A tecnologia que está a apoiar a construção de um futuro melhor

“Haverá motivos para temer a inteligência artificial?” E “como pode ser utilizada para melhorar as organizações?”. Estas foram duas das muitas perguntas respondidas pelos especialistas que ontem passaram pelo palco do primeiro dia do Building the Future.
O tecido empresarial lisboeta reuniu-se ontem no primeiro dia do Building the Future, em Lisboa, um evento organizado pela Microsoft Ativar Portugal destinado a promover a digitalização dos negócios portugueses.
“Não devemos temer os avanços da inteligência artificial”
A conferência começou com Jim Stolze, especialista em inteligência artificial e líder da sucursal holandesa da SingularityU, a explicar os vários motivos pelos quais não devemos temer os avanços da inteligência artificial. Apresentou alguns case studies sobre a forma como a tecnologia pode impactar positivamente a vida das sociedades atuais – e especialmente das populações mais pobres. A Índia é um desses casos. Segundo o especialista, a falta de oftalmologistas em certas zonas do país faz com que a maioria das pessoas com problemas relativamente fáceis de resolver (em sociedades mais desenvolvidas) acabem cegas. Isto poderia ser facilmente solucionado com um sistema de inteligência artificial capaz de detetar este tipo de doenças numa fase embrionária, o que faria toda a diferença na complexidade dos tratamentos.
No lado mais negro desta força, em tom de brincadeira, mas ao mesmo tempo para consciencializar a audiência, Stolze explicou a forma como as grandes corporações têm usado os seus utilizadores (ou clientes) para trabalhar os seus algoritmos. No caso da Google, parte da informação que é recolhida para melhorar a tecnologia de condução autónoma é inserida pelos utilizadores. Os “captchas” apresentados com imagens da estrada são um exemplo disto mesmo.
“Conto convosco para apoiarem o desenvolvimento desta tecnologia que ainda não está, de todo, no seu estágio final, mas peço-vos que continuem a deixar que os humanos façam parte deste ciclo”, apelou Stolze.
Foi na mesma tónica que se seguiu Matteo Colombo, executivo da KPMG. Apontou alguns dados surpreendentes das empresas que já estão a adotar este tipo de tecnologias. Segundo os estudos da multinacional que representa, Matteo Colombo referiu que:
– 94% das empresas acreditam que a inteligência artificial é fundamental para potenciar a competitividade;
– 89% dos CIOs dizem usar machine learning na sua organização;
– 40% ainda estão numa fase de experimentação;
– Só 3% das organizações usam esta tecnologia de forma transversal.
Colombo resumiu ainda a razão para algumas indústrias terem ficado para trás: falta de apetite por risco.
O próximo a subir ao palco foi Tim O’Brien, diretor geral dos programas de inteligência artificial da Microsoft. A sua apresentação debruçou-se sobre as razões pelas quais os algoritmos de inteligência artificial são tendenciosos. Segundo O’Brien, prende-se com as nossas ações anteriores, visto que estes são – muitas vezes – alimentados com dados das nossas atividades. Num dos casos abordados foi apresentado um algoritmo de recrutamento na Áustria, onde caraterísticas como ter filhos, o local onde se vive e ter mais de 50 anos, atuam como uma barreira ao recrutamento. Para combater este problema, o diretor geral da Microsoft salientou a importância do desenvolvimento de novas ferramentas de deteção e da criação de novas regras que assegurem o bom funcionamento da tecnologia.
A inteligência artificial e o seu potencial na transformação dos negócios
Foi a mostrar os avanços feitos em meio século nas pit stops dos carros da Fórmula 1 que Steve Braekveldt, CEO da AGEAS Portugal, começou a sua apresentação. Se numa dada altura as equipas que se encontravam nas boxes demoravam perto de um minuto a mudar os quatro pneus de um carro, os avanços dos processos tornaram possível fazê-lo em menos de cinco segundos. O objetivo do executivo foi passar a ideia de que, no que toca à inteligência artificial, ainda estamos no mesmo patamar da equipa mais lenta, especialmente nos cuidados de saúde, onde há um grande potencial de inovação com este tipo de tecnologia.
De acordo com o líder da seguradora, existem muitas questões éticas a colocar, mas tanto a Europa como os Estados Unidos, que regulam esta área à sua maneira, não têm de preocupar-se da mesma forma que os chineses, que são totalmente controlados pelo governo através de sistemas de inteligência artificial.
Participante no mesmo painel, Pedro Batista, dos Serviços Partilhados do Ministério da Saúde, referiu que a sua organização – responsável pela digitalização dos serviços públicos de saúde – está a utilizar a inteligência artificial para atacar alguns problemas grandes, como a prescrição de antibióticos abusiva e o melhoramento da urgência hospitalar.
Falhar, mas rápido
Houve também espaço para celebrar os falhanços. Num painel com Celso Martinho (Bright Pixel), Rui Nabeiro (Delta), Helena Vieira (Bluebio Alliance) e Cristina Fonseca (ex-Talkdesk e Indico Capital Ventures), foram detalhadas algumas falhas dos seus percursos profissionais.
O líder da Delta começou por lembrar que já estão há 11 anos no mercado das cápsulas, mas que pecaram pelo tempo que demoraram a colocar este produto no mercado e que houve percalços no caminho. Um deles foram as pastilhas moles de café. O produto foi criado depois de um estudo de mercado indicar que os consumidores não queriam cápsulas porque, desta forma, teriam de ficar fidelizados à máquina de uma marca. Este produto foi o fracasso e, atualmente, a Delta já tem cápsulas comuns. Contudo, explicou Rui Nabeiro, foi a partir deste fracasso que a empresa percebeu que os consumidores podem dizer que precisam de uma coisa, mas que afinal querem outra.
Das grandes empresas para as start-ups, Helena Vieira, fundadora da Bluebio Alliance, sublinhou que os fracassos em anteriores projetos lhe valeram o lugar onde está hoje. A professora de inovação e empreendedorismo salienta também que a formação é bastante importante no percurso dos empreendedores.
Na mesma tónica, Cristina Fonseca, cofundadora da Talkdesk e um dos membros da Indico Capital Partners, relembra o tempo em que saiu do Instituro Superior Técnico e rejeitou “propostas de emprego aliciantes para começar os próprios projetos”. Esta experiência deixa-lhe a ideia de que “temos de ser pragmáticos em relação aos projetos. Tomar a decisão racional de avaliar a situação como ela é, sem se prender emocionalmente”.
Já Celso Martinho sublinhou que hoje já ninguém se pode queixar de falta de investidores, mentores, incubadoras ou aceleradoras, visto que já há muitos instrumentos de apoio ao empreendedorismo. No entanto, o líder da Bright Pixel lembrou que “estamos numa fase critica do empreendedorismo, temos de dar um salto que muitas outras regiões já deram” e que só ainda não o fizemos por aversão ao risco”. Em relação aos falhanços, Celso Martinho indicou que “as pessoas que já criaram uma start-up e falharam têm muito para nos ensinar e mais rapidamente apostava nelas do que nas que nunca falharam”.
O empreendedor referiu ainda que a sociedade portuguesa tem de mudar. “Achamos que quem é bem-sucedido é um aldrabão e que quem falha não percebe nada do assunto”, ou seja, não estamos a premiar nem os que tentam, nem os que são bem-sucedidos, mas sim os que são “medianos e que não incomodam ninguém”.