Opinião
B2B: um ponto cego no meio do marketing
Andar no meio dos prédios da Times Square talvez seja uma das experiências mais próximas que qualquer pessoa pode ter do que realmente significa ser bombardeado por propagandas. Kodak, McDonald’s, Levi’s e dezenas de outras marcas lutam ferozmente através de painéis luminosos para atrair a atenção dos pedestres a praticamente qualquer custo.
Mas o que ocorre entre a 7.ª e 8.ª avenida em Nova Iorque trata-se apenas de um dos campos de batalha da guerra travada há décadas pelas incontáveis marcas que tentam atrair a nossa atenção diariamente no noticiário, nas revistas, na TV, etc. O fato, no entanto, é que a insistência publicitária parece ser mais poderosa do que sentimos.
Na próxima vez em que assistir ao noticiário, reserve alguns minutos para contar quantas propagandas de empresas voltadas para consumidores aparecem versus a quantidade de vezes em que anúncios de empresas focadas em atender outras empresas são feitos (você provavelmente não assistirá a um único comercial desta segunda natureza). O que você perceberá provavelmente reforçará uma visão contorcida da realidade com a qual sempre vivemos: a de que o B2C é um mercado substancialmente maior que o B2B.
Enquanto a frequência com a qual somos expostos a anúncios de empresas B2C nos leva a acreditar que o B2B equivale a uma fração do que as empresas voltadas para consumidores representam na economia global, a realidade é puramente a oposta. Calcular separadamente o tamanho das economias B2B e B2C talvez seja um tanto complexo, dado que nem sempre é claro como determinadas empresas deveriam ser classificadas. No entanto, estimativas do tamanho real do mercado de eCommerce B2B e B2C foram recentemente feitas e, apesar de fontes diferentes indicarem números discrepantes, o B2B foi unanimemente colocado à frente ao B2C em termos de tamanho.
De acordo com o eCommerceDB, em 2020 o mercado de eCommerce B2B gerou receitas na ordem de US$14,9 trilhões, mais de cinco vezes o que foi gerado por organizações B2C, um número que possivelmente crescerá para mais de US$25,6 trilhões até 2028, conforme apontado pelo Grand View Research. Apesar de estarmo- nos a referir especificamente a empresas do segmento de eCommerce, a tendência é válida para as indústrias B2B e B2C na sua totalidade.
A título de curiosidade, no início de 2020, Jonathan Knowles reuniu informações de empresas de 20 dos setores mais representativos da economia americana por predominância B2B ou B2C, concluindo que o B2B não é apenas mais representativo em termos de geração de receita do que a maioria de nós imagina, mas também em número de empresas existentes.
Esta realidade também se aplica ao mercado de venture capital, mesmo que menos intensamente. De acordo com o Pitchbook, mais de 39 mil start-ups B2B foram registadas na sua plataforma até ao final de novembro de 2022, contra pouco mais de 38 mil empresas B2C. A diferença é menor que a observada na indústria como um todo, mas ainda assim quebra o velho paradigma de que o B2C é mais representativo que o B2B de forma geral.
O Pitchbook também aponta uma quantidade ligeiramente maior de transações de start-ups B2B concluídas em 2021 comparado às organizações B2C, indicando uma diferença de 7% neste sentido, assim como 10% mais capital investido no mesmo ano em start-ups B2B do que naquelas voltadas para consumidores. Por outras palavras, para cada Facebook no mercado existe uma empresa B2B gerando centenas de biliões de dólares em receita, mas sem atrair atenção do público geral tal como fazem o Twitter, a Apple ou a Amazon.
Desequilibrando as diferenças
Apesar de ser compreensível que conheçamos mais organizações B2C do que B2B, dado que somos o “C” no final da segunda expressão, a solidez e resiliência que os negócios voltados para outras empresas tendem a oferecer desde o início das suas vidas têm sido os principais fatores responsáveis por atrair os olhos dos investidores da forma como o fazem atualmente.
Obviamente, é verdade que empresas B2C bem desenvolvidas crescem mais rapidamente que aquelas B2B na maior parte dos casos, mas, ainda assim, isso ocorre como forma de equilibrar o aspeto financeiro das suas operações, dadas as suas margens mais apertadas. E, enquanto as companhias B2C costumam investir a maior parte dos seus esforços de venda em continuamente adquirir novos clientes, as organizações B2B focam-se na retenção dos clientes já adquiridos, o que custa em média cinco vezes menos que a procura por novos compradores. Adicionalmente, uma vez tendo sido devidamente implementada a solução B2B, na maioria dos casos recuar um passo requer um esforço substancial da contratante, o que naturalmente contribui para a retenção de clientes do lado B2B.
Organizações B2B geralmente geram receita consideravelmente mais cedo que as suas contrapartes B2C. Algumas empresas voltadas para os consumidores priorizam a expansão da sua base de clientes e a recolha de dados para monetizá-las num segundo momento, deixando de lado a geração de receita imediata por anos a fio antes de descobrirem como gerarem caixa. Curiosamente, após anos sendo justificável pela perspetiva dos investidores, este método finalmente passou a ser questionado, uma vez que os fundos de venture capital começaram a dar mais peso à tração nas análises que conduzem das start-ups.
O B2B, por outro lado, não pode postergar a geração de receita ou depender da monetização de bases de dados ou da expansão da base de clientes. A maioria das organizações B2B depende da retenção e potencialização de um número reduzido de clientes estratégicos mais do que qualquer outro aspeto, gerando receita logo cedo nas suas vidas, sendo esta um indicativo do quanto a sua solução realmente funciona e o quão crucial ela é percebida pelos seus clientes.
Estatisticamente falando, as start-ups B2B também apresentam outra vantagem contra aquelas do tipo B2C: liquidez. Do início de 2013 ao final de 2022, a liquidez do lado B2B mostrou-se mais relevante, com aproximadamente 7.400 aquisições consolidadas, contra aproximadamente 6 mil do tipo B2C. E, contradizendo o que parece ser consenso, a teoria de que os IPOs em B2C são mais frequentes parece não passar de um mito, dado que 13,9% de todas as saídas B2B ocorreram via IPO, contra 11,6% no B2C, de acordo com o Pitchbook.
De forma geral, já há algum tempo desde que o mercado de venture capital começou a apostar em B2B mais do que em B2C, chegando ao ponto de não raramente empresas B2B serem associadas a investimentos mais prudentes que em B2C, uma ideia que tem-se tornado mais forte na medida em que a geração de receita ganha importância sob a perspetiva dos fundos de venture capital. Mesmo tal generalização parecendo exagerada, possui embasamento.
Ao longo dos últimos anos, por exemplo, de acordo com o Pitchbook, o valuation de start-ups early-stage B2C naturalmente caiu durante a pandemia e como consequência do momento de mercado atualmente volátil, apesar do aumento médio no longo-prazo. As suas contrapartes B2B, no entanto, apresentaram um aumento ininterrupto de valuation desde 2019, atraindo cada vez mais a atenção dos investidores que têm dado mais peso à geração de receita do que anos atrás.
Em linha com este raciocínio, nos últimos anos o valuation pre-money de start-ups B2B ultrapassou o de B2C. Em média, as empresas B2C tendem a levar mais tempo para serem adquiridas, o que significa que, quando isso ocorre, elas já maturaram e, consequentemente, apresentam valuations maiores. Além disso, start-ups B2C são adquiridas menos frequentemente por M&A ou através de transações estratégicas, que geralmente envolvem valores menos expressivos, independentemente do múltiplo de saída da operação.
Porém, desde 2019 (exceto em 2021 que foi um ano atípico em termos de valuation para toda a indústria de venture capital), as start-ups B2B também bateram as start-ups B2C em valuation, refletindo o fato de que os investidores estão dispostos a pagar mais pelas empresas que se mostraram operacionalmente viáveis e resilientes através da geração de receita.
Perspetivas
O ritmo com o qual o B2B tem crescido parece irreversível pelos próximos anos, portanto não devemos observar grandes surpresas quanto à sua relevância quando comparada à do mercado B2C. Parte da razão para esta tendência é o fato de que, após dois ajustes consecutivos de preços num espaço de apenas dois anos, os investidores passaram a analisar start-ups sob outras perspetivas, exigindo a geração de receita mesmo de empresas B2C em estágio inicial como forma de garantir algum fundamento e coerência para o seu valuation.
Ainda é cedo para assumir que a forma como os investidores se comportarão frente ao mercado B2C mudará estruturalmente, dado que as primeiras mudanças começaram a tomar forma apenas recentemente. No entanto, é praticamente certo que as start-ups B2C passarão a adotar algumas das características responsáveis pela resiliência que empresas B2B têm apresentado ao longo dos últimos anos.