão poucos doutores em biologia marinha, gestão dos recursos marinhos e costeiros, aquacultura, oceanografia e outras. Daí a necessidade de canalizar as oportunidades de formação no exterior prioritariamente para a pós-graduação nas áreas identificadas como estratégicas.
Caso contrário, não haverá desenvolvimento científico-pedagógico de tais cursos, nem investigação aplicada e muito menos capacidade de “endogeneizar”, na relação com os parceiros e por via da transferência de tecnologia, know how de investigação para impulsionar a economia. Entendemos por isso que, com os seus parceiros externos, Cabo Verde deve priorizar a formação de formadores. Ou seja, capacitar docentes, que é como quem diz, adquirir capacidade de multiplicar a formação e emancipar-se. Mais do que ter peixe, o país deve pretender aprender a pescar. É o que fazem os países na fase do “catching up”, como a China e o Brasil.
Além disso, há também que prosseguir o apetrechamento das universidades com laboratórios e bibliotecas nestes saberes tidos como estratégicos. Só assim o Ensino Superior estará em condições de colocar à disposição do setor produtivo e do de serviços um volume crescente de pessoas portadoras de conhecimentos novos e transformadores, um ativo incontornável na construção de uma economia baseada no conhecimento.
3. A interpelação de formar os novos empreendedores
A economia cabo-verdiana padece de um grande défice de iniciativa empresarial, o que enfraquece imensamente o seu potencial de dinamismo e de crescimento. Face a isso, é justo atribuir às universidades mais uma missão: formar e gerar não só trabalhadores altamente qualificados, mas também os empreendedores da nova economia do país. Diria que as universidades, apesar de jovens, encontram-se perante mais este desafio. Se há umas décadas atrás, o repto consistia tão-somente em formar uma elite de profissionais qualificados para integrarem estruturas burocráticas e de governo, hoje o direcionamento da formação tem que ser necessariamente outro.
Nos dias que correm, um jovem estudante cabo-verdiano não pode ter a expetativa de encontrar um emprego à sua espera, à porta da Universidade. Não é realista.
Os novos tempos exigem que, em muitas situações, sejam os recém-diplomados os criadores de empresas e os geradores de emprego.
Muito se tem discutido sobre o que constitui a riqueza das nações. Terras férteis, matérias-primas, capital físico em infra-estruturas, capital financeiro e o próprio capital intelectual são apontados como sendo fontes da riqueza e da prosperidade das nações. Ultimamente, tem-se acrescentado à lista o perfil empreendedor dos cidadãos. Teses de viés culturalistas têm argumentado que a propensão para empreender e enfrentar o risco se inscreve na cultura e que, por isso, uns estariam à-priori condenados a serem menos empreendedores do que outros.
Nós acreditamos no processo educativo para semear nos jovens universitários cabo-verdianos a inquietude do empreendedorismo, para os dotar de competências próprias para a inovação e o risco, renovando o tecido empresarial.