Opinião

As empresas são como as crianças

João César das Neves, economista, professor catedrático

As empresas são como as crianças: fazê-las é fácil; difícil é criá-las. Esta verdade evidente fica muitas vezes esquecida, sobretudo em épocas de grande transformação tecnológica. Nessas alturas domina a orientação esbanjadora de criar empreendimentos insustentáveis, na ilusão que a fúria de startups seja indicador de verdadeiro desenvolvimento. Mas multiplicar projetos inovadores absorve capital, suscita criatividade, promove atividade, mas dificilmente melhora o bem-estar das populações.

A razão da quimera está numa subtil distorção do processo produtivo. O fascínio pelas inovações tecnológicas leva a esquecer a única finalidade das empresas, servir o cliente. O empresário passa a medir o seu sucesso pela complexidade dos mecanismos usados ou pela novidades das proezas eletrónicas, sem realmente perguntar se isso serve para alguma coisa. Pelo seu lado, os analistas centram-se na quantidade, sem atenderem à qualidade, enquanto os financiadores, na esperança de diversificarem as carteiras, acham que acumular apostas, mesmo tontas, aumenta a probabilidade de sucesso. Estão criadas as condições para o desastre.

Tudo isto vem envolvido no mais perigoso dos embustes socioeconómicos, a certeza de que se vive num mundo novo, onde tudo o que sabíamos deixou de ser verdade. Quem recomenda prudência ou serenidade está irremediavelmente obsoleto, enquanto os futuristas, que confundem imaginação com realidade, são os novos sábios. Toda esta euforia é simplesmente uma variante das habituais bolhas especulativas, uma das mais vetustas e devastadoras tradições dos mercados de capitais que, apesar de terminarem sempre em lágrimas, nunca conseguem evitar a fraude que «desta vez é diferente!»

A explicação habitual para tais entusiasmos, a qual aparece invariavelmente só depois de rebentar a bolha, é a irracionalidade das multidões. Muitas vezes são os mesmos que incharam as ilusões que aparecem a abanar o dedo e a acusar o povo de ingenuidade. As pessoas são tolas e gananciosas, e não conseguem resistir a «negócios da China» e «árvores das patacas».

A verdade é mais subtil. De facto estupidez e cobiça jogam o seu papel, mas não podem deixar de ter um lugar secundário no fenómeno. Não é fácil acreditar que esses elementos dominem, quando se considera a eminência dos participantes ou o facto de ambição ser, afinal, a alma de todos os negócios. «Ganância e estupidez» é a explicação ociosa de quem realmente não entendeu o problema. O verdadeiro erro, em todas as fases do processo, é arrogância.

Os empreendedores, mais que iludidos pela técnica ou viciados em dinheiro, sentem-se poderosos pelas suas capacidades. Esquecem a humildade de ajudar, de ser útil, para se autocentrarem na sua promoção. Os comentadores deixam de procurar a verdade, na ânsia de dizer coisas agradáveis e se sentirem mais espertos. Até os investidores, normalmente tão objetivos, ficam seduzidos pelo mito do «mago das finanças».

Todos esquecem que, no processo económico, não passamos de pequenas peças de um grandioso sistema que tem como única finalidade servir as pessoas. As inovações só serão realmente úteis quando deixarem de o ser, e passarem a respeitar as morosas regras de fornecimento, armazenagem, operação, contabilidade, fiscalidade e logística. Quando, afinal, se transformarem em mercadorias, commodities, a maçadora realidade a que os pioneiros julgavam ter escapado pela sua criatividade, mas que representa a essência da realidade produtiva. Os grandes inovadores da história, de Henry Ford a Steve Jobs, só ficaram realmente na história por criarem muitas mercadorias ou, melhor, por transformar novidades em mercadorias.

Afinal, as empresas são como as crianças. Só quem vive a canseira e incómodo de cuidar delas realmente compreende o mistério de criar uma pessoa. A novidade de cada nascimento está, não na eliminação do velho pelo revolucionário, mas na renovação incessante daquilo que todos conhecemos, que se repete em cada geração de forma sempre nova e sempre igual.

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