Opinião

Correr e negociar… o que custa é começar!

Susana Duro, Senior Marketing Manager na Coca-Cola Europacific Partners

Gosto muito de praticar desporto, mas a corrida sempre foi um esforço. Comecei a correr em 2012 numa prova de 5kms patrocinada por uma das marcas com que trabalhava na altura.

Fiz os 5kms em 27 minutos, o que, para mim, foi um excelente resultado, dado que simplesmente não corria. Na altura fiquei entusiasmada com o resultado e motivada por um grupo de amigos decidi começar a correr e a participar em provas. Consegui fazer a minha primeira prova de 10kms em cerca de 50 minutos, o que foi um resultado muito acima de todas as expetativas.

Ao longo destes anos já perdi a conta aos kms que corri e às provas em que participei e apesar de continuar a correr em esforço nunca desisti. Quando me perguntam se gosto de correr, respondo de imediato que não. A pergunta seguinte é logo: Então porque é que corres? Correr em treino ou numa prova significa sair da minha zona de conforto, desafiar-me, provar a mim própria que sou determinada e não cedo à falta de vontade. Passar a meta numa prova é uma sensação única, é o culminar de um processo intenso e quando conseguimos ter bons resultados esta sensação é exponenciada. Em 2023 tenho batido todos os meus records (começo a pensar que deixei escapar uma carreira no atletismo de alta competição), mas não há uma única prova em que eu não me arrependa de me ter inscrito, em que não pense a cada km porque é que não fiquei em casa, declarando para mim própria que não volto a meter-me noutra. Depois chego à meta e tudo passa. E chego a casa e inscrevo-me na prova seguinte.

No início costumava levar o telemóvel e headphones e ia a ouvir música, depois comecei a correr acompanhada e deixei a música. Hoje em dia corro sempre sem música. Há quem aproveite as corridas para planear o dia ou a semana, outros praticam mindfulness e tentam libertar a mente e apenas sentir, depois há outros como eu em que a mente parece uma sopa da pedra com uma grande mistura de ingredientes a ferver. Entre o arrependimento de ter decidido correr, o imaginar as mil coisas mais agradáveis que poderia estar a fazer, o tentar distrair-me a planear alguma coisa, o tentar limpar a mente (sim, porque também já fiz vários workshops de mindfulnesss) sem grande sucesso e o frenesim de mil ideias que ocorrem. Mas no meio desta sopa toda a verdade é que costumo ter ideias /pensamentos interessantes e que depois se traduzem em algo.

Numa das últimas provas que fiz lembrei-me de um processo negocial que teria que iniciar com um cliente e a certa altura dei por mim a pensar que uma prova de corrida e uma negociação têm muito em comum. E não, esta não está na parte das ideias malucas e vou explicar-vos porquê.

Quer se goste ou não todos nós somos negociadores e quer se goste ou não todos nós corremos, literalmente ou metaforicamente.

Pensemos num negociador eficiente, que características deverá ter? Conhecer-se bem a si próprio, conhecer bem a outra parte, preparar-se, utilizar estratégias e táticas bem definidas, saber ouvir, ser empático, respeitador e credível, ser criativo…

E um atleta? É fundamental conhecer-se a si próprio, conhecer o seu corpo, conhecer a outra parte, os outros atletas, o terreno onde vai competir, preparar-se….

Tanto um negociador como um atleta têm de estar preparados para reagir no momento caso surja algum obstáculo, mas esta capacidade de reação resulta de um processo.

Quando olhamos para as fases da negociação, facilmente as transpomos para a corrida. Não vou estar a enumerá-las todas, mas vou dar alguns exemplos.

Ora vejamos:

A primeira fase da negociação é a preparação e sem dúvida que também é a primeira fase para uma prova. A preparação não é nada entusiasmante seja para uma negociação seja para uma corrida, mas é critica para o sucesso.

Colin Powell, ex-secretário de estado dos Estados Unidos, disse “Não há segredos para o sucesso. O sucesso é o resultado de preparação, trabalho e aprendizagem sobre o erro”.

A fórmula é simples. A preparação cria conhecimento. O conhecimento (quando bem aplicado) aumenta o nosso poder.

Como disse Sêneca: “A sorte é onde a preparação encontra a oportunidade.”

Na fase de preparação de uma negociação temos de entender muito bem as motivações, tanto as nossas como as dos nossos interlocutores. Quanto melhor entendermos por que agimos e porque age o nosso interlocutor, melhor seremos capazes de adaptar as nossas ofertas e ações para impactar o resultado desejado. É necessário realizar sessões de preparação para estudar o cliente e reunir toda a informação necessária. A informação é então usada para criar uma base sólida de conhecimento que ajuda a mitigar o elemento surpresa e aumenta a nossa capacidade de influenciar ações futuras.

Numa corrida a motivação é crucial, cada um de nós tem de identificar a sua motivação. Afinal porque é eu corro? Porque gosto? Porque é bom para a saúde? Porque tenho um grupo e gosto de estar com eles? Porque gosto de me desafiar? Porque está na moda? Porque gosto de passar a meta? Depois de identificada a nossa motivação temos de nos preparar:  estudar o percurso da prova, definir o plano de treinos necessários, definir o regime alimentar adequado…

Na preparação é ainda muito importante a definição dos objetivos. Qual é o resultado real que ambas as partes procuram?

Numa negociação os objetivos podem ser divididos em 3 níveis, os ODE’s que também se aplicam a uma prova:

Ótimos – o que gostaria de atingir idealmente – ficar no top 10 da geral.

Desejáveis – O que se espera atingir – ficar em primeiro lugar do meu escalão.

Essenciais – O que tem de conseguir como mínimo aceitável – terminar em x tempo.

A nossa capacidade para definir o objetivo real permitirá que façamos todos os esforços para o atingir e que tenhamos todos os requisitos necessários; toda a informação que recolhemos, as vantagens competitivas, a diferenciação, etc.

Numa prova a questão do objetivo real assume um papel ainda mais relevante, porque na realidade muitos de nós mascaramos os objetivos que definimos, principalmente porque temos receio de não os alcançar.

Os atletas de elite têm objetivos muito claros e bem definidos e também há muitos atletas amadores que o fazem. Depois existem aqueles que definem os objetivos, mas não os assumem, no seu interior dizem que querem fazer 10kms em 45m mas verbalizam que se fizerem abaixo de 50m já ficam contentes. Esta definição clara e assumida do objetivo é fundamental para o atingir, porque em vários momentos da corrida vacilamos e se não tivermos este objetivo verbalizado é muito mais fácil desistir e pensar: – ah também não disse a ninguém que queria fazer 45, por isso se fizer 49 já está ótimo. Eu, por exemplo, nunca defino objetivos, o meu lema no início de uma prova é: vou fazer o melhor que conseguir, mas, por vezes, durante a corrida tento fixar um objetivo e estas são sempre as provas mais duras porque dou o meu melhor para o conseguir atingir. Provavelmente não seria tão difícil se o tivesse definido previamente e feito toda a preparação para o mesmo.

Ainda na fase de preparação de uma prova temos que escolher; os ténis (muito importante porque faz toda a diferença, se for uma prova curta será um tipo, se longa outro, por exemplo…só aqui há um mundo a explorar); a roupa que terá que ser ajustada ao tempo nesse dia; os géis que escolhemos para consumir durante a prova; definir a comida do dia anterior; a comida antes da prova; as horas de deitar e de levantar.

Chega o dia da negociação e o dia da prova e com um nervosinho no estômago estamos perante outra fase, a introdução. A primeira impressão poderá condicionar o resultado da negociação, tal como os primeiros minutos de uma prova.  A forma como nos apresentamos, os nossos gestos, as primeiras palavras podem gerar uma imagem no nosso interlocutor que irá impactar todo o processo. Numa prova temos a mesma preocupação, conseguimos estar na linha da frente? Começamos muito rápidos ou muito lentos? Trouxemos tudo o que necessitávamos?

E começa a prova e a negociação, começamos a fazer o resumo dos pontos chave que nos trouxeram ali e na prova começa o nosso diálogo interno onde nos questionamos se fizemos bem a preparação, fazemos um check up ao nosso corpo, analisamos o ritmo médio a que vamos, calculamos quando deveremos beber o gel, ou se paramos no abastecimento, até que chega a próxima fase.

A fase da venda, em que numa negociação se apresenta o que se quer vender com todos os benefícios para ambas as partes. Estive a pensar se esta fase se aplica numa prova e é uma fase crucial, pelo menos para mim. Trata-se de “vendermos” a nós próprios o continuar a correr para acabar. Nesta fase surgem as questões: mas porque é que eu estou aqui? Está a ser difícil, apetece-me parar. Ainda paguei para isto. Estava tão bem quietinho em casa. E tentamos ir buscar todos os motivos que nos levaram a estar ali; correr é saudável, a superação, o passar a meta. É um processo árduo de venda interna para nos convencermos a continuar.

E fazemos a proposta, seguimos em frente para atingirmos os nossos objetivos, com cedências sem cedências, com avanços e recuos com menor ou maior sofrimento, mas continuamos até ao fim, até à meta.

E é aqui que está o reflexo de todo o nosso trabalho… conseguimos? Atingimos todos os objetivos? Atingimos apenas parte? Estamos satisfeitos com o fecho?

É a fase da avaliação, com mais ou menos aprendizagens seguimos para a próxima.


Susana Duro tem mais de 20 anos de experiência no desenvolvimento e implementação de estratégias de marketing para marcas líderes de mercado e um sólido percurso profissional construído em empresas nacionais e multinacionais de referência dentro do mercado de FMCG.

É licenciada em Marketing e Publicidade pelo IADE, pós-graduada em Retail Management e em Direção Comercial no Indeg/Iscte e mestre em Marketing pela mesma instituição. Iniciou a sua carreira de marketing na Henkel Ibérica como gestora de produto, passando depois para brand manager na Dan Cake. Em 2004 entrou para a Nestlé onde esteve durante 11 anos. Aqui desempenhou a função de brand manager da categoria de Culinários, de trade marketing manager na categoria de chocolates e de head of trade marketing na categoria de Cereais de pequeno-almoço. Em 2017 entrou para a Coca Cola Europacific Partners como responsável pela equipa de Customer Development do Canal Alimentar. Em 2022 foi convidada para assumir a função de National Account manager ficando com a responsabilidade de várias contas no canal Horeca Organizado.

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