Empreendedores por opção. Dois projetos, três histórias de vida.

Um projeto de viagens e um centro de desenvolvimento e intervenção para crianças e jovens com dificuldades intelectuais, de desenvolvimento e de aprendizagem, são dois exemplos de como “a necessidade aguça o engenho”, como diz o velho ditado, e de como se pode descobrir a veia empreendedora adormecida em cada um de nós. Conheça a história dos empreendedores por detrás da LevarTravel e da Desenvolve-T.
Ser empreendedor nem sempre é uma característica inata. Muitas vezes são as circunstâncias de vida que “empurram” para esta opção profissional. Fomos conhecer duas histórias de pessoas que se transformaram em “empreendedores por opção” e que partilharam as suas histórias, o que as move e as razões que as levaram a lançar os seus próprios projetos.
São eles Nuno Relvas, formado em finanças, e Isabel Neves, engenheira biomédica, que criaram a LevarTravel, e Andreia Paes de Vasconcelos que deixou a área das vendas na Vorwek para abraçar o projeto Desenvolve-T, com a motivação reforçada de quem tem um filho com Trissomia 21.
Da biomedicina e das finanças para as viagens
O primeiro projeto foi criado por Isabel Neto, 34 anos, e Nuno Relvas, 35, e chama-se LevarTravel, uma empresa de viagens culturais e de aventura com foco prioritário no turismo sustentável. É uma das 1.226 novas empresas que, de acordo com dados da consultora D&B, surgiram durante o período de confinamento a que o país esteve sujeito entre 19 de março e 2 de maio de 2020.
“O nosso projeto foi pensado e estruturado antes do início da pandemia e, após uma análise aprofundada e cautelosa sobre a situação mundial, formalizámos a decisão de criar a LevarTravel em abril de 2020”, explicou Nuno Relvas. Assim, a pensar na sustentabilidade, os dois jovens portugueses, apaixonados por viagens e preocupados com o impacto social e ambiental do turismo nos locais mais remotos, sentiram que havia uma forte necessidade de mudança de mentalidades e costumes dos turistas, sendo que este aspeto era a “palavra-chave para o seu novo conceito de turismo”.
Com o surgimento da pandemia, Isabel Neto e Nuno Relvas perceberam que o seu projeto, ia “claramente ao encontro das necessidades atuais, servindo como resposta às dificuldades apresentadas pela pandemia e como alternativa ao turismo massificado”, explicaram.
A LevarTravel preocupa-se com a quantidade de pessoas que leva a viajar e, neste sentido, procura ativamente soluções para contribuir para a sustentabilidade da atividade, tentando gerar um impacto positivo quer para os seus clientes, quer para os locais para onde viajam.
Por isso, Nuno Relvas esclarece que “durante as viagens, sensibilizamos para a importância e para a necessidade do turismo responsável, servindo como elo de ligação entre os anseios dos viajantes e da sociedade local envolvida, garantindo a proteção ambiental e desenvolvimento económico e cultural do país”. Pretendem deixar uma pegada positiva nas comunidades que acolhem os visitantes, apelando a quem viaja com a LevarTravel para a importância da solidariedade comunitária, com o intuito de dar a conhecer projetos locais de voluntariado e instituições de apoio a causas várias.
Potencializar o modelo de turismo sustentável; valorizar o desenvolvimento socioeconómico das comunidades acolhedoras, protegendo a sua autenticidade; e ajudar na conservação da biodiversidade da Terra, através da compensação das emissões de carbono da atividade são prioridades da empresa que também se compromete a doar uma percentagem dos ganhos a um dos projetos, ou até mesmo de uma família mais carenciada, das regiões visitadas.
Reviravolta profissional
A nova opção profissional do casal Nuno e Isabel não podia estar mais longe da formação académica que ambos escolheram. Com um doutoramento em engenharia Biomédica, Isabel foi cientista na área da medicina regenerativa durante 10 anos, tendo estudado e trabalhado em várias Instituições de renome em Portugal, Irlanda, Alemanha e Inglaterra. Já Nuno formou-se em Finanças na Universidade Católica, no Porto.
Antes de abraçarem o desafio da LevarTravel trabalharam em Inglaterra durante três anos. “A Isabel recebeu uma proposta para um pós-doutoramento para trabalhar no Imperial College of London, e eu juntei-me poucos meses mais tarde para trabalhar na área financeira de uma grande empresa norte-americana de rent-a-car, onde permanecemos até 2020”, revelou Nuno Relvas.
A mudança de vida coincidiu com o regresso a Portugal. “Apesar de estarmos com carreiras profissionais em crescendo, bastante realizados profissional e financeiramente, a Isabel como líder de equipa de Bioengenharia e eu como Pricing e Data Analyst de vários mercados europeus, e super adaptados ao país que nos recebeu de braços abertos, começámos a sentir saudades da família e amigos e uma forte necessidade de voltar ao nosso cantinho à beira-mar plantado, pelo que o regresso começou a ser uma realidade e uma vontade de ambos”, relembrou.
Começaram a preparar o regresso em 2019 e a pensar em criar um projeto pessoal em que ambos pudessem estar envolvidos. E como o maior hobby desta dupla são as viagens e toda a logística que estas envolvem (marcação, roteiro, visitas, entre outros), nada fazia mais sentido do que criarem a própria agência de viagens. E assim nasceu a LevarTravel. Agarraram nas competências e métodos de trabalho adquiridos e desenvolvidos ao longo das respetivas carreiras profissionais e aplicaram no novo projeto.
“As viagens estão nos nossos genes. É o nosso maior hobby e uma área que nos agrada bastante. Decidimos correr atrás do nosso sonho, de podermos trabalhar diariamente num projeto pessoal, numa área que mexe connosco e nos traz felicidade dia após dia, não considerando isto um trabalho, antes uma paixão”, frisou Nuno Relvas.
Sem experiência, mas com muita motivação!
Este poderia ser o lema da dupla fundadora da LevarTravel. “Não tínhamos experiência na área em termos profissionais, no entanto, somos grandes conhecedores de Portugal e do mundo. Já visitei mais de 70 países, a Isabel mais de 50. Sempre gostámos de ler livros, ver documentários, seguir grandes viajantes nas redes sociais e desenvolver uma ampla rede de contactos, o que nos ajudou e facilitou a organização e planeamento de viagens, quer próprias, quer para amigos e familiares. Todas as nossas pesquisas sobre outros países, outras culturas, outros povos, outras religiões, outras gastronomias, enfim, outras realidades, permite-nos um vasto conhecimento do mundo”, explicou.
Hoje lidera a equipa de 17 elementos que constituem a LevarTravel, todos viajantes experientes e de nacionalidade portuguesa, que lideram diversas viagens e auxiliam na apresentação de projetos personalizados de viagem, sejam em casal, de amigos, em família, entre outros.
Um primeiro ano de muitos desafios
“A LevarTravel celebrou o primeiro aniversário no passado mês de abril e é com orgulho que olhamos para o trabalho desenvolvido até ao momento”, revela Nuno Relvas, lembrando todo o trabalho árduo, com foco, determinação e resiliência de todos os membros envolvidos no projeto, o que deu azo e permitiu mais visibilidade à marca e grande notoriedade a nível nacional e internacional, o que mostra a vontade de crescer da empresa e afirmá-la “como uma alternativa credível no mercado”.
Agora, com o projeto em marcha, o melhor conselho que o cofundador da LevarTravel pode dar aos jovens que pretendam mudar de vida, é simples: “corram atrás dos vossos sonhos, não valorizando em demasia, apenas respeitando, opiniões alheias. Sejam resilientes, deem tudo de vós, com vontade e dedicação e, acima de tudo, acreditem no vosso próprio projeto, pois se vocês próprios não acreditarem, não conseguirão passar uma mensagem de confiança. E lembrem-se desta expressão: “A “sorte” é criada pelas oportunidades que a vida nos disponibiliza e dá muitíssimo trabalho”, conclui Nuno Relvas.
Desenvolve-T, um projeto que começou dentro da família
Reinvenção, resiliência e propósito de vida bem que poderiam ser as palavras de ordem do projeto criado por Andreia Paes de Vasconcellos, o Desenvolve-T, um centro infantil de terapias. “O meu filho Tomás nasceu com Trissomia 21 e nunca aceitei que ele fosse visto só como Trissomia 21. Queria que fosse visto e valorizado. Queria dar-lhe voz, mas para isso tinha de o igualar aos seus pares, só assim conseguiria que fosse aceite na sociedade. E foi isso que fiz! Lutei! Abri caminhos para que ele pudesse vencer. Criei um Blog, onde mostro a realidade da Trissomia 21. Escrevi um livro, “Maternidade, Amor e Trissomia 21”, para amparar futuros pais e mostrar-lhes que era possível sermos felizes na adversidade”, revelou a jovem mãe para contextualizar as motivações que estiveram na base deste projeto que nasceu no seio familiar.
Formada em Marketing e Comunicação, o percurso profissional de Andreia, 37 anos, passou pela área de vendas, e antes de assumir o desafio Desenvolve-T era chefe de vendas na multinacional Vorwek, casa mãe da marca Bimby.
Ainda manteve o trabalho depois do nascimento do Tomás, explica, mas a exigência de um filho pequeno, para mais com condições especiais, levou-a a repensar a vida profissional. Até porque, entretanto, a família aumentou com mais duas crianças, agora com 5 e 2 anos, que se juntaram ao irmão Tomás, com 6 anos.
Deixou a multinacional para trabalhar numa empresa familiar, no ramo da fotografia, até que, em 2019, tomou a decisão de criar o Desenvolve-T – depois de muitas conversas com a terapeuta do Tomás, sócia do projeto – em que ficou percetível a falta de centros infantis que apostassem numa equipa multidisciplinar e em terapias intensivas.
A necessidade de trabalhar com as várias valências de desenvolvimento num único espaço levou-a a abrir o Desenvolve-T, um projeto que “dá resposta a todo o tipo de necessidades do desenvolvimento das crianças”. Hoje envolve uma equipa multidisciplinar de 14 pessoas “com muita dedicação e gosto pelo projeto” e recebe, mensalmente entre 60 a 70 crianças.
Mais do que um centro, uma família
O centro tem tido bastante adesão e um crescimento notável todos os meses, contou Andreia. 100% dedicada à Desenvolve-T e a ajudar as famílias em situações semelhantes à de Tomás, Andreia revela que cada vez tem tido mais procura, “o que nos deixa muito felizes” e, salienta, que, mais que um centro, querem ser uma família e ir mais além do lado monetário ou comercial.
Com o Desenvolve-T, a jovem mãe empreendedora quer que as famílias que os procuram “se sintam em casa e isso sente-se assim que os pais entram no centro. Quando se trabalha com amor, isso sente-se e é aqui que nos distanciamos dos demais. Somos um centro de terapias com todas as valências necessárias para o desenvolvimento da criança, o que permite que haja um trabalho de equipa em prol da criança. Onde se ajustam estratégias diariamente para o melhor desenvolvimento da criança. Quando os pais nos chegam angustiados, queremos dar-lhes esperança acima de tudo”.
Fundado exclusivamente com o investimento das duas sócias, o centro também sentiu o peso da pandemia. No confinamento de 2020, fechou em março para só voltar a abrir em maio. Este ano, a opção foi outra: acompanhamento online das crianças, até o centro reabrir e serem retomadas as sessões presenciais, o que já aconteceu.
Dois anos depois de ter iniciado esta aventura Andreia Paes de Vasconcellos não se arrepende da opção que tomou. “É um desafio, tudo passa por nós e as coisas têm corrido bem. Mas há sempre arrestas a limar”, confidencia. E não hesita em afirmar que “é uma aposta ganha”. Aliás, este ano espera abrir um novo centro em Lisboa (na margem sul) e no próximo ano no Norte do país. Entretanto, vai partilhando com os pais o seu blogue e quem sabe, num futuro próximo, um novo livro.