Opinião

Ensaio sobre a inércia (ou como tratar a alergia à mudança)

Carlos Sezões, presidente da plataforma Portugal Agora

Sim, mudar custa. É uma verdade universal. Mas começo a ficar convencido que, seja por motivos genéticos, histórico-culturais, sociológicos ou apenas por mero acaso, mudar algo em Portugal custa mais do que devia.

Temos uma tendência para mantermos uma sólida e convicta “zona de conforto”, baseada em mantermos o que sempre tivemos, fazermos como sempre fizemos e olhar com desconfiança quem se atreve a sugerir algo diverso. Temos uma aversão pela incerteza e pelo risco. A política e os políticos são, excetuando raras exceções históricas, reflexo da respetiva sociedade. Tivemos até, recentemente, um primeiro-ministro que assumia ser contra as “reformas estruturais”, expressão que o arrepiava. Possivelmente, apenas lhe pareciam bem mudanças incrementais, ligeiras e inócuas, fazendo jus à frase imortal de Tomasi di Lampedusa, “é preciso que algo mude para que tudo fique na mesma”.

Da política nacional passando pelas várias camadas da sociedade, esta aversão a mudar ou construir algo de novo é visível, em cascata. Exemplos avulsos… As décadas para decidir a localização e dimensão de um aeroporto nacional; a incapacidade de transformar uma legislação laboral arcaica, rígida e ineficaz (sendo mais fácil fazer um despedimento coletivo ou extinguir a posição do que despedir por mau desempenho); a proteção do status quo das ordens profissionais que, maioritariamente, se preocupam em ter a “chave” de acesso ao exercício da profissão – chegando a tentar bloquear a abertura de mais cursos na área; o (imenso) tempo para obter licenciamentos e autorizações, do burocrata de serviço, a determinados investimentos – da construção civil à indústria transformadora, passando pelos ensaios clínicos, até às energias renováveis. Sim, são exemplos muito variados – mas a matriz “cultural” é basicamente a mesma.

Ora as burocracias, embora necessárias para a gestão de sociedades complexas, são muitas vezes entropias à inovação. Os ciclos eleitorais complicam ainda mais os esforços de reforma a longo prazo. Os governos estão mais concentrados nas próximas eleições do que na implementação de políticas que, podendo ser impopulares a curto prazo, são essenciais para o futuro. Mas a inércia ou imobilismo não são sustentáveis, se queremos ser um país que crie valor e, a partir daí, qualidade de vida.

Como tratar esta alergia à mudança? Não existem receitas milagrosas, mas deixo aqui três ingredientes essenciais – que, nas várias escalas que mencionei, poderão ser um tónico para alavancar algo novo.

Primeiro, autenticidade e verdade, por parte de quem lidera, em relação à realidade atual. É preciso ser transparente, sinalizando a urgência da mudança: dizer, por exemplo, com clareza, que a matemática da nossa (bem-vinda) longevidade exige que se mudem os sistemas de segurança social; dizer que a rigidez do nosso sistema de educação irá, a curto prazo, impedir a atração de capital humano suficiente para as necessidades – i.e. ter professores!

Em segundo, visão e estratégia: onde pretendemos chegar e qual o caminho a percorrer. Por exemplo, se queremos ser uma referência na inovação teremos que investir a sério nas tecnologias do futuro e fazer pontes entre os meios educativo/ formativo e científico (atraindo capital e talento).

Para finalizar, como corolário lógico, uma liderança inteligente, que mobilize vontades com os “incentivos” adequados. As pessoas reagem ao que é incentivado e tomam as suas inúmeras decisões (e micro-decisões) em conformidade. Se, nas várias escalas, premiarmos quem cria, muda ou inova em relação a quem mantém o estado atual, estaremos a sinalizar o caminho e a produzir inúmeros impactos positivos. Sim, precisamos de um País um pouco menos orientado a processos… e um pouco mais orientado a resultados!

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