Opinião
Competir em humanidade – A nova fórmula do sucesso
As últimas décadas têm sido marcadas por profundas mudanças na gestão estratégica das empresas e organizações, particularmente no que respeita aos modelos que têm servido de base à definição dos eixos orientadores das estratégias de competitividade.
No entanto, e apesar das mudanças ocorridas, têm-se mantido os modelos que assentam sobretudo na competitividade dos produtos e serviços, procurando as empresas conquistar no mercado “posições de excelência estratégica” que lhes permitam obter “vantagens competitivas” face aos seus concorrentes. E é pela perceção, pelos mercados, dessas “vantagens competitivas” que as empresas se tornam mais atrativas, tanto em relação aos mercados externos como ao nível do mercado de trabalho, permitindo-lhes captar mais e, sobretudo, melhores clientes e também mais e melhores talentos.
Mas atualmente, no complexo e extremamente instável mundo em que vivemos e numa altura em que os processos de automação e a Inteligência Artificial vão substituindo cada vez mais os métodos mais tradicionais de produção e distribuição dos produtos, provocando uma autêntica revolução nos mercados de trabalho, há uma cada vez maior necessidade de “ultrapassar a miopia do conceito de produto” (Hamel & Prahalad, 1994) e dinamizar novas estratégias menos centradas nas “coisas” que se fabricam e muito mais nas “pessoas” que as produzem.
Na realidade, e muito embora, como sustentava Moore já no século passado, “no novo mundo a concorrência de produtos e serviços continuem a constituir um aspeto fundamental daquilo que fazemos”, o novo paradigma da competitividade “é sobre criação de mercado (…) e idealizar e dar forma a networks de contribuições e processos que edifiquem novas e mais ricas tapeçarias económicas” (Moore, 1996).
Com este novo paradigma, mais centrado em lógicas de inovação e de estabelecimento de redes de coevolução com outros operadores nos mercados, dá-se uma maior ênfase não só à importância da inteligência e da criatividade das pessoas, mas também à sua capacidade de trabalhar em redes colaborativas, sendo valorizadas competências como “pensamento global”, que possibilite “ver a árvore integrada na floresta” e “flexibilidade cognitiva”, para progredir em contextos de incerteza e criar sinergias através da valorização da diversidade.
A perceção da maior importância do “capital humano” na cadeia de valor, leva as empresas a apostarem efetivamente nas pessoas, criando ou aprofundando, estigmas de uma cultura organizacional que valorize de facto o trabalho em equipa, associado a valores como integridade e lealdade e atitudes de entrega e de sentido de propósito, indispensáveis para que cada colaborador passe de uma simples lógica de desempenhar uma função, para uma lógica mais exigente de dar um contributo.
Este cenário coloca obviamente desafios enormes à gestão das pessoas e à liderança, que enfrentam a complexidade de gerar dinâmicas que estimulem as empresas a passar de uma “Gestão de Recursos Humanos” ainda muitas vezes enfeudada à conceção das pessoas como “força de trabalho”, para uma verdadeira Gestão das Pessoas, que tenha como grande missão libertar o potencial de cada colaborador para ele, ou ela, alcançarem o “very best” que conseguirem alcançar.
A progressiva passagem para uma forma, chamemos-lhe, mais “pessoalizada”, da gestão das pessoas, não surge como mero efeito de “moda“ nem como inspiração de modelos apenas bem intencionados e que muita gente ainda considera como um pouco “idílicos”, sobretudo aqueles que se veem confrontados com práticas cotidianas de gerir pessoas que configuram uma (pelo menos aparente) total contradição em relação aos objetivos de tratar as pessoas como pessoas e dar-lhes espaço e condições para poderem fruir experiências positivas no trabalho, terem maior bem-estar e sentirem-se mais felizes.
Pelo contrário, as metas enquadradas nas atuais missões cometidas aos responsáveis pela gestão das pessoas, respondem a imperativos da nova sociedade, onde, de acordo com Ford (2021), “enfrentamos um futuro no qual todo o tipo de trabalho rotineiro e previsível pode acabar por desaparecer”, sendo substituído por funções cada vez mais complexas, suportadas pela automação e pelos contributos da Inteligência Artificial.
Para a execução destas atividades, é indispensável o domínio de competências críticas não só em tudo o que diz diretamente respeito à literacia digital, mas também em competências cognitivas e comportamentais de elevado nível de complexidade, como a já mencionada “flexibilidade cognitiva”, pensamento crítico”, pensamento complexo”, “inteligência emocional”, entre muitas outras. E, se bem que as competências mais técnicas possam ser, digamos assim, mais fáceis de aprender, as competências cognitivas e comportamentais fazem um grande apelo às características mais profundamente humanas das pessoas, exigindo, para a sua atualização, uma “aprendizagem profunda”, muito mediada pelas características naturais de cada pessoa.
Como estas competências mais “profundas”, aquelas que mais diretamente fazem apelo ao humano que existe em cada um, são aquelas que apresentam uma correlação maior com níveis de produtividade mais elevados, não é, portanto, de estranhar que venham a ser cada vez mais valorizadas pelas empresas, constituindo uma das bases fundamentais do que habitualmente designamos por talento.
Dizendo isto, não pretendo, de modo algum, sustentar que o talento é simplesmente algo de inato das pessoas; sustento sim que o talento depende de sermos capazes de fazer o melhor aproveitamento possível das melhores aptidões que já temos, e da qualidade das escolhas que fazemos para as melhorar e expandir.
Com a progressiva “volatilização” dos tipos e modos de trabalho cada vez mais exigentes, complexos e porventura ambíguos, que o presente já tem e o futuro nos trará, o exercício das funções será, então, cada vez menos alicerçado no “material” e equívoco “descritivo funcional” e passará para o domínio do “imaterial” gosto por aquilo que se faz, da entrega com que se faz, do sentido estratégico das finalidades para que se faz e, finalmente, mas não menos importante, da gratificação pessoal que se obtém ao fazê-lo.
Como o talento se manifesta mais plenamente em ambientes ricos de oportunidades, as empresas percebem a necessidade de possibilitar aos seus colaboradores um conjunto de condições que lhes permitam viver “employee experiences”, fazendo desabrochar neles o mais profundo e autenticamente humano que neles existe.
Por isso, e mais do que apostas na melhoria dos produtos e serviços, que são necessárias, mas não suficientes, as empresas e organizações devem apostar seriamente naquilo que lhes permitirá alcançar melhores níveis de produtividade, atrair melhores clientes e captar e manter o elemento mais valioso da sua “cadeia de valor”: os talentos dos seus colaboradores.
E, num mundo ferozmente competitivo, onde muitas empresas adiam as suas estratégias de crescimento por estarem acossadas pelos imperativos da sobrevivência e onde grassa a ansiedade do incerto e a angústia da ambiguidade, o maior reduto da esperança e a melhor alavanca do sucesso é apostar nas pessoas, na sua criatividade e na sua capacidade inventiva
É, no fundamental, fazer com que a “riqueza dos humanos” se torne o maior diferenciador competitivo de uma organização, competindo através da criação de um ambiente onde cada pessoa possa exprimir mais plenamente a sua maior e mais profunda humanidade.
*Presidente da Mesa da Assembleia Geral da APG – Associação Portuguesa de Gestão das Pessoas e membro do Conselho Nacional dos Psicólogos.
REFERÊNCIAS
HAMEL, G. & PRAHALAD, C.K. (1994). Competing for the Future. Boston, Massachusetts: Harvard Business School Press.
FORD, M. (2021). O Futuro da Inteligência Artificial. Lisboa: Bertrand Editora
MOORE, J. F. (1996). The Death of Competition – Leadership & Strategy in the Age of Business Ecosystems. Chichester, England: John Wiley $ Sons, Ltd.