Opinião

Cultura organizacional, tecnologia e comboio geracional

Carlos Rocha, administrador do Banco de Cabo Verde

Hoje tenho uma questão que gostaria de colocar e que pode ser disruptiva. Já não há como não reconhecer que a tecnologia determina mudanças, revoluções e disrupções nas organizações e na sociedade.

Falando em termos da nossa era, desde a revolução industrial até aos últimos paradigmas sobre a Inteligência artificial, robótica e machine learning, tudo mudou ou mudará, e não falamos apenas de resultados económicos e de aumento de produtividade. Mas hoje gostaríamos de falar sobre o aspeto da cultura organizacional.

Começo pela definição geral e comummente aceite: a cultura organizacional é uma expressão que significa o conjunto de valores, crenças, rituais e normas adotados por uma determinada organização.

E a minha questão é simples: ainda existirá tal fenómeno chamado cultura organizacional, numa época de tecnologias disruptivas? Se ela ainda existe, quem passa a determinar os elementos dessa cultura, nomeadamente procedimentos, valores e normas?

Existirá tal cultura organizacional, num contexto em que o próprio “ecossistema” económico e empresarial propõe, muitas vezes, projetos temporários aos jovens trabalhadores, em vez de terem empregos fixos? Essa discussão pode ser fundamental para as lideranças.

O que teria em comum um jovem quadro (ou um grupo) recém-saído de uma universidade hipercompetitiva ou saltando de projeto em projeto, completamente ligado às tecnologias disruptivas, com uma liderança sénior extremamente conservadora, avessa ao risco, com uma cultura de silos, muito focalizada em procedimentos e normas burocráticas, numa empresa cujo negócio cedo ou tarde sofrerá com a influência de uma qualquer tecnologia disruptiva? Uma cultura de silos numa organização já não é compatível, numa era com profundas mudanças tecnológicas.

Imagine a mudança que ocorre num negócio qualquer onde a cultura do secretismo predomina, quando se passa a usar uma tecnologia disruptiva como, por exemplo, a tecnologia dos registos partilhados (distributed ledger).

Exemplificando: certamente não é a mesma coisa falar de normas, valores, procedimentos (cultura organizacional) numa empresa de telecomunicações do tempo em que as ligações eram feitas através de um par de fios de cobre, com máquinas de escrever mecânicas, telefone fixo, fax, etc., focalizada nela própria; ou numa empresa de telecomunicações atual com tecnologia quadruple play no mesmo serviço em fibra ótica (móvel, fixo, tv cabo, internet) e focalizada no cliente.

Tenho para mim que, com as mudanças tecnológicas cada vez mais profundas e rápidas, veremos as organizações mais como uma espécie de paragem ou apeadeiro, onde o comboio geracional vai passando e cada carruagem/comboio traz uma geração com os seus próprios valores, crenças, visões, tudo construído durante o seu processo de aprendizagem, moldado pela determinante tecnológica. Talvez nada de novo até aqui. A novidade será a velocidade com que esse comboio agora se desloca: se antes se locomovia com máquina a vapor, hoje usa tecnologia que permite levitar, para fazer uma analogia com o trem verdadeiro.

Sendo assim, a cultura organizacional será uma coisa maleável e rapidamente em transformação?

E você, líder, o que acha da influência da tecnologia na cultura organizacional? Talvez eu esteja a dar excessiva importância à tecnologia. Mas, graças à tecnologia, podemos estar a refletir conjuntamente.

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Carlos Rocha

Carlos Rocha

Carlos Rocha é economista e atualmente é vogal do Conselho de Finanças Públicas de Cabo Verde e ex-presidente do Fundo de Garantia de Depósitos de Cabo Verde. Foi administrador do Banco de Cabo Verde, onde desempenhou anteriormente diversos cargos de liderança. Entre outras funções, foi administrador executivo da CI - Agência de Promoção de Investimento. Doutorado em Economia Monetária e Estabilização macroeconómica e política monetária em Cabo Verde, pelo Instituto Superior de Economia e Gestão – Lisboa, é mestre em... Ler Mais..

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