Opinião

Como uma start-up brasileira se tornou referência em saúde mental?

Gustavo Teixeira, cofundador e diretor executivo do CBI of Miami

A prevalência de doenças mentais no mundo, segundo a Organização Mundial da Saúde é em torno de 20%, isso significa que cerca de um bilhão e meio de pessoas sofrem ou vão sofrer de doenças mentais altamente incapacitantes ao longo de suas vidas em todo o planeta.

Para se ter uma ideia, no caso específico do transtorno do espectro autista, um transtorno do neurodesenvolvimento infantil, segundo dados do CDC (Centers for Disease Control and Prevention) dos Estados Unidos, a prevalência dessa condição está em torno de um caso para cada 54 crianças, isto é quase 2% da população pediátrica mundial. São milhares de profissionais de saúde mental e profissionais de educação que necessitam de se capacitar continuamente para poder atender a essa procura crescente de pacientes, além das famílias que precisam de mais informação e conhecimento para ajudar nas intervenções médicas/terapêuticas e educacionais dos seus filhos.

Refletindo sobre essa assombrosa realidade criamos em 2016 o Child Behavior Institute of Miami (CBI of Miami), uma star-tup focada no ensino 100% online para capacitar e treinar profissionais da saúde mental, educadores e familiares de crianças e adolescentes com condições comportamentais.

A ideia inicial era ambiciosa, criar uma marca internacional para operar no mundo todo, iniciando os trabalhos de ensino online no nosso país de origem, o Brasil. De acordo com a conjuntura económica, social e educacional do país, sabíamos que enfrentaríamos algumas dificuldades importantes nesse processo, por exemplo: entendíamos que esse modelo de ensino esbarrava no preconceito e descrédito da maioria das pessoas que viam a educação online como algo “ruim”, de baixa qualidade, enquanto que para outra grande parcela da população a educação online era algo distante, pois não tinham computadores ou smartphones velozes, acesso à internet de alta qualidade ou mesmo recursos financeiros e disponibilidade de tempo para estudar.

Dessa forma, procurando soluções objetivas para problemas reais da população (falta de capacitação e de educação formal de profissionais e familiares), dificuldades subjetivas (descrédito do ensino online) e dificuldades práticas (falta de recursos financeiros) estruturamos a nossa start-up baseadas em três pilares importantes:

# Oferecer formação online com grandes especialistas disponíveis no mercado, profissionais altamente qualificados e com credibilidade no meio académico nacional;

#Utilizar uma metodologia de ensino inovadora e prática, inspirada nas grandes universidades americanas, como a Harvard University, o Massachusetts Institute of Technology e a Stanford University;

#Oferecer formação em valores acessíveis para acesso de populações de todas as classes sociais.

Assim, há menos de cinco anos nascia o CBI of Miami, uma start-up (totalmente self-funded) da cabeça de dois sonhadores, eu, um médico psiquiatra da infância que estava a largar a medicina e a mudar-se para os Estados Unidos para  se tornar professor em universidades, e o João Roberto Magalhães, um engenheiro de produção que trabalhava há quase uma década com educação executiva numa conceituada business school do Rio de Janeiro.

Então, o primeiro passo para a criação da empresa foi identificar um problema real das pessoas e conseguir oferecer uma ajuda, trazer valor para essa população de uma maneira prática, dinâmica e em valores acessíveis.

Da nossa primeira reunião até a criação da empresa e ao lançamento do primeiro curso online foram apenas 15 dias. Não preciso dizer que foi uma loucura no início, pois não tinha funcionários, nem colaboradores técnicos, nem professores, nem alunos. Além disso, trabalhávamos no CBI of Miami como um “segundo emprego”, das 21h até 3h da manhã diariamente, pois eu continuava a trabalhar como médico na minha clínica particular no Rio de Janeiro e o João Roberto como diretor executivo de uma business school na mesma cidade.

O nosso primeiro curso online foi o “Manual do autismo”, baseado no livro do mesmo nome que eu estava a lançar no Brasil nesse mesmo período. A formação foi um excelente laboratório para testar o mercado e desafiar a nossa própria capacidade de operação com os novos clientes. O sucesso desse primeiro curso foi imediato com mais de 500 inscritos nas primeiras duas semanas e logo percebemos duas coisas: estávamos a começar a construção de algo grande e não faríamos isso sozinhos, seria preciso a ajuda de colaboradores e funcionários.

Então, cerca de 60 dias após o lançamento da empresa contratamos a primeira funcionária, Fernanda Araújo, estudante de engenharia de produção e que dois anos depois se tornaria diretora operacional e nossa sócia na empresa.

Meritocracia e gestão inteligente
Fico a pensar no leitor desse artigo que se pergunta: “Como esse trio conseguiu isso?”. Eu entendo que não existe uma resposta simples. O nosso pioneirismo conta muito, rendeu muitos frutos, mas não explica todos os nossos resultados.

Sem dúvida nenhuma o sucesso da nossa empresa deve-se à cultura organizacional que criámos e implementámos no CBI of Miami. Todos os funcionários são mentorizados por seus gestores de departamento, incentivados a pensar e procurar soluções práticas para os problemas que surgem no dia a dia da empresa. Existem metas a serem batidas em todos os setores e meritocracia é a palavra-chave. Os funcionários recebem bônus três vezes ao ano, enquanto que os profissionais que não atingem um desempenho satisfatório são desligados da empresa o mais rapidamente possível.

Outro aspeto fundamental no desenvolvimento da empresa foi a criação de uma gestão inteligente e o entendimento de que unir diferentes expertises faz toda a diferença, desde que tenham autonomia para trabalhar. Esse modelo inteligente de gestão permitiu criar uma sustentabilidade desde as fases iniciais de start-up, um modelo auto-suficiente desde sua conceção inicial e sem conflitos administrativos internos. Assim, desde o início das nossas operações em 2016 três setores distintos de coordenação foram criados, cada um tendo total autonomia para o trabalho e a execução.

Esses três pilares de trabalho são a coluna vertebral da empresa e compostos pela área operacional, coordenada pela Fernanda Araújo; área académica, coordenada por mim; e a área de vendas e de relacionamento com o mercado educacional, coordenada pelo João Roberto Magalhães.

Professores
Os professores são os grandes artistas de uma empresa de educação, portanto não podem ser rotulados como meros prestadores de serviço, pois não devem ser coadjuvantes nesse sistema (diferentemente da forma como a maioria das instituições de ensino os tratam). Sim, os educadores merecem uma posição de destaque na empresa, são protagonistas no processo de aprendizagem e são remunerados com total participação nos lucros de todos os programas lecionados no CBI of Miami.

Desta forma, chegámos ao final de 2020 com a parceria incrível de uma verdadeira equipa de sonho com mais de 200 professores altamente qualificados, entre especialistas, mestres, doutores e pós-doutores das mais renomadas universidades do Brasil e do exterior. Os nossos professores estão localizados no Brasil, Estados Unidos, Portugal e Inglaterra.

Funcionários
Hoje, o CBI of Miami conta com um seleto grupo de 50 funcionários e 30 colaboradores externos que trabalham oferecendo suporte técnico-operacional, contabilistico, jurídico, produção e pós-produção de conteúdo, medias sociais, vendas, entre outras atividades operacionais. Além disso, contamos com parcerias de empresas nos Estados Unidos para digital marketing, video streaming, cloud storage, cybersecurity e learning management system.

Programas de pós-graduação e o futuro da empresa
Iniciamos o ano de 2021 com 45 programas de pós-graduação em parceria com o Centro Universitário Celso Lisboa, uma grande instituição de ensino do Rio de Janeiro e conhecida pela sua modernidade, vanguarda e alta capacidade empreendedora de seus gestores.

Assim, estamos a consolidar a construção de um grande ecossistema de ensino à distância em saúde mental, sempre focados em oferecer as melhores experiências educacionais para os nossos alunos. Orgulhamo-nos muito dos mais de 50.000 alunos espalhados por todos os 26 estados brasileiros, distrito federal, além de estudantes localizados em mais de 20 países das Américas, Europa, Ásia, África e Oceania.

A internacionalização dos programas educacionais da nossa empresa já é uma realidade. Anualmente realizamos eventos presenciais de educação continuada nos campus das principais universidades do mundo, como a Universidade Lusófona em Portugal, em 2018, Harvard University e University of California San Diego, em 2019, e Broward College, em 2020. A próxima etapa de internacionalização é o início dos nossos programas educacionais online em países de língua inglesa e espanhola programados para o segundo semestre de 2021.

Outro projeto que nos enche de orgulho é a parceria com uma das melhores equipas de futebol americano do Brasil, o Rio Preto Weilers. Somos os patrocinadores principais e estamos a ajudar na viabilização da construção do seu programa social com crianças carentes, o Projeto Touchdown do futuro.

Construir um mundo melhor é dever de todos e a nossa missão é ajudar na transformação através de um ensino moderno, com uma metodologia vanguardista e ajudar na preparação e formação dos profissionais do terceiro milénio. Dessa forma é possível universalizar e democratizar o conhecimento psicoeducacional no Brasil e no mundo.

Deixo um conselho final aos sonhadores e empreendedores portugueses e brasileiros: acreditem nos seus sonhos, lutem e pensem no legado que podem construir a partir disso. Pensem nas inúmeras possibilidades para ajudar na transformação das suas comunidades, das suas cidades, dos seus países e lutem por um planeta melhor para seus filhos e netos.

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Gustavo Teixeira

Gustavo Teixeira

É médico, mestre em Educação Especial pela Framingham State University, cofundador e diretor-executivo do Child Behavior Institute of Miami nos Estados Unidos. Atua como palestrante internacional nas áreas de inclusão e educação especial, e é um dos responsáveis pela popularização de livros psicoeducacionais no Brasil.

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