Entrevista/ “É a confiança que transforma um grupo de pessoas numa equipa”

Gary T. Judd, practice Leader da FranklinCovey*

Gary T. Judd já ajudou a desenvolver os níveis de confiança de numerosas organizações que integram a lista Fortune 500 e onde se incluem a Disney Company, a Marriott Corporation e a Shell Oil. Em outubro vamos poder ouvi-lo no Business Transformation Summit, em Lisboa, a falar sobre como criar e manter uma cultura de confiança no seio das empresas.

Tem impacto sobre nós 24 horas por dia, sete dias por semana e 365 dias por ano. Sustenta e afeta a qualidade de cada relacionamento, de cada comunicação, de cada projeto de trabalho e de cada negócio. Falamos de confiança, a nova “moeda” do mundo atual, explica Gary T. Judd, practice Leader da FranklinCovey e especialista global no desenvolvimento de culturas movidas pela Velocidade da Confiança, citando Stephen M. R. Covey, o autor do livro “The Speed of Trust”.

Para o especialista que já trabalhou com empresas como a Disney e a Shell Oil e que virá a Portugal em outubro, “é a confiança que transforma um grupo de pessoas numa equipa. É a confiança que transforma um fornecedor num verdadeiro parceiro. É a confiança que cria uma marca forte com clientes fiéis”.  Por isso, aconselha: “confie nas pessoas com quem trabalha e inspire-as a fazer a diferença”.

 “The Speed of Trust: The One Thing That Changes Everything” é o tema que vai apresentar no Business Transformation Summit, em Lisboa. Quer explicar por que é que a velocidade da confiança é tão importante?
No mundo dos negócios e das organizações de hoje, as expetativas são maiores do que nunca. A mudança acontece de forma rápida e sem precedentes, a pressão para o desempenho é implacável – e, no final do dia, ainda somos responsáveis pelos resultados. Para muitos líderes, até mesmo para os bons líderes, parece que tudo, mesmo as coisas mais simples, demoram mais tempo e custam mais.

Depois de trabalhar com milhares de equipas e organizações em todo o mundo, chegámos à conclusão de que a maioria das questões de desempenho organizacional são, na verdade, questões de confiança disfarçadas. O motivo, que é simples e muitas vezes negligenciado, é o seguinte: o trabalho é feito com e através de pessoas. As organizações são formadas por um número infinito de conexões humanas – e essas conexões permanecem juntas através da confiança. É por isso que não há nada mais impactante para as pessoas, para o seu trabalho e para o seu desempenho, do que a confiança – e duas décadas de dados corroboram esta ideia.

Por que é que a confiança tem tanto impacto na vida das empresas e das pessoas?
Talvez a melhor resposta a essa pergunta venha diretamente de Stephen M. R. Covey, o autor do livro “The Speed of Trust”, que disse: “Há uma coisa que é comum a cada indivíduo, relacionamento, equipa, família, organização, nação, economia e civilização em todo o mundo – uma coisa que, quando desaparece, pode destruir o governo mais poderoso, o negócio mais bem-sucedido, a economia mais próspera, a liderança mais influente, o caráter mais forte, a maior das amizades. Por outro lado, se desenvolvida e alavancada, essa coisa tem o potencial de criar um sucesso e prosperidade sem precedentes em todas as dimensões da vida. No entanto, é a possibilidade menos compreendida, mais negligenciada e mais subestimada do nosso tempo. Essa coisa é a confiança. A confiança tem impacto sobre nós 24 horas por dia, 7 dias por semana, 365 dias por ano. Ela sustenta e afeta a qualidade de cada relacionamento, de cada comunicação, de cada projeto de trabalho, de cada negócio, de cada esforço em que estamos envolvidos. Muda a qualidade de cada momento presente e altera a trajetória e o resultado de cada momento futuro das nossas vidas, tanto ao nível pessoal como profissional”.

“Quando a maioria das pessoas pensa em moeda, pensa tipicamente em dinheiro. Mas existe um outro tipo de “moeda” que é ainda mais importante na criação de um sucesso sustentado na economia global de hoje – a moeda da confiança”.

Como pode a confiança ser a nova “moeda” do mundo atual, como refere muitas vezes?
Quando fizemos a atualização do livro “The Speed of Trust” no ano passado, Stephen incluiu este pensamento e esta ideia de que a confiança é a nova moeda do mundo interdependente e colaborativo de hoje: A moeda é definida como “algo que está em circulação como um meio da troca”. Quando a maioria das pessoas pensa em moeda, pensa tipicamente em dinheiro. Mas existe um outro tipo de “moeda” que é ainda mais importante na criação de um sucesso sustentado na economia global de hoje – a moeda da confiança.

Seja à escala global ou num simples aperto de mão entre amigos, sem confiança nenhuma quantia de dinheiro pode garantir uma mudança significativa ou prolongada. Como disse Warren Buffett, se não confia onde tem o seu dinheiro, o mundo para”. Com confiança, o dinheiro e todas as outras formas de moeda tornam-se secundários. O dinheiro torna-se uma ferramenta cujo valor relativo sobe ou desce em função da confiança na sua fonte.

Quando as pessoas veem um país, uma organização ou mesmo um indivíduo como credível ou merecedor de confiança, os dividendos de confiança que se acumulam proporcionam acesso, oportunidades e influência que o dinheiro sozinho nunca poderia comprar. No dia em que o gigante do e-Commerce Alibaba anunciou a maior IPO (Oferta Pública Inicial) da história, o fundador e presidente Jack Ma descreveu essa moeda da seguinte forma: “Hoje o que temos não é dinheiro. O que temos é a confiança do povo. Confiança. Confiem em nós, confiem no mercado, confiem nos jovens e confiem na nova tecnologia. O mundo está a ficar mais transparente. Porque quando confiamos, tudo é simples. Se não confiarmos as coisas complicam-se”.

“Só seremos capazes de criar e manter uma cultura de alta confiança, se mantivermos um foco consciente e intencional na nossa credibilidade e no nosso comportamento”.

O que devem os líderes e as organizações fazer para criar e manter uma cultura de confiança?
Primeiro, a confiança é uma junção de duas coisas: credibilidade e comportamento. Isso aplica-se a nós, às nossas equipas, organizações e até mesmo à nossa marca. Só seremos capazes de criar e manter uma cultura de alta confiança, se mantivermos um foco consciente e intencional na nossa credibilidade e no nosso comportamento. Em segundo lugar, as culturas de alta confiança são criadas de dentro para fora. Como uma pedra atirada a um lago, a confiança começa comigo, depois alastra-se, impactando os nossos relacionamentos, a nossa organização, o nosso mercado e até mesmo a nossa sociedade.

A confiança é a única coisa que muda TUDO e a alta confiança é a “fonte” de toda a grande cultura organizacional. Como líder, se quiser criar e desenvolver uma cultura de desempenho, uma cultura envolvente, uma cultura de qualidade ou uma cultura de inovação – em suma, se quiser criar uma cultura vencedora, primeiro, deve construir uma cultura de alta confiança. Uma cultura de alta confiança é como uma maré crescente que levanta os barcos todos.

Pense no seguinte: Consegue realmente construir uma cultura de colaboração sem confiança? Consegue garantir uma cultura de inovação sem confiança? É possível sustentar um alto desempenho com todos os seus stakeholders sem confiança? Comece pela confiança, porque com confiança a sua capacidade de lograr estas e outras coisas aumenta drasticamente.

Ao longo do seu percurso profissional, quais foram as principais mudanças que sentiu no mercado?
Existem várias tendências que têm moldado o nosso mundo e vão ter um impacto dramático na nossa capacidade de liderança e sucesso. O Stephen capturou muitas delas no epílogo do livro “The Speed of Trust” – estas tendências mostram como a confiança se tornou mais relevante do que nunca nos nossos dias. Posso dar alguns exemplos:

Vivemos num mundo onde a confiança está em declínio; a confiança é o motor da “economia da partilha”; a natureza do trabalho exige hoje uma colaboração crescente; a mudança é o “novo normal” no mundo em disrupção; a força de trabalho multigeracional precisa de uma abordagem diferente à forma de trabalhar; a “cultura” ressurgiu como um imperativo para o sucesso organizacional e o estilo da gestão de ontem é insuficiente para as necessidades da liderança de hoje.

“Mas não é possível colaborar verdadeiramente com pessoas em quem não se confia – ou que não confiem em nós”.

Qual o impacto que as pessoas/equipas têm ou podem ter na vida empresarial?
Dos líderes espera-se que colaborem, envolvam as suas pessoas e executem metas-chave. Mas não é possível colaborar verdadeiramente com pessoas em quem não se confia – ou que não confiem em nós. Podemos ser capazes de coordenar, mas não seremos capazes de colaborar realmente. Da mesma forma, nada desconecta e afasta mais as pessoas do que que a falta de confiança, enquanto nada envolve e liga mais as pessoas do que uma cultura com altos níveis de confiança – o principal motor do engagement. Dos líderes, espera-se que atraiam e retenham os melhores talentos. Nada atrai e retém pessoas como um líder de confiança. Os líderes de alto desempenho adoram ser confiáveis – e as pessoas respondem a isso e apresentam um melhor desempenho.

O altos níveis de confiança funcionam como um “multiplicador de desempenho”. Os líderes que desenvolveram a competência de criar confiança são capazes de alavancar os incríveis dividendos da alta confiança. E são capazes de fazer tudo melhor, mais rápido, com menos custos e com maior envolvimento e diversão ao longo da jornada. É a confiança que transforma um grupo de pessoas numa equipa. É a confiança que transforma um fornecedor num verdadeiro parceiro. É a confiança que cria uma marca forte com clientes fiéis.

“A confiança é o grande acelerador. Onde a confiança é alta, tudo é mais rápido e menos complicado; e onde a confiança é baixa, tudo é mais lento, mais caro e sobrecarregado de suspeitas”.

Como pode uma equipa com baixos níveis de confiança arruinar o sucesso de uma organização ou empresa?
Quando existem baixos níveis de confiança num relacionamento, numa equipa ou numa organização, vemos que a velocidade baixa e os custos sobem. Simplificando, trata-se de um imposto. O oposto também é verdadeiro. Quando os níveis de confiança são altos num relacionamento, numa equipa ou numa organização, a velocidade aumenta e os custos diminuem. Trata-se de um dividendo. A confiança é o grande acelerador. Onde a confiança é alta, tudo é mais rápido e menos complicado; e onde a confiança é baixa, tudo é mais lento, mais caro e sobrecarregado de suspeitas. Significativos níveis de desconfiança duplicam o custo de fazer negócios e o tempo que leva para fazer as coisas.

As equipas e organizações que operam com altos níveis de confiança superam significativamente as equipas e organizações que operam com baixos níveis de confiança. Imagine duas organizações diferentes, relativamente do mesmo tamanho e que atuam no mesmo setor de atividade. Os líderes de cada uma dessas organizações estão a tentar implementar a mesma iniciativa nas suas respetivas empresas. A única diferença é esta: uma organização apresenta uma cultura com altos níveis de confiança e a outra organização apresenta uma cultura com baixos níveis de confiança.

Qual é a sua “receita” para o sucesso na relação entre a empresa e os seus colaboradores? Acredito que Os líderes estão hoje cada vez mais conscientes da importância da colaboração, especialmente entre grupos, mas muitas vezes ainda não reconhecem como a confiança está diretamente relacionada. A verdade é simples: não se pode colaborar com pessoas em quem não se confia.

Claro que se pode coordenar as pessoas. Mas existe uma grande diferença entre a mera coordenação e a colaboração no seu sentido mais verdadeiro. Eu vejo uma espécie de contínuo de coordenação, cooperação e colaboração. Isto porque não precisamos necessariamente de confiança para coordenar, mas quanto mais progredimos neste contínuo e avançamos em direção à colaboração, isso requer um nível de confiança cada vez maior. No final, acaba por ser a confiança que transforma a mera coordenação em verdadeira colaboração e que permite que as pessoas sejam autênticas e verdadeiras, abertas e transparentes. É a confiança que permite que as pessoas aprendam e inovem, criem e assumam riscos juntas e façam o tipo de coisas que precisam ser feitas.  Sem isso, permanecemos no campo da coordenação de pessoas que talvez não confiem plenamente umas nas outras – trata-se de uma diferença muito significativa.

São precisas muitas mais coisas para criar colaboração, mas sem confiança nunca chegaremos lá.  É este o elemento fundamental que transforma a mera coordenação em verdadeira colaboração e que permite também um tipo de sinergia e criatividade completamente diferentes daqueles produzidos em ambientes sem confiança.

Existem diferenças na “velocidade da confiança” nos diferentes países?
A confiança varia em todo o mundo. O que aprendemos é que os princípios que regem a confiança tendem a ser universalmente aceites em todo o mundo – princípios como integridade, honestidade, respeito, justiça, bondade, autenticidade, humildade, coragem, lealdade… Mas as práticas, a forma como esses princípios são aplicados, variam, não apenas de país para país, de cultura para cultura, mas até de pessoa para pessoa. Por exemplo, o princípio Talk Straight é a verdade e honestidade.  No entanto, a aplicação desse princípio é muito diferente entre os Países Baixos e o Japão, onde apresenta muitas mais nuances.

“O estilo de liderança que tem sucesso no mundo de hoje está assente na “confiança e inspiração” – confie nas pessoas com quem trabalha e inspire-as a fazer a diferença”.

De que forma está a mudar da liderança? Qual é o principal conselho sobre confiança e liderança que dá às empresas com que trabalha?
Como Stephen escreveu na versão atualizada do livro “The Speed of Trust”: O estilo da gestão de ontem é insuficiente para as necessidades da liderança de hoje. O velho estilo de liderança à base do “comando e controlo” está profundamente enraizado na era industrial. E quando me refiro a ele como o velho estilo de liderança é porque este é ainda o estilo que prevalece na maioria dos líderes e das organizações. Mas tentar operar no mundo de hoje com este estilo de “comando e controlo” é como tentar jogar ténis com um taco de golfe – a ferramenta está completamente desajustada da realidade. Até certo ponto, muitos líderes reconhecem isso; no entanto, a liderança do comando e controlo persiste como a norma predominante, especialmente quando existe uma grande pressão para executar. Mas o que acontece é que não é à base de “comando e controlo” que conseguimos obter a melhor contribuição de uma pessoa, são as pessoas que escolhem aportar essa contribuição. O estilo de liderança que tem sucesso no mundo de hoje está assente na “confiança e inspiração” – confie nas pessoas com quem trabalha e inspire-as a fazer a diferença. Na realidade, ser confiável é a forma mais inspiradora de motivação humana. Ela traz à tona o melhor das pessoas, e hoje precisamos do melhor.”

Como Klaus Schwab afirmou no Fórum Económico Mundial: “Desta vez, a mudança não chegará em ondas, como o fez no passado. É um tsunami cujo efeito se fará sentir em todo o lado. Vamos ter de mostrar agilidade e empreendedorismo para sobreviver às mudanças que se aproximam, porque tudo vai mudar. No futuro, não é o peixe grande que vai comer o peixe pequeno. Será o rápido que comerá o lento”. Nada impacta mais a velocidade, a agilidade e a capacidade de uma organização navegar em ambientes de mudança do que a confiança.

 

* Gary T. Judd é practice Leader da FranklinCovey e especialista global no desenvolvimento de culturas movidas pela Velocidade da Confiança

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