Entrevista/ “Empreender tal como inovar são palavras já um pouco desgastadas”
O que faz um português, biólogo de formação, numa empresa colombiana que está a transformar a cidade de Medellín num ecossistema de inovação e empreendedorismo? Agostinho Almeida explica o seu percurso empreendedor e o que o levou à Colômbia.
Depois de quase uma década de ensino e investigação na Universidade do Minho, Agostinho Almeida, biólogo de formação e doutorado em Ciências Biomédicas, sentiu que já tinha cumprido um ciclo e a necessidade de sair da sua “comfort zone”, conhecer novas realidades, novas pessoas e diferentes formas de ver o mundo levou-o a abraçar novos desafios profissionais. Fez um MBA, esteve ligado à criação de diversas start-ups e hoje é diretor de operações de uma empresa na Colômbia.
Como é que um investigador português se torna COO da Ruta N na Colômbia?
Olhando para trás, sinto que é relativamente fácil detectar os momentos e as decisões que me levaram a chegar a esta posição de Chief Operating Officer (Diretor de Operações) da RutaN na Colômbia. Hoje creio que é possível desempenhar este papel devido a todos os erros cometidos, lições aprendidas e diferentes papéis que tenho tido noutras empresas e ao forte investimento que fiz na minha formação contínua… isto misturado, claro está, com um pouco de serendipity.
A minha primeira experiência em Medellín, Colômbia, foi durante um estágio do doutoramento em 2003. Nesse momento conheci a minha futura mulher e depois de vários anos em Portugal, no final de 2011 decidimos mudar-nos com a nossa filha para a Colômbia onde já nasce o nosso segundo filho. Em 2012, comecei por gerir um centro de investigação, com o objetivo de levar a investigação desenvolvida até ao mercado em forma de produtos e serviços novos. Depois trabalhei três anos e meio num fundo de venture capital, como gestor de investimento em empresas de base tecnológica. É nesse momento que surge a oportunidade de trabalhar na RutaN.
Em que consiste exatamente esse projeto?
A RutaN surgiu em 2009, da junção de sinergias de duas empresas públicas e a Câmara Municipal, com o objetivo de que em 2021 a inovação fosse o principal dinamizador da cidade movida por uma economia do conhecimento, o que significa uma transformação enorme da cidade e vincular universidades, empresas e o Estado e estimular o investimento em I&D e Inovação.
Hoje, a Colômbia investe em I&D 0,2% do PIB e perto de 0,7% em atividades de ciência, tecnologia e inovação, enquanto Medellín investe cerca de 0,8% e 1,8% respetivamente, demonstrando uma mudança fundamental de paradigma.
O papel da RutaN tem vindo a mudar, dependendo das necessidades detetadas na cidade. Por exemplo, quando arrancou, montou programas de formação em transferência de tecnologia e desenvolvimento de produtos novos para empresas e universidades. Mais tarde avançou com programas de gestão da inovação e hoje está focada em formar talento em Inteligência Artificial. Isto apoiado por líderes globais nessas diferentes áreas.
Desde então RutaN tem contribuído para mudar Medellín, com uma população de cerca de 2,5 milhões de habitantes, e transformar a cidade num ecossistema de inovação e empreendedorismo movida por uma economia de conhecimento. Além dos programas de formação em empreendedorismo e inovação, a RutaN tem uma unidade dedicada ao desenvolvimento de negócios estratégicos para solucionar desafios da cidade (qualidade do ar, segurança, saúde, entre outros) e um programa de soft landing que atraiu mais de 200 empresas – 60% das quais não são colombianas –, que atuam, sobretudo, nas áreas da tecnologia e software, responsáveis pela criação de mais de 4 mil empregos.
Qual a estratégia adotada para fazer essa mudança?
A estratégia de RutaN tem sido direcionada, por um lado, para fortalecer as competências de atores locais, mas, por outro, para ser capaz de atrair, como cidade, o melhor talento, empresas e capital, ambos com uma lógica de transformação da cidade. Esta atração não tem sido feita com apoio financeiro ou benefícios fiscais, mas demonstrando que a cidade tem muito a oferecer para desenvolver negócios inovadores e servir de plataforma de crescimento na América Latina.
Nos anos 90, Medellín era considerada umas das cidades mais violentas do mundo com baixa confiança dos investidores (nacionais e internacionais), sem grande capacidade de I&D e com poucas competências de inovação e tem-se transformado muito nos últimos anos.
Em 2013, foi eleita a Cidade Mais Inovadora do Planeta*, segundo o Wall Street Journal e o Urban Land Institute, devido não só ao compromisso de colocar a inovação como um dinamizador do crescimento da cidade, mas também devido à inovação e inclusão social e económica através de sistemas de transporte e novos espaços públicos, entre outros.
Como é trabalhar na realidade colombiana? Principais diferenças face a Portugal?
De forma geral, trabalhar e adaptar-me à realidade colombiana tem sido fácil, sobretudo, porque sinto que recebem de braços abertos pessoas de outras culturas e países, sempre e quando são bem-intencionadas, trabalhadoras e respeitadoras. Há certamente diferenças culturais, políticas, formas distintas de trabalhar e relacionamento com os colegas, na negociação comercial e empresarial e, apesar de semelhantes, português e espanhol sempre são línguas diferentes.
Inicialmente, esperava encontrar diferenças mais acentuadas entre os dois países, mas no fundo, acho que a realidade de trabalhar na Colômbia não é assim tão diferente quando comparada com Portugal. Creio ser importante realçar que, mesmo dentro da Colômbia, há certas idiossincrasias que mudam dependendo da cidade e da região em que estamos.
Como é que MBA mudou a sua vida e a sua visão do mundo dos negócios?
Quando decidi fazer o MBA, devo confessar que vinha de um mundo muito diferente, de investigação básica, que nessa época era mais afastado do sector privado e com um modus operandi diferente. O MBA deu-me as hard skills, a estrutura mental, a disciplina, o método, o entender como funciona o mundo de negócios, de ser capaz de fazer análises financeiras. E, mais importante que isso, as amizades que fiz durante esse período. Para alguém que gosta de aprender, que realmente queira ver as coisas de forma diferente o MBA foi uma excelente opção, um game changer.
A melhor analogia que encontro é que o MBA fez com que visse o mundo através de óculos com diferentes graduações, permitindo ter diversas perspetivas. E estes seis anos fora do país e a experiência na Colômbia definitivamente deram-me uma visão diferente do mundo de negócios.
Como foi a experiência de criar empresas com os colegas do MBA?
Devo confessar que não entrei no MBA a pensar que ia criar a minha própria empresa, pelo menos não tão rapidamente. Inicialmente, não quis participar no Programa Cohitec – programa de tech entrepreneurship da Magellan MBA da Porto Business School – e, hoje, reconheço, que foi uma das melhores experiências que tive, até porque percebi não só que era o que queria fazer, mas realmente o que deveria fazer. Foi nesse momento que com quatro amigos (Hugo, Bruno, Rafael e João) arrancamos com o nosso primeiro projeto Venture Catalysts.
Isto mudou para sempre a minha vida, não tanto pela criação da empresa, mas sim pelo voto de confiança e lealdade que construímos entre os cinco e a visão comum que tínhamos e ainda temos.
Hoje, ainda que estando longe, sei que voltarei para continuar a construir esse sonho. Pouco depois da Venture Catalysts, surgem a Abyssal e a Immunethep, mais duas iniciativas que resultam de tecnologia de ponta desenvolvida em Portugal com potencial para ser competitiva globalmente, com mercados importantes e, sobretudo, inovadores e investigadores que partilham a visão em projetos a longo prazo, crucial para tech start-ups.
Em que momento pensou que ser um empreendedor poderia ser a sua opção profissional?
Mais que uma opção profissional, para mim ser empreendedor reflete um conjunto de atitudes e formas de estar para enfrentar problemas e desafios e procurar soluções viáveis através da dedicação, motivação, pensamento crítico, liderança, trabalho em equipa, entre outros. Decididamente, não é preciso criar uma empresa para ser uma pessoa empreendedora. Aliás, começo a sentir que empreender, tal como inovar, são palavras já um pouco desgastadas. Gosto mais de pensar em criar valor, ser competitivo, ser mais produtivo, etc. Tudo isto direcionado a uma visão estratégica clara e um a impacto que deve ser transversal no mundo em que vivemos (social, financeiro e ambiental).
Qual a importância da formação na sua vida?
Tudo o que sou hoje se deve às inúmeros oportunidades que a vida me deu para formar-me em diferentes áreas de conhecimento. Primeiro como Biólogo, mais tarde no doutoramento em Ciências Biomédicas e no MBA, mas também nos cursos que tenho vindo a frequentar para manter-me atualizado. Também na formação contínua que tenho tido ao executar as diferentes funções que desempenhei durante a minha carreira profissional. Um dos processos em que mais me formo é no contato com novos estudantes todos os anos, estes sim uma fonte de exigência na renovação de conceitos e métodos de ensino. Finalmente, a aprendizagem e formação constantes são cruciais e resultam da interação com outras pessoas, disponibilidade para arriscar e aprender com os erros cometidos.