Entrevista/ “As sociedades de advogados precisam de utilizar diversas ferramentas de comunicação”

Rui Gomes da Silva, sócio fundador da LEGALWORKS-Gomes da Silva

“A inteligência artificial está a transformar-se numa realidade incontornável, e será, não tenho dúvidas, um fator decisivo para o futuro do crescimento das sociedades de advogados, consoante a capacidade que cada uma possa vir a ter de a aproveitar em seu benefício”. A afirmação é de Rui Gomes da Silva, sócio fundador da LEGALWORKS-Gomes da Silva, em entrevista ao Link to Leaders.

Com décadas de atividade, a sociedade de advogados criada pelo ex-Ministro dos Assuntos Parlamentares e ex-Ministro-Adjunto Rui Gomes da Silva, tem trilhado um percurso consistente e multifacetado com intervenções em várias domínios da sociedade. Este ano, por exemplo, assinalou os 22 anos de assessoria jurídica ao Rock in Rio, quer em Portugal, quer na vertente internacional do festival.

Com desafios vários ao longo do caminho, entre os quais a pandemia, a LEGALWORKS-Gomes da Silva continua a apostar no crescimento “com ambição, mas sem deslumbramento”, como frisa o seu fundador. Numa análise transversal à atualidade, Rui Gomes da Silva fala de geopolítica, de economia e de advocacia. Partilha a ideia de que “a distância que o teletrabalho trouxe não prenuncia nada de positivo para os tempos que se aproximam”  e que inteligência artificial será um fator decisivo para o crescimento das sociedades de advogados”.

Como se impõe uma sociedade de advogados hoje em dia?

Uma sociedade de advogados – hoje, como sempre – impõe-se, desde logo, pela sua credibilidade, que resulta da seriedade e da competência demonstradas no trabalho e no contacto com os clientes. O desenvolvimento e a forma como trabalha, em cada caso, e como se relaciona, com cada cliente é, também, essencial a esse objetivo. E é o reflexo desse empenho e dessa mesma disponibilidade para tratar cada caso com o máximo cuidado, independentemente da sua dimensão, que faz com que, sendo todas iguais, algumas mereçam a distinção e a fidelidade com que são tratadas pelos seus clientes. Há um terceiro fator que considero muito importante: o resultado, o sucesso em cada caso concreto para que pedem a nossa intervenção, que reforça a confiança que os clientes depositam numa sociedade e advogados.

Historicamente, o reconhecimento das sociedades de advogados baseava-se muito no “passa palavra”, através do qual os clientes iam recomendando os “seus” advogados, com base nas suas próprias experiências. Numa fase posterior, para além dessa forma, bem tradicional, foi a comunicação social escrita que também teve um papel importante nessa divulgação (os menos novos lembrar-se-ão dos grandes casos com intervenção daqueles que, nas décadas seguintes, seriam considerados como os grandes advogados, para além da reputação que cada advogado conquistava individualmente.

No entanto, hoje em dia, as sociedades de advogados precisam de utilizar diversas ferramentas de comunicação, que vão, cada vez mais, privilegiando as redes sociais, que têm um impacto cada vez maior na visibilidade e na perceção pública do trabalho dos advogados. Para, muito recentemente, passarmos a ter de coabitar com um novo parceiro destes novos caminhos que temos para andar: a inteligência artificial, ainda no seu início, está a transformar-se numa realidade incontornável, e será – não tenho dúvidas – um fator decisivo para o futuro do crescimento das sociedades de advogados, consoante a capacidade que cada uma possa vir a ter de a aproveitar em seu benefício.

Quais têm sido os momentos mais desafiantes à frente da LEGALWORKS – Gomes da Silva?

Numa história já tão longa e tão bem conseguida, houve alguns momentos bem desafiantes na história da LEGALWORKS. O primeiro ocorreu em dezembro de 1998, com a constituição da sociedade, inicialmente designada “Rui Gomes da Silva e Associados”, que mais tarde evoluiu para “Gomes da Silva e Associados”, a que se haveria de juntar a designação de LEGALWORKS. A sociedade começou com três sócios e três estagiários, com a promessa – assumida – de todos serem sócios, o que ocorreu muito rapidamente, num ambiente de crescimento e desenvolvimento profissional. O segundo desafio foi o da consolidação desse mesmo crescimento da sociedade. Conseguimos crescer em número de advogados e expandir para o Porto e para o Funchal a nossa presença física.

Outro momento importante foi o que levou a sociedade a superar – em organização e, mesmo, com a continuação do crescimento projetado – a minha participação, no Governo em 2004, onde exerci funções como Ministro dos Assuntos Parlamentares e, depois, como Ministro-Adjunto.

De regresso ao escritório, não demorou muito para termos outro desafio, também ele muito bem ultrapassado: o da minha participação, como vice-presidente do Benfica – aí por um período mais dilatado – num tempo de novas exigências de conciliação (para mim) entre as responsabilidades no clube e o acompanhamento da sociedade e para os meus colegas, a forma como souberam não deixar confundir essa realidade com a vivência e empenho profissionais.

Finalmente, o desafio – talvez o maior de todos – com que fomos confrontados no período da pandemia do Covid-19. Além de termos de lidar com os impactos globais da crise sanitária – uma nova e desconhecida realidade de todos – tivemos ainda de tomar a decisão de mudança de instalações, após 25 anos no Chiado, e concretizar essa nova fase da nossa vida, agora nas Amoreiras, em maio de 2021. Uma transição necessária – todos os dias mais justificada –  tão significativa como tão desafiante como o eram os tempos em que a mesma se efetivou!

“(…) ajudamos a concretizar 10 edições do Rock in Rio, em Lisboa“.

A LEGALWORKS – Gomes da Silva é o braço jurídico do Rock in Rio desde a primeira edição do festival de música em Lisboa? Que balanço faz desta parceria?

Sim, desde 2002, asseguramos essa parte do festival. Mas somos mais do que – e apenas – os assessores jurídicos do Rock in Rio. A parceria começou quando conheci Roberto Medina, em dezembro de 2001. E, desde então, temos estado juntos nesta caminhada, tanto em Portugal quanto no estrangeiro, nos países para onde o Rock in Rio tem expandido a sua presença, Espanha, EUA, e “regresso” ao Brasil.

Na altura, poucos acreditavam no sucesso do Rock in Rio em Lisboa, devido à atenção que o Euro 2004 monopolizava, por todo o país, sem exceção. Mas a capacidade de insistência de Roberto Medina, a sua paixão pelo Festival – demonstrada em cada apresentação, desde a Câmara Municipal de Lisboa, com Pedro Santana Lopes até cada um dos possíveis futuros parceiros – fez o resto, mudando a visão dos muitos céticos, e permitindo que o evento se tornasse no sucesso que é hoje.

De 2004 a 2024, com exceção da interrupção em 2022, devido à pandemia, ajudamos a concretizar 10 edições do Rock in Rio, em Lisboa. Para além disso, colaborámos, desde então, em sete edições no Rio de Janeiro, uma em São Paulo, três em Madrid e uma em Las Vegas. Em Portugal, estamos envolvidos em, praticamente, todos os aspetos jurídicos, analisando os contratos, propondo alterações e assegurando que tudo corre conforme o planeado e o exigido, em termos legais.

Podemos afirmar que este é um balanço extremamente positivo, com uma relação sólida e de confiança, que ultrapassa a barreira da prestação dos serviços jurídicos e se estende a uma verdadeira parceria.

Nesse trabalho de assessoria prestada ao Rock in Rio – Rio de Janeiro, quais as grandes diferenças entre as duas realidades: brasileira e portuguesa?

A mais notável é, de facto, a escala. Em Portugal, o festival teve que conquistar o público e o mercado nacional, sendo, hoje, o maior festival do país em termos de dimensão, número de participantes e orçamento. No entanto, no Brasil, o Rock in Rio sempre foi um ícone cultural, regressando à sua cidade natal em 2011. O Rio de Janeiro está habituado a grandes eventos, e a diferença de dimensão é evidente: estamos a falar de um país com mais de 200 milhões de habitantes, contra os 10 milhões de Portugal. Em Lisboa, o Rock in Rio atrai cerca de 300 a 350 mil pessoas ao longo do evento, enquanto no Rio de Janeiro, esse número ultrapassa facilmente os 600 mil participantes. A área do festival no Brasil também é muito maior, refletindo a grandiosidade do evento e do próprio mercado brasileiro.

Com a mudança de local do Rock in Rio Lisboa, em 2024, para o Parque Tejo, sentimos algumas semelhanças com o Rio de Janeiro … em termos de dimensão, de público … do próprio “layout” do espaço escolhido, correspondendo a um feliz desafio do Presidente da Câmara Carlos Moedas, o que foi bem recebido pela organização e trouxe ainda mais proximidade entre os dois eventos.

Quais os desafios de assessorar um evento como este?

Diria que os desafios de uma assessoria deste tipo começam com o processo da preparação de cada evento. É fundamental preparar toda a parte jurídica, o que inclui a elaboração de contratos para diversas áreas, desde a venda de itens “insignificantes” até aos grandes contratos com artistas e fornecedores, parceiros e autarquia … todos os que contribuem, a cada 2 anos, para que nada falte em cada Rock In Rio.

Este trabalho inicia-se, praticamente, no dia seguinte ao término do evento anterior, e a nossa equipa começa a preparar o próximo Rock In Rio, que ocorrerá … 2 anos depois! Ao aproximar-se a data de cada “abertura de portas”, a pressão aumenta, e o tempo, que antes parecia dar para tudo, torna-se escasso. Esse será outro desafio … talvez … o maior desafio: a gestão do tempo. A especificidade do negócio exige que sejamos cada vez mais rigorosos no cumprimento de prazos e nas respostas que damos, para podermos muito exigentes no tempo da resposta para as respostas que recebemos, … em alerta permanente para o facto de que o tempo se está a esgotar.

Como correr do tempo, com o aproximar de cada evento, o número de advogados “alocados” ao Rock in Rio vai aumentando, todos dedicados, de forma e em tempo integra, ao evento. Isso permite-nos resolver qualquer situação imprevista que possa surgir. Para além do trabalho de back-office, temos uma equipa disponível para garantir que todos os contratos e questões legais sejam tratados de forma eficaz e imediata.

Momento mais difícil que passou como advogado?

Na advocacia, há sempre momentos difíceis, mas destaco dois que foram particularmente desafiantes. O primeiro ocorreu quando, há alguns anos, conseguimos ganhar um recurso no Supremo Tribunal de Justiça que permitiu que alguém, que tinha ficado tetraplégica, num acidente, não recebesse qualquer indemnização. Antes disso, tínhamos solicitado autorização à entidade demandada para negociar, por razões humanitárias relacionadas com essa indemnização, mas a outra parte recusou. Poucos dias depois, a nossa posição foi totalmente reconhecida, o que foi um momento de grande satisfação profissional, mas de enorme tristeza emocional.

O segundo momento difícil aconteceu numa outra decisão judicial – numa questão que envolvia falsificações e mentiras que prejudicavam o bom nome de uma figura pública – onde, apesar de, no nosso entendimento, nos assistir absoluta razão, fomos afastados da obtenção de total provimento na ação, por razões a jusante, de hipotética responsabilidade futura do Estado português perante a União Europeia (para não falar do que me pareceu ser uma decisão política onde só se deveria falar de direito e de justiça … que, no caso concreto, … “não se fez”)!!!

Mas para além disso, momentos difíceis na advocacia também são aqueles em que partilhamos o sofrimento dos nossos clientes, especialmente em questões relacionadas com a sua situação pessoal, máxime … casos de poder paternal. Nesses momentos, muitas vezes as pessoas estão a jogar muito do que julgam ser a sua honra pessoal, “num tudo ou nada”, e a responsabilidade que sentimos é enorme. O que contrasta – no polo oposto – com a prática societária, onde existe uma distância maior entre os interesses das partes envolvida e as valorações pessoais de cada decisão, seja ela judicial ou não.

E o mais gratificante?

Talvez ganhar um concurso público de cerca de mil milhões de euros. Já ganhámos outros concursos de 400, 500 e 600 milhões, e isso é extremamente gratificante, pois representa o reconhecimento de um esforço enorme, com muitas horas de trabalho dedicadas por muitos dos advogados da sociedade.

No entanto, a verdadeira satisfação não vem apenas dessas grandes vitórias. Há momentos que, embora possam parecer de pouca importância para os outros, têm um significado enorme para aqueles que estão envolvidos. Há momentos em que uma “pequena” vitória, onde se faz justiça, sentimos a felicidade contagiante de quem entendeu cada uma dessas situações como uma questão de honra e – embora advogue sempre a distância entre os interesses do cliente e o nosso envolvimento emocional em cada situação, há momentos impossíveis de o fazer.

Importa perceber que temos como princípio distanciar-nos das chamadas “guerras jurídicas” e perceber que não se tratam de batalhas pessoais. Embora possamos ter argumentos e razões a defender, nunca nos deixamos envolver por essas rivalidades. O foco deve estar sempre no que é melhor para os nossos clientes e nas suas necessidades. Mas nem sempre a natureza humana consegue resistir, confesso!!!

A distância que o teletrabalho trouxe não prenuncia nada de positivo (…) perdeu-se no relacionamento pessoal (…)”.

Olhando agora para como está a advocacia e comparando-a com a que se praticava há dez anos, o que mais mudou na profissão?

Uma das principais mudanças que percebo na advocacia é a crescente indiferença com que se tratam quase todos os assuntos. Não que advogue a presença de grande emoção em cada problema a resolver, mas há, hoje, uma menor, uma quase inexistente relação pessoal entre colegas, que as reuniões, as deslocações aos escritórios uns dos outros permitiam.

A distância que o teletrabalho trouxe não prenuncia nada de positivo para os tempos que se aproximam! Ganhou-se em tempo disponível, mas perdeu-se no relacionamento pessoal, no conhecimento que permitia resolver tantas e tantas questões fora dos tribunais.

Mas há um aspeto que me choca profundamente: é a frieza e a hipocrisia com que alguns dos mais empenhados, até 2020, na defesa do espírito dos grandes escritórios, que valorizavam a vivência e a interação, capazes de acrescentar valor a quem participava, nos tais grandes espaços, nesses “festins do conhecimento jurídico” (depois devidamente faturados aos clientes), são, agora, os que – sem qualquer pudor ou vergonha – elogiam o teletrabalho e a permanência dos advogados em casa, ignorando o que antes defendiam.

Por mim, continuo a valorizar a integração num ambiente de trabalho colaborativo, onde se discutem ideias, soluções e estratégias de defesa ou de acusação, a possibilidade de inclusão de cláusulas contratuais relevantes, à partilha de experiências sobre outros casos, sem esquecer que os que vão progredir na carreira serão os que se não acomodarem a essa “benesse” de ficar a trabalhar em casa. Não devemos ignorar os ventos da mudança, qualquer que ela seja, mas não podemos fazer de conta e aceitar como bom que, o que serve aos interesses de alguns, é bom para todos!!!

Como sabemos, vivemos tempo complexos, do ponto de vista económico e geopolítico. O que mais o preocupa neste momento?

Diria que, do ponto de vista económico e geopolítico, nos tempos de hoje, o maior motivo de preocupação é a guerra. A guerra motivada pela invasão da Ucrânia pela Rússia e o conflito no Médio Oriente. Acredito que o conflito israelo-árabe, afetando-nos a todos, será mais um problema da diplomacia norte-americana e do mundo árabe. Mas a guerra na Ucrânia é, sem dúvida, um problema europeu. E o que mais me preocupa, de acordo com esses pressupostos, para além da gravidade de cada um dos conflitos em si, é a indiferença com que a Europa é vista no cenário global.

Eu sei que esta não é uma entrevista política, mas é importante que sublinhe que concordo inteiramente com o posicionamento que a Europa tem assumido de defesa e no apoio à causa ucraniana. No entanto, o que me preocupa verdadeiramente é a repetição incessante do mesmo discurso, sem apresentar soluções concretas. A falta de credibilidade da Europa em resolver esta situação é confrangedora e, acima de tudo, assustadora no que ela avança para o futuro. Estamos constantemente à espera que os Estados Unidos venham resolver os “nossos” problemas, seja no caso da Rússia, de Israel, ou da guerra entre a Rússia e a Ucrânia. Se continuarmos assim, teremos de reconhecer que a Europa é um projeto que, em termos de política internacional, não passa de uma ideia sem que lhe esteja associado qualquer poder efetivo!

“(…) espero que haja a possibilidade, nos quadros atuais, de continuar a desenvolver Portugal (…)”.

Que setores, tendo em conta o contexto atual, podem ter mais movimento em 2024 na sua opinião?

Eu diria que haverá um conjunto de investimentos que serão determinantes, não apenas em 2025, mas durante os próximos anos, na próxima década. Indústria, com grande aposta na inovação, um grande crescimento do setor automóvel e da automação, uma grande aposta no setor ferroviário, e na área da defesa, nomeadamente dos equipamentos (drones, por exemplo).

Mas espero que haja a possibilidade, nos quadros atuais, de continuar a desenvolver Portugal e de aqui fazer vingar uma ideia de desenvolvimento, que não se resuma a uma ideia importada da Europa à custa dos fundos europeus. A verdade é que Portugal teve, na génese de quase todos os seus processos de desenvolvimento, razões exógenas que o determinaram. Se assim for, pelo menos que aproveitemos esta capacidade europeia, sem nos lamentarmos de poder ser este o último quadro de desenvolvimento com ajuda de investimento europeu que haverá em Portugal. Podemos não acreditar nisso, mas que o utilizemos como se fosse verdadeiramente o último!

Gomes da Silva foi ministro-adjunto do Governo liderado por Pedro Santana Lopes (2004 a 2005), vice-presidente do Benfica nos primeiros mandatos de Luís Filipe Vieira e comentador desportivo da SIC, além de ter sido eleito várias vezes deputado do PSD. Quais são as principais semelhanças entre a política e o futebol? 

Reconheço que esse é um dos temas sobre os quais vou refletindo: quais os ensinamentos que posso ir aproveitando, de um lado para o outro, e quais as semelhanças entre esses dois mundos. Eu diria que são muito parecidos, o mundo do futebol e o da política, embora com algumas diferenças relevantes. A primeira é que, no futebol, há “eleições” todas as semanas, o que determina uma maior volatilidade do poder, uma maior volatilidade das lideranças e uma maior dificuldade de estabelecer um qualquer programa num determinado período com um prazo mais ou menos dilatado.

A segunda diferença é que, na política, os interesses estão “teoricamente” ligados a objetivos de desenvolvimento, com princípios programáticos, com o empenho na construção de um mundo melhor que todos acreditamos ser parte das ideias de cada uma das forças políticas, de cada um dos “players” políticos, de cada um dos atores dessa realidade. Embora saibamos que o discurso nem sempre corresponda à realidade.

Por outro lado, há conceitos que servem os dois mundos, começando por tudo aquilo que Nicolau Maquiavel nos legou. Porque se os ensinamentos do “Príncipe” foram pensados para a política, nada é mais maquiavélico do que o futebol. Porque, “se os fins justificam os meios”, no futebol, a vitória tudo justifica, tudo se resolve com a vitória. A derrota não perdoa nada, nem as coisas bem feitas. Já a vitória tudo faz esquecer, especialmente as coisas mal feitas. Talvez o futebol seja a área que conheço onde os fins justificam os meios e onde a ideia do maquiavelismo é mais relevante e mais aplicável.

E que lições retira destes dois mundos para o seu dia a dia?

Retiro muito desses dois mundos. Com lições bem relevantes. Como a que, mesmo num mundo sem valores, num mundo (quase) sem regras, vale a pena sermos nós mesmos. Vale a pena sermos nós e os nossos valores. E esse é o ponto de que não abdico. Nunca abdiquei da verdade, nunca abdiquei de lutar por aquilo em que acredito, nunca abdiquei de ser eu próprio, sem ceder um milímetro nesses mesmos valores.

Por isso, em 2009, discordando da liderança do PSD (que considero a pior da sua história), saí da Assembleia da República sem ter participado no processo de renovação da candidatura a novo mandato. Depois de 22 anos a exercer essas funções, com diferentes líderes, de Cavaco Silva a Fernando Nogueira, Marcelo Rebelo de Sousa, Durão Barroso, Pedro Santana Lopes, Marques Mendes, Luís Filipe Menezes e, por último, a liderança em que abdiquei de continuar na Assembleia. Não concordava com essa mesma liderança. Sempre fui assim.

Por isso, também, em 2016, discordando dos métodos e dos caminhos da liderança do Benfica, saí da Direção depois de sete anos e meio como vice-presidente. Recusando tudo o que me ofereciam, porque eu só queria o que não me queriam dar.

Ambas as saídas foram feitas por minha vontade e pelo meu próprio pé, sem ser empurrado nem que alguém tivesse tomado essa decisão por mim. O que mais me choca no mundo de hoje são aqueles que defendem convicções alheias, que lutam apenas pelos cargos, que permanecem nos lugares apenas pelas sinecuras. Como disse, são capazes de tudo fazer pelo seu lugar, “vendendo a alma ao diabo” para por lá continuarem, seja lá o que esse lá seja!

Prefiro estar de bem comigo próprio, de bem com a minha consciência, com os meus valores, por muito que isso me isole dos outros. É nestas situações que me lembro sempre da frase de Francisco Sá Carneiro: “Nunca estive tão sozinho, mas nunca tive tanta razão”. Quantas vezes me senti assim e quantas vezes o mundo veio reconhecer que eu tinha razão. Mas é preferível isso a ceder às tentações e deixarmos de nos mantermos fiéis às nossas convicções.

Qual é para si a sua característica pessoal e profissional que o levou a chegar onde chegou?

Acredito que a minha principal característica, tanto a nível pessoal como profissional, é a capacidade de acreditar em mim mesmo e nas minhas convicções. Vejo-me como um combatente e um lutador no que acredito, defendendo as minhas ideias de forma frontal e sem medo, mesmo quando me sinto sozinho. Não me quero repetir … mas sempre com aquela frase de Francisco Sá Carneiro presente (não é por acaso que tenho um busto em tamanho natural dele no meu Gabinete, que, desde há quase 25 anos, me acompanha para onde quer que “eu me mude”, por razões das funções que desempenhe) … tenho a certeza de que estou a seguir o caminho certo!

Não quero dar a ideia de que nunca errei ou que não tive dúvidas. Mas sempre agi de acordo com as minhas convicções e princípios, sem hesitar, quando tomei cada decisão. Mesmo quando me vi isolado, com poucos apoios, isso nunca me fez recuar um milímetro naquilo que considerava importante.

Projetos para o futuro da LEGALWORKS – Gomes da Silva?

Os grandes projetos centram-se em crescer com ambição, mas sem deslumbramento. Temos um ponto de partida sólido e sabemos que o nosso crescimento deve ser consistente e sustentado. É crucial que este crescimento seja apoiado na manutenção do excelente ambiente de trabalho que temos cultivado entre nós desde o início.

Uma das minhas prioridades é garantir que todos os que trabalham aqui tenham uma relação de amizade duradoura. Mesmo aqueles que já saíram mantêm, na sua esmagadora maioria, laços de amizade com a equipa que por cá vai ficando. A verdade é que muitos dos nossos colaboradores iniciaram aqui o seu percurso profissional e continuam a escolher estar connosco, porque se sentem realizados profissionalmente.

Temos uma ambição saudável de querer mais, inclusive em termos financeiros, pois isso é um motor importante para a evolução humana e, no caso concreto, como realização pessoal e profissional. Contudo, essa ambição deve ser orientada por caminhos que nos permitam, a todos enquanto equipa, crescer de forma responsável e consciente. Para além disso, esta nossa ideia só faz sentido se também for um projeto que atenda às necessidades e expectativas dos nossos clientes, sempre com empenho na defesa dos seus interesses.

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