Entrevista/ “É crucial motivar e encorajar as mulheres com talento a proporem-se a posições de liderança”

Isabel Afonso, Head of In-Market Brands & Business Innovation da Novartis

Com uma carreira internacional de vários anos, Isabel Afonso está atualmente na Novartis, na Suíça. No Dia Internacional da Mulher partilha com o Link To Leaders alguns dos desafios que tem enfrentado no seu percurso profissional e pessoal.

“É importante assegurar que os melhores talentos tenham oportunidades iguais, independentemente do género, para maximizar o potencial da organização”, afirma Isabel Afonso, Head of In-Market Brands & Business Innovation da Novartis, que no Dia Internacional da Mulher partilha a sua experiência e os desafios que, como mulher e executiva, tem enfrentado na construção da sua carreira.

Formada em engenharia de sistemas e informática, na Universidade do Minho, Isabel Afonso trabalhou em empresas como Sonae, Unicer ou Sandoz, mas foi na China, no auge da pandemia da Covid-19, na Novartis Oncologia (onde liderou uma equipa de 1200 pessoas), que teve a experiência mais transformacional da sua vida, recorda.

Quando se fala de exemplos de liderança no feminino, não hesita em citar a personalidade forte e determinada da avó Maria Afonso que liderava os negócios de família numa aldeia em Trás-os-Montes.

Atualmente na Suíça, Isabel Afonso dá continuidade a um percurso profissional desafiante, mas no qual procura conseguir  “um equilíbrio saudável entre trabalho e vida pessoal com grande prioridade na família”.

Quem é a Isabel Afonso?
Mãe de três filhos com muita energia para ter um impacto para um mundo melhor e com mais saúde. Curiosidade, coragem, determinação e humildade para ouvir e aprender são algumas das minhas características.

Globalmente, existem 38% de mulheres em lugares de topo na saúde, área em que 75% da força total de trabalho é feminina. Portugal é também o espelho desta realidade. Como vê a igualdade de género na área da saúde?
Dentro da saúde, se olharmos para cargos de liderança na indústria farmacêutica a nível global e europeu, as estatísticas são ainda mais baixas. De acordo com relatórios publicados pela EY e pela Associação Europeia da Indústria Farmacêutica (EFPIA), as mulheres representam apenas 21 a 23% desses cargos, respetivamente. Isso destaca a necessidade de um esforço contínuo para promover a igualdade de género e garantir a representação equitativa de mulheres em todos os níveis da organização. Há vários estudos que demonstram que as empresas com maior diversidade de género em cargos de liderança têm um desempenho financeiro superior do que aquelas com menor diversidade.

Além disso, pela minha experiência, acredito que a diversidade de perspetivas e abordagens pode levar a resultados mais inovadores e bem-sucedidos. É importante assegurar que os melhores talentos tenham oportunidades iguais, independentemente do género, para maximizar o potencial da organização.

“(…) é crucial motivar e encorajar as mulheres com talento a proporem-se a posições de liderança e desenvolver as suas habilidades (…)”.

O que falta fazer para que as mulheres consigam mais representatividade em cargos de decisão/liderança, na vida empresarial, na saúde, na ciência…?
Acredito que para promover a representatividade de mulheres em cargos de liderança é essencial identificar e eliminar preconceitos inconscientes, fomentar uma cultura inclusiva e diversa e fornecer mentoria e oportunidades de desenvolvimento de liderança para mulheres. Além disso, é crucial motivar e encorajar as mulheres com talento a proporem-se a posições de liderança e a desenvolverem as suas habilidades para que possam alcançar todo o seu potencial.

Quais os grandes desafios que ainda se colocam à mulher nos dias de hoje?
Além da falta de representatividade de mulheres em cargos de liderança de que falava, há outros desafios que as mulheres enfrentam nos dias de hoje. Observo muitas vezes a dificuldade para conseguirem um equilíbrio entre vida profissional e pessoal. Conciliar responsabilidades profissionais e familiares nem sempre é fácil, em alguns países e culturas este desafio é ainda mais agravado. O acesso limitado a mais educação, oportunidades de desenvolvimento e mentores por vezes também limitam o potencial de carreira e o desenvolvimento pessoal.

“Não acredito que as quotas sejam solução”.

Em pleno século XXI continua a fazer sentido discutir o tema de quotas para mulheres em determinados cargos?
Não acredito que as quotas sejam solução. No entanto para determinados cargos podem ser uma ajuda temporária para promover a igualdade de género e garantir a representatividade feminina. No entanto, creio que a verdadeira solução requer um esforço contínuo de indivíduos, organizações e Governos para eliminar a desigualdade de género e promover um ambiente de trabalho inclusivo e diverso.

“(…) devem ser valorizadas  [as mulheres] pela sua diversidade de perspetivas e habilidades em todos os setores, incluindo a liderança e os negócios”.

Na sua opinião, o que diferencia a visão das mulheres e dos homens no mundo dos negócios?
Acredito que as diferenças entre a visão das mulheres e dos homens nos negócios e na saúde são influenciadas pelas suas experiências de vida e características únicas de cada um. É importante valorizar as perspetivas e ideias únicas de cada indivíduo, independentemente do género.

Se olharmos para o passado, o papel das mulheres muitas vezes concentrava-se em funções de cuidado e responsabilidades relacionadas com a família e a comunidade, o que valorizava habilidades como a colaboração, empatia e capacidade de cuidar. Essas características foram fundamentais e continuam a ser valiosas em muitos aspetos da vida de hoje. No entanto, é importante reconhecer que as mulheres têm muito mais a oferecer do que essas habilidades, e que devem ser valorizadas pela sua diversidade de perspetivas e habilidades em todos os setores, incluindo a liderança e os negócios.

“(…) ter modelos e exemplos de sucesso de mulheres em cargos de liderança pode inspirar e atrair talento feminino”.

O que é que as empresas podem fazer para combater os estereótipos de género nas escolhas de carreira, na atração e retenção de talento feminino?
Acredito que ter modelos e exemplos de sucesso de mulheres em cargos de liderança pode inspirar e atrair talento feminino. Além disso, as empresas deveriam identificar se há preconceitos inconscientes no processo de seleção ou promoção e corrigir: proporcionar oportunidades de desenvolvimento de liderança para os seus talentos femininos e, como falava, promover uma cultura organizacional inclusiva e diversa para que mulheres (e homens) alcancem todo o seu potencial.

Passou pela Sonae, pela Unicer, pela Sandoz, pela Performance Health e pela Novartis e assumiu sempre cargos de liderança. De todos os desafios por que já passou, qual o que mais a marcou e teve impacto na sua carreira?
Sinto-me privilegiada por ter tido tantas oportunidades de desenvolver a minha carreira de liderança e com vários desafios ao longo dos anos. Destaco uma experiência recente na China, que considero transformacional para mim e para a minha família que me acompanhou nessa aventura. Fui diretora-geral da Novartis Oncologia, baseada em Xangai e liderei uma equipa de 1200 pessoas com a missão de fazer crescer o negócio e, mais importante, ter um impacto nos pacientes que precisam de tratamento.

Na China, cinco chineses morrem de cancro a cada minuto e foi isso que me levou a mudar toda a família da Suíça (Basileia) para Xangai. Adorei a experiência e aprendizagem de trabalhar com uma cultura diferente, valorizar e incluir outras abordagens e perspetivas, como nos entendermos e criar significado e missão conjunta. Esta experiência teve um impacto muito forte em mim, eliminou bias, generalizações e aumentou a minha perspetiva e apreciação profunda das diferenças.

Alguma vez se sentiu discriminada?
Não e reconheço que isso não é representativo da situação de muitas mulheres.

A Isabel tem também espírito empreendedor. Fundou uma start-up no setor da educação com 23 anos e em paralelo manteve o seu trabalho na Sonae e depois na Unicer. Quer contar-nos um pouco mais sobre esta experiência?
Sim, costumo dizer que o empreendedorismo está no meu ADN, já vem dos meus avós e bisavós que tinham os seus negócios. Quando terminei o curso de engenharia de sistemas e informática na Universidade do Minho, fui trabalhar para a Sonae e depois para a Unicer. Gostei imenso, tive o privilégio de trabalhar em projetos muito interessantes (por exemplo em SAP) e liderar equipas desde muito cedo.
No entanto, tinha uma determinação, curiosidade imparável de ter o meu próprio negócio. Daí nasceu este projeto da start-up com uma amiga, a Isabel Teixeira. Foi uma experiência que me ensinou como liderar um negócio com recursos muito limitados, arranjar soluções, colaborar, motivar pessoas e servir o cliente com excelência. Adorei!

“Para alcançar um cargo de liderança, acredito que é fundamental ter uma disposição e vontade de aprendizagem contínua (…)”.

Que conselho deixaria a uma jovem executiva com ambição de alcançar um cargo de liderança?
Para alcançar um cargo de liderança, acredito que é fundamental ter uma disposição e vontade de aprendizagem contínua, ter um propósito claro e procurar oportunidades para contribuir e desenvolver.
Além disso, é importante construir uma rede de apoio forte, incluindo mentores. Dedicação, determinação, perseverança e, às vezes, muita coragem são essenciais nessa jornada.
Acredito também que é importante não se concentrar apenas em si própria, mas também em genuinamente ajudar os outros. Isso cria uma energia e dinâmica positiva, além de amplificar o impacto pessoal e do trabalho. Considero estas atitudes e valores importantes para superar obstáculos e alcançar os objetivos com impacto.

Quais são as suas grandes referências em termos de liderança feminina? Mulheres que tenham feito a diferença e a tenham marcado?
Quando penso em grandes referências de liderança feminina, dois exemplos extremos vêm à minha mente. O primeiro é a minha avó Maria Afonso, que liderava os negócios numa aldeia em Trás-os-Montes. Lembro-me da sua disciplina, rigor e assertividade ao gerir, liderar e fazer crescer os negócios. Tinha uma personalidade forte e determinada e era admirada e respeitada por todos à sua volta, numa altura que que os exemplos de liderança femininos eram raros. Já em tempos mais atuais, referencio a Jacinda Ardern, a primeira-ministra da Nova Zelândia, pelos seus valores e liderança empática, inclusiva e decidida que demonstrou em momentos de crise.

“Procuro um equilíbrio saudável entre trabalho e vida pessoal com grande prioridade na família”.

O que falta fazer à Isabel executiva/líder? E à Isabel mulher?
Vejo a liderança como uma jornada constante e não um destino. No mundo em que vivemos em mudança constante e por vezes até disrupção, há sempre novas habilidades para aprender, desafios para superar e oportunidades para melhoria contínua. Como líder, é importante estar sempre aberta a novas ideias e perspetivas. Gosto de estar constantemente a explorar formas de aumentar e amplificar o meu impacto.

Além disso gosto de ser um exemplo para as minhas filhas Maria e Gabriela e também para o meu filho António. Eles dão-me muita energia para continuar esta jornada de trabalhar para deixar um mundo melhor. Procuro um equilíbrio saudável entre trabalho e vida pessoal com grande prioridade na família.

Respostas rápidas:
O maior risco: Mudar a família da Suíça para a China durante a Covid.
O maior erro: Não ter começado a aprender mais línguas mais nova.
A maior lição: O apoio e parceria dos meus filhos e marido são a minha base de vida.
A maior conquista: Ser mãe de três filhos maravilhosos que me inspiram a ser uma pessoa melhor.

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