Em julho de 2020, o chamado Regulamento Taxonomia, que define que atividades económicas podem considerar-se sustentáveis e que impõe às empresas novas formas de “reporte ESG” (Enviromental, Social and Governance) a partir de 2022, entrou em vigor de forma bastante despercebida – ou não estivesse o mundo de olhos focados na crise pandémica acabada de deflagrar.

Passado quase um ano e meio, o mundo mudou e, num movimento que surge para muitos como algo paradoxal, essa mesma crise pandémica contribuiu para tornar os temas da sustentabilidade bastante mais centrais às preocupações das empresas.

É assim de acreditar que, ao apelidado Disclosures Delegated Act – regulamento delegado que detalha as novas exigências de reporte por parte de determinadas empresas –, caiba melhor sorte (e mais atenção) do que a que coube ao seu “Regulamento-Mãe”, e que as empresas não deixem de olhar para ele com o cuidado que o mesmo merece!

Publicado em julho de 2021, este regulamento delegado tornou-se aplicável, em todos os Estados membros da União Europeia, no passado dia 1 de janeiro. Sim, aplicável! E sim, desde 1 de janeiro deste novo ano!

Isto significa que as empresas sujeitas aos novos deveres de reporte, deverão começar a recolher desde já a informação de sustentabilidade que agora é exigida, sob pena de se debaterem com um elevado nível de dificuldade em a incluir no seu relatório anual, a publicar no início de 2023. Dado tratar-se de informação sobre KPIs (Key Performance Indicators) bastante diferentes dos tradicionais (percentagem do volume de negócios, do Capex e do Opex relacionada com “atividades sustentáveis” no caso de empresas não financeiras), a tarefa pode ser mais complexa do que aparenta, tanto mais que o Disclosures Delegated Act é apenas uma peça de uma engrenagem que, além de complexa, é constituída por uma multiplicidade de componentes. Ou seja, qualquer atraso na recolha de informação pode pagar-se caro.

É certo que, em 2022, apenas um núcleo relativamente restrito de empresas se encontra sujeito a este novo diploma – essencialmente, empresas cotadas, bancos, seguradoras e algumas outras entidades financeiras, desde que de certo porte. Mas é também verdade que, se tudo correr como esperado, é já a partir de janeiro de 2023 que assistiremos a um muito significativo alargamento do âmbito de aplicação destes novos deveres de “reporte ESG”. Com efeito, com a adoção da projetada CSRD (Corporate Sustainability Reporting Directive), todas as empresas que não sejam PMEs (e, bem assim, as PMEs, cotadas), não apenas passarão a ser abrangidas pelos deveres de reporte estabelecidos no Disclosures Delegated Act, como terão a passar de reportar também sobre um vasto conjunto de temáticas ESG (política e objetivos de sustentabilidade, com descrição do progresso registado; órgãos/departamentos com responsabilidades em matérias de sustentabilidade; compatibilidade da trajetória da empresa com a transição para uma economia sustentável, incluindo no que se refere ao aumento máximo da temperatura de 1,5º; descrição dos principais riscos de sustentabilidade e, bem assim, do processo de due diligence relativamente aos mais relevantes impactos adversos da atividade da empresa, com indicação das ações adotadas para os prevenir, mitigar ou remediar; e por aí fora).

Um dos principais objetivos de todas estas novas obrigações de reporte – as que já aí estão e as que aí veem – é colocar a informação não financeira/os relatórios de sustentabilidade em pé de igualdade com a informação financeira/os relatórios financeiros.

Mais do que um tema de compliance (que também é), queremos, no GRACE, que as empresas portuguesas vejam neste novo “pacote legislativo” uma oportunidade de compreender que o seu papel na Sociedade mudou. Queremos que interiorizem que apenas as que forem capazes de se comportar de forma responsável, criando valor, não apenas para os shareholders, mas também para os demais stakeholders, incorporando os temas da sustentabilidade na forma como desenvolvem os seus negócios, serão verdadeiramente prósperas no longo prazo. Queremos finalmente que alcancem que “parecer, sem ser”, é, cada vez mais, um jogo de soma negativa.

É por isso que, ao longo deste ano, dedicaremos um elevado esforço ao desenvolvimento de ações de consciencialização dos nossos Associados para todas as oportunidades que estes desafios encerram.

Com vista a que nenhuma dessas oportunidades seja sacrificada, às mãos da tirania da compliance ou da futilidade dos “concursos de beleza”.

*Em representação da Vieira de Almeida & Associados – Sociedade de Advogados

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Sobre o autor

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Margarida Couto é licenciada em Direito e pós-graduada em Estudos Europeus, pela Faculdade de Direito da Universidade Católica de Lisboa. Integra a Sociedade de Advogados Vieira de Almeida & Associados (VdA) desde 1988, sendo a sócia que lidera a área... Ler Mais