Opinião
E se nos empenhássemos?
Tristeza, revolta e indignação com a prepotência, o desrespeito e os pequenos poderes que imperam na nossa sociedade e que, em cada volta de esquina, nos atrapalham e dificultam a vida.
Mudam o destino do País? Certamente, não. Mas mudam muito a vida das pessoas que a eles são sujeitos.
E são exercidos por alguns dos que, por estarem atrás dum balcão, duma farda, dum serviço monopolista, protegidos pela anonimidade de um call center ou, simplesmente, porque sim. Só porque podem e porque daí retiram um não sei qual prazer macabro e perverso.
O assistente do call center que se limita a seguir o script que tem à frente, nada faz para perceber o que está em causa e, muito menos, para resolver o problema, mesmo quando lhe explicam a gravidade da situação… e, quando pedimos para falar com o supervisor, tudo faz para o evitar.
A rececionista do laboratório de análises clínicas que se recusa a aceitar o pedido de um senhor de muita idade, vindo de mais de 100 km de distância… porque a data da requisição está rasurada.
O monopolista que obriga ao pagamento de faturas disparatadas de valores exorbitantes… e só depois pode reclamar e, “daqui a pelo menos 30 dias, daremos uma resposta” (mas, entretanto, o dinheiro está do lado de lá…).
Tal como aquele que, por ser o único fornecedor de um serviço sem o qual não podemos viver, nos obriga a pagar dívidas de anteriores detentores dos contratos, alegando não sabemos bem que disparate legal… e, “se quiser, reclame depois”.
O agente de autoridade que se incomoda por ter de explicar o caminho a uma senhora que, claramente, está perdida e confusa… e talvez até incapaz de chegar sozinha ao seu destino.
O filho de pais com poucos estudos que lhe pagaram a universidade com sacrifício e agora é doutor…, que muito se impacienta com a forma pouco erudita como os Pais se explicam perante um médico.
Todos, obviamente, resguardados atrás de processos e normas, de regras, do que está estipulado, da pressa… e todos, também, sem a mínima preocupação com a Pessoa que está à sua frente.
Felizmente são só alguns. Certamente mal-amados e com problemas por resolver, que nos usam a todos (e quanto mais fracos, melhor…) para descarregar as suas frustrações. Porque há outros, e muitos, que, nas mesmas circunstâncias, usam como arma o sorriso e como forma de estar a preocupação de ajudar quem os aborda.
E nós, os que assistimos a isto tudo, o que fazemos?
Porque também temos pressa, porque temos mais em que pensar, porque não temos paciência, porque não vale a pena, ou porque não é nada connosco… viramos a cara, encolhemos os ombros, comentamos com a primeira pessoa com quem nos cruzamos… e deixamos morrer o assunto.
E se mudássemos de atitude?
Não deveríamos exigir que todos fôssemos merecedores, por parte de quem nos “atende”, de um sorriso, de respeito e da vontade de nos ajudar a resolver a situação que enfrentamos?
E se, como toda a vida vi a minha Mãe fazer, fôssemos atrás do que devia ser feito?
E se não desistíssemos, enquanto não conseguíssemos que no call center nos resolvessem o problema?
Se explicássemos à rececionista do laboratório de análises clínicas que bem podia aceitar a requisição e não obrigar o senhor a voltar?
Se disséssemos ao agente de autoridade que, um dia, podia ser um familiar dele que estava perdido?
Se perseguíssemos judicialmente quem nos obriga a pagar o que está errado ou a assumir responsabilidades que não são nossas?
Se não admitíssemos que os filhos desdenhassem dos pais à nossa frente?
Se nos empenhássemos, não seria possível construir um mundo melhor?