Opinião
Como o Ato de IA da União Europeia transforma o mercado de produtos médicos
A introdução do Ato de Inteligência Artificial da União Europeia (AI Act) marca uma nova fase na regulação da IA, com impacto direto nos produtos médicos digitais.
Este regulamento visa garantir segurança, transparência e responsabilidade no uso de IA, sendo particularmente relevante para dispositivos médicos que utilizam machine learning (ML). Estes sistemas, usados em diagnósticos e tratamento, passam a estar sujeitos a regras rigorosas para comercialização.
O Ato de IA classifica os sistemas em níveis de risco, e os dispositivos médicos com IA são classificados como de alto risco. Estes produtos devem cumprir requisitos como gestão de riscos, governança de dados, documentação técnica e transparência. Para os empreendedores, isto representa um desafio, já que devem criar sistemas robustos de gestão de riscos e documentação que comprove a segurança antes de serem colocados no mercado. Isto garante que a tecnologia atende a padrões necessários para proteger os utilizadores. A gestão de riscos é central no Ato de IA, exigindo que os fabricantes identifiquem e mitiguem riscos previsíveis. Inclui garantir que os dados usados no treino de IA estejam em conformidade com o Regulamento Geral sobre a Proteção de Dados (RGPD). Ainda, é crucial evitar vieses nos dados que possam comprometer as decisões clínicas automatizadas.
Outro ponto crucial é a transparência e a supervisão humana. O regulamento exige que os fabricantes forneçam informações claras sobre o funcionamento da IA, incluindo métricas de precisão e robustez, essenciais para garantir a confiança dos profissionais de saúde. A supervisão humana é obrigatória, assegurando que as decisões automatizadas estejam sempre sob controlo de especialistas, minimizando o risco de erros. A conformidade técnica também é fundamental. O Ato obriga à implementação de um sistema de gestão da qualidade (QMS) que abranja tanto o dispositivo médico quanto a IA. Os fabricantes podem integrar os requisitos da IA no sistema de qualidade existente, como o ISO/IEC 13485, usado em dispositivos médicos, o que facilita a gestão e garante o cumprimento das normas de comercialização.
Uma das principais implicações do Ato de IA é o seu alcance extraterritorial, essencial no desenvolvimento de modelos de negócio. À semelhança do RGPD, o Ato aplica-se a qualquer empresa que comercialize IA na União Europeia, independentemente da sede. Isso significa que fabricantes globais que desejem atuar no mercado europeu devem adaptar os produtos às exigências rigorosas da UE, mas, uma vez cumpridas, o modelo de negócios simplifica-se. No entanto, este novo regime regulatório impõe desafios, especialmente para pequenas e médias empresas (PMEs). A conformidade com o Ato de IA pode ser dispendiosa, exigindo investimentos significativos em documentação técnica e gestão de riscos. Embora existam medidas para apoiar as PMEs, muitas enfrentarão dificuldades para alocar os recursos, o que pode limitar a inovação (ou está assim criada uma oportunidade de negócio).
Para o empreendedor em saúde, o Ato de IA é mais do que uma barreira regulatória; trata-se de uma oportunidade estratégica. Ao entender e cumprir os requisitos de gestão de riscos, transparência e conformidade, facilita-se a entrada no competitivo mercado europeu. Assegurando que os seus produtos cumprem os mais altos padrões de segurança, o empreendedor ganha confiança e vantagem competitiva no setor da saúde, tipicamente um setor de difícil entrada mas mais fiel ao seu fornecedor.
*Docente universitário, Doutorado em Bioengenharia e aluno de Medicina
Tiago Cunha Reis, Ph.D., é doutorado em Sistemas de Bioengenharia pelo programa MIT-Portugal, tendo desenvolvido o seu doutoramento no Hammond Lab (MIT, EUA). Com foco nas necessidades de translação médica, o então engenheiro é agora aluno de Medicina. Reconhecido por sua paixão pela humanização da tecnologia em saúde e por melhorar ferramentas de diagnóstico e prognóstico, Tiago Cunha Reis possui um amplo histórico de prémios, publicações e nomeações internacionais em sociedades científicas europeias. Fomentador de conhecimento aplicado, fundou uma start-up focada em sensores e inteligência artificial, a qual expandiu internacionalmente antes de ser adquirida no final de 2022.








