Opinião

Diz-me como olhas, dir-te-ei quem és

Cláudia Dias, RP e comunicação

Que somos seres comunicantes e relacionais todos sabemos. E que o silêncio pode encerrar uma grande sabedoria e erudição também. A questão que se coloca é quando, diante do outro, se perde o olhar. Não por pudor, nem por respeito… mas antes por se ter perdido a competência de comunicação, ao mesmo tempo que se ganhou medo de se ser humano diante de outro.

No sábado passado, numa tarde de morrinha parda, resolvi deixar de parte o telemóvel e cometer a ousadia de, à moda antiga, perguntar às poucas almas que passavam na rua, se sabiam onde poderia encontrar o meu destino. Soou a uma aventura! Ignorar a extensão sabichona que nos mantém tão autónomos e, ao mesmo tempo, extremamente conectados com o mundo, e encontrarmos pessoas reais, ouvir o seu falar, saborear a pronúncia, descobrir os seus trejeitos e requebros da voz… pareceu-me, no mínimo, divertido e enriquecedor. Chamar-lhe uma jornada de herói nos tempos que correm soa demasiado épico… Contudo, a experiência valeu por si. E como valeu!…

Quanto mais “crescidas” eram as pessoas contactadas e tecnologicamente mais desprendidas, mais habilidade revelaram no domínio da aplicação que nasce incorporada em nós, sob o nome de comunicação. O inverso também se confirmou verdadeiro. Quanto mais novos e apegados aos gadgets, mais inseguros se revelaram na resposta a um banal pedido de informação.

Retive a abordagem que fiz a dois jovens adolescentes, que conversavam entre si animadamente, em frente à escola secundária. Pareciam dominar as imediações do espaço e da vida, já que os telemóveis se encontravam à mão (aliás, como se fossem as suas próprias mãos). Com um sorriso, rasguei um: “Boa tarde! Desculpem interromper: sabem dizer-me, por favor, onde poderei encontrar uma mesa de matraquilhos?” Surpreendidos, descarregaram os olhos na calçada, firmando mais os dedos nos telemóveis e sussurraram a medo um vago: “Ali”. Arrisquei mais um pouco, dando o benefício da dúvida de poder tê-los assustado…

Todavia, à segunda tentativa de pedir para me indicarem um ponto de referência, os músculos retesaram ainda mais e o olhar enterrou-se no chão, como se se quisessem evadir de uma ameaça. Efetivamente, a comunicação acontecera: verbal e não verbal, confirmando que é impossível não comunicar… A empatia despontou, porém não encontrou ninho ali. E eu fiquei pouco ou nada mais esclarecida sobre a indicação de que necessitava.

Este episódio recordou-me uma breve conversa entre um adulto e uma criança de 7 anos, em que o primeiro ia levantando perguntas à pequena, sobre o seu conhecimento acerca do equipamento utilizado pelos bombeiros. Sob o olhar ingénuo e curioso da pequena, o senhor foi-lhe explicando e comentou, com um sorriso cúmplice de reconhecimento: “Tens fibra! Manténs o olhar.”

Creio que a capacidade de criar empatia e ser competente em comunicação interpessoal será um dos requisitos mais valorizados pelos recrutadores.

Espera-se que os colaboradores saibam dominar a técnica do seu ofício e que se mantenham atualizados em matéria de conhecimentos. Mas não menos relevante é a capacidade de saber estar com o outro, valorizá-lo e valorizar-se, nas simples permutas que ocorrem no dia-a-dia.

Como dizia C. G. Jung: “O encontro de duas personalidades é como o contacto de duas substâncias químicas: se existe alguma reação, ambas são transformadas.”

Como criar confiança entre dois indivíduos, fazer-se presente e inteiro, exercitar a escuta ativa e conceder um feedback com impacto, se o olhar se esquiva e se demite de estar em relação com o outro? Como sustentar o seu próprio olhar e o do outro e deixar-se transformar por algo melhor do que aquilo que se apresenta em primeira mão?… Em suma, como ser humano, em processo contínuo de recriação de si mesmo?

Urge treinar o olhar: de respeito, de apreço, de diálogo e aceitação da oportunidade que o diferente pode operar nós.

N.B.: Por curiosidade… encontrei a mesa de matraquilhos. Duas meninas ganharam e os seus olhares sorriram.

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