Entrevista/ “Acredito na capacidade de mudar o mundo através do nosso empenho e dedicação no empreendedorismo”
Em entrevista ao Link to Leaders, Verónica Orvalho, fundadora e CEO da Didimo, fala da campanha de angariação de fundos a que se juntou para melhorar a acessibilidade à educação de crianças e jovens e que a vai levar no dia 15 de junho a subir a montanha mais alta de África, das áreas que mais a apaixonam e dos projetos para o futuro.
De raízes argentinas, Verónica Orvalho dedica-se ao estudo das “ciências das caras” há mais de 20 anos, tendo participado no desenvolvimento de videojogos, como o “The Simpsons Ride”.
A empreendedora e também professora na Universidade do Porto está atenta às oportunidades que o mundo digital traz e não tem dúvidas de que o conhecimento deve ser partilhado e de que a educação é a maior arma para combater a pobreza e as desigualdades. É por esse motivo que criou a Didimo, que desenvolve avatares 3D que se assemelham a humanos em apenas 90 segundos, acreditando que os “didimos” poderão contribuir para uma aproximação de culturas e conhecimentos, e para um maior desenvolvimento humano no mundo virtual.
Verónica Orvalho é licenciada em engenharia de software pela Universidade de Belgrado, mestre em desenvolvimento de videojogos pela Universitat Pompeu Fabra e completou ainda o doutoramento em ciências da computação na Universidade da Catalunha. Em 2021, integrou a lista “EU Prize for Women Innovators”, que distingue as 21 mulheres mais empreendedoras da Europa,
Prepara-se para subir, no dia 15 de junho, a montanha mais alta de África, o Kilimanjaro, no âmbito de uma campanha de angariação de fundos para melhorar a acessibilidade à educação de crianças e jovens pelo mundo.
Quem é Verónica Orvalho? Como se define?
Diria que sou uma entusiasta pela vida. Sou professora, engenheira, mãe, fundadora e CEO da Didimo. Empreendedorismo, inovação, tecnologia e educação são as áreas que mais me apaixonam, assim como as muitas formas de comunicar, aprender e partilhar conhecimento com o outro. Sou licenciada em engenharia de software pela Universidade de Belgrado, mestre em desenvolvimento de videojogos pela Universitat Pompeu Fabra e completei ainda o meu doutoramento em ciências da computação e computação gráfica na Universidade da Catalunha. E é neste ramo que tenho trabalhado ativamente.
Gosto de me considerar uma promotora para transformação digital, com o meu trabalho de investigação no campo da tecnologia em reconhecimento facial, no qual já levo mais de 20 anos de pesquisa e conhecimento, que me permitiu criar a Didimo de que tanto me orgulho. Acredito na capacidade de mudar o mundo através do nosso empenho e dedicação no empreendedorismo e, com esta visão, já tive o privilégio de conquistar o prémio “Women Who Tech Award”, em Nova Iorque, um “IBM Scientific Award”, um “Women Entrepreneurship Award” pela Universidade Católica de Lisboa, um “EY Winning Women”, entre outros. Mas isso não significa que o meu trabalho esteja concluído. Pelo contrário, sei que ainda tenho muito a conquistar e descobrir no ramo da tecnologia e quero contribuir com esse conhecimento para transformar o mercado empresarial.
“(…) posso ser parte ativa na criação de um ecossistema de inovação na Europa forte e coeso”.
A Verónica integrou recentemente o grupo de 48 embaixadores do Conselho Europeu de Inovação. Qual é o seu papel enquanto embaixadora da EIC?
No fundo, é ser uma embaixadora para a Inovação, ao promover e apoiar empreendedores e empresas inovadoras na Europa. O meu papel passa por conseguir inspirar e motivar esses negócios inovadores e cheios de potencial para transformar a sociedade. Faço-o através de orientação e mentoria, mas também com a partilha das minhas experiências pessoais e na Didimo. Desta forma, posso ser parte ativa na criação de um ecossistema de inovação na Europa forte e coeso, onde talentos emergentes, parceiros e stakeholders têm oportunidade de fortalecer relações de colaboração e networking, onde novos negócios encontram um meio de apoio para se desenvolverem e onde novos empreendedores podem encontrar uma rede de motivação e inspiração para continuar nesta jornada.
Como avalia o programa de apoio do Conselho Europeu de Inovação às start-ups e PME europeias? O que ainda falta fazer?
O Conselho Europeu de Inovação é uma excelente oportunidade de apoiar o desenvolvimento de novas tecnologias, alavancar a economia global e solucionar problemas existentes na sociedade, mas ainda há oportunidades de melhorias para garantir que o programa atende às necessidades de uma ampla variedade de empresas. Há sempre espaço para aumentar o acesso às oportunidades e benefícios do programa, e também para simplificar e agilizar os processos de apoio.
Algo que não podemos esquecer é que a jornada de um empreendedor não termina neste programa do Conselho Europeu de Inovação. Este apoio pode ser um meio de aprendizagem, onde são fornecidas ferramentas para o desenvolvimento do negócio, mas o percurso não termina no estágio inicial. É importante que, ao longo do ciclo de vida de uma empresa, se continue a procurar mentoria, oportunidades de financiamento e networking para que esse negócio possa crescer e alcançar sucesso a longo prazo.
“O nosso objetivo máximo é angariar 60 mil euros”.
Recentemente, a Verónica decidiu aventurar-se numa campanha de angariação de fundos. Pode falar-nos mais deste projeto?
A iniciativa KiliClimb4Kids tem como objetivo empoderar a geração mais nova a alcançar o seu máximo potencial através da educação. De forma a abraçarmos esta missão, juntámos um grupo de nove mulheres e um homem corajoso que se comprometeram a contribuir para transformar o mundo. Vamos fazê-lo ao subir o Kilimanjaro, no dia 15 de junho, com o objetivo de apoiar um conjunto de escolas na Tanzânia e de angariar fundos a distribuir depois por três associações que são uma inspiração para todos nós: a MiDesk Global Africa, LIFT Ireland e ACAS Argentina.
A pouco menos de um mês deste desafio, estamos expectantes pelo que ainda podemos conseguir da campanha. O nosso objetivo máximo é angariar 60 mil euros. Neste momento, já temos pouco menos de 12 mil, que foi fruto de donativos tanto de amigos como de pessoas que ficaram sensibilizadas por esta iniciativa. Para nós é um verdadeiro desafio de superação, mas no final vai valer a pena.
As associações que iremos apoiar nasceram de um potencial inovador e empreendedor, que queremos reconhecer e honrar com esta causa. A MiDesk Global Africa, com o seu design criativo, é um projeto que visa promover uma maior independência na performance estudantil e diminuir desigualdades económicas, ao oferecer uma mochila escolar, que se converte ainda numa secretária individual portátil. A LIFT Ireland, com o seu trabalho imprescindível, procura promover competências de liderança e empreendedorismo junto das comunidades. E a ACAS Argentina, com a sua missão inspiradora de alcançar as comunidades mais remotas, ao levar a educação através da construção de “escolas-fronteiras”. São três projetos distintos, mas com um potencial incrível de contribuir para um mundo mais justo, onde a educação é uma alavanca social e pode mudar o rumo da vida de tantas crianças e jovens.
Como surgiu esta ideia?
Na verdade, esta ideia começou numa conversa de jantar. Muitas de nós não nos conhecíamos, mas estávamos todas a participar no mesmo evento, a conferência anual do EY Winning Women. Todas partilhamos a mesma paixão por causar um impacto positivo no mundo e somos todas CEO de empresas e então, quando demos por nós, comprometemo-nos a subir o Kilimanjaro para apoiar estas iniciativas. A Farana Boodhram, que é também uma das promotoras desta campanha de angariação de fundos, foi quem lançou o desafio quando nos falou desta ideia e, de repente, estávamos todas empenhadas e motivadas nesta missão. Acreditamos que podemos e devemos contribuir para um mundo melhor, onde o potencial humano e a educação são as armas mais eficazes para um futuro mais justo, onde é respeitada a individualidade de cada pessoa e onde são dadas oportunidades para causar um impacto positivo.
Quem são as empreendedoras que irão subir consigo a montanha mais alta de África, o Kilimanjaro?
Somos dez empreendedoras que são apaixonadas pela possibilidade de contribuir para um mundo melhor, entusiastas pela natureza e pela educação, mas também pela inovação e empreendedorismo. Quem nos conhece descreve-nos como corajosas, aventureiras e com espírito de iniciativa. Somos mulheres com negócios empreendedores e defensoras do potencial humano e criativo para marcar a diferença.
Acreditamos fortemente que esta é ainda uma excelente oportunidade de impactar as nossas famílias e aqueles que nos rodeiam a perceberem que, com dedicação, determinação e paixão, somos capazes de superar quaisquer adversidades e alcançar tudo aquilo a que nos propomos fazer. Estamos longe de ser as mais capazes fisicamente, nem somos atletas profissionais, mas estamos fortemente empenhados nos nossos treinos e em trabalharmos em equipa para cumprir esta meta.
“A Didimo é resultado de 14 anos de investigação na área de criação de personagens virtuais.(…)”.
Como conseguiu criar um negócio de sucesso com a Didimo?
A Didimo é resultado de 14 anos de investigação na área de criação de personagens virtuais. Nasceu com a missão de colmatar a falta de humanização nas conexões digitais, como as emoções, a expressividade e as subtilezas de cada um e, simultaneamente, contribuir para uma automatização e otimização da produção de digital humans de alta-fidelidade. A tecnologia avança de forma acelerada e disruptiva, obrigando-nos a repensar como nos relacionamos com o outro. Neste mundo gradualmente mais digital, a internet é um desafio, mas simultaneamente uma oportunidade de, mesmo ao longe, nos irmos conectando uns com os outros cada vez mais. Esta necessidade de humanizar as interações virtuais foi o que nos motivou a criar a Didimo e o que acredito que também seja o fator diferenciador do nosso negócio.
“Didimo” tem origem grega e significa “gémeo”. Este nome mostra precisamente o que queremos: que o nosso “eu” do mundo real seja o mesmo no mundo digital. E tentamos fazê-lo através dos nossos humanos digitais que representam a nossa própria imagem. Ao contrário dos avatares normais, os” didimos” representam exatamente o rosto de uma pessoa e isto permite que características e nuances humanas, as qualidades que fazem com que as outras pessoas sintam empatia, compaixão e ligação, sejam visíveis para a outra pessoa.
Acho que a nossa cultura organizacional, a versatilidade das áreas de atuação da nossa tecnologia e a sua qualidade tem-nos dado a possibilidade de angariar parcerias e clientes que nos permitem crescer e testar o nosso produto. Na Didimo, acreditamos que, para termos sucesso, temos de nos focar tanto na priorização do desenvolvimento do produto, como no número de clientes que trazemos a bordo. Por isso, criamos deep tech específica para cada cliente, conhecemos o mercado e avaliamos onde será oportuno atuar para desenvolvermos tecnologia adaptada às necessidades de cada setor.
Que projetos tem neste momento em mãos a Didimo?
Na Didimo, apoiamos setores como retalho, comunicação e realidade virtual, mas também a indústria de videojogos, na qual nos temos focado particularmente nos últimos tempos com o nosso produto Popul8. Com a missão de contribuir para uma produção otimizada de avatares em 3D, conseguimos dar resposta aos altos custos e tempos demorados de produção e colocar este software ao serviço de outros negócios, como a Sony, Playable Worlds, Avalon e Colossal Order.
Através do Popul8, a Didimo oferece uma ferramenta que ambiciona melhorar o dia a dia dos character artists e game designers ao introduzir inteligência artificial no setor. Ao otimizar a criação de centenas ou milhares de non-playable characters, estamos a poupar semanas ou até meses de trabalho, sem sacrificar a liberdade artística do videojogo. Com esta ferramenta, conseguimos uma redução de 80% do tempo destinado à criação de NPCs, o que representa um impacto enorme no desenvolvimento de videojogos através de IA.
Apostamos neste mercado porque vemos um potencial enorme de expansão. A indústria de videojogos tem crescido de tal forma que, todos os anos, mais de 2600 jogos são criados, gerando lucros superiores a 187,7 mil milhões de euros. Faz-nos sentido contribuir para otimizar e automatizar esta produção.
“(…) é inevitável que se fale numa identidade digital a 3D”.
Será que vamos mesmo viver num metaverso?
Eu diria antes que estamos cada vez mais imersos na tecnologia e esta evolução tecnológica está a levar-nos a uma era de 3D e a uma realidade em que, não só interagimos com ecrãs, como somos parte integrante destes. É engraçado que, à medida que o mundo tecnológico vai evoluindo, a nossa busca por tornar esse mundo tecnológico mais humano evolui também. No digital, preocupamo-nos com a forma como representamos o nosso “eu”, como criamos essas relações interpessoais e como podemos manter uma identidade no tecnológico. O caminho para chegarmos a um cenário em que o metaverso seja uma realidade em que vivemos tem de passar por conseguirmos presenciar e sentir a 100% o que está a acontecer nesse local online. No entanto, é inevitável que se fale numa identidade digital a 3D.
Quais os desafios para tornar o mundo digital mais humano?
Vivemos num mundo cada vez mais tecnológico e, provavelmente, nunca existiram tantas possibilidades para as pessoas se conectarem como agora. No entanto, quando a comunicação é realizada por intermédio da tecnologia, acaba por se perder o lado humano das relações. A falta de empatia, de toque humano, do contacto cara a cara é dos maiores desafios nesta missão de quebrar barreiras entre o mundo físico e o mundo virtual, mas querer uma identidade digital o mais humana possível não é um contrassenso, é sim olhar para o futuro.
Apesar dos seus desafios, vejo na tecnologia uma ferramenta que pode estar ao uso da educação e esse é o meu maior desejo com o trabalho que tenho vindo a desenvolver na indústria: levar a educação a todas as partes do mundo através da internet, especialmente às mais remotas.
Como a nossa identidade vai mudar de forma fundamental no mundo online?
Quero acreditar que a evolução tecnológica nos vai transportar até um mundo em que vamos conseguir ver o rosto e as emoções do outro quando falamos com ele, em que amigos, família e parceiros de negócio podem conviver no mesmo espaço, através de hologramas, mantendo as características de cada pessoa imaculadas.
“Caminhamos num sentido de humanizar a tecnologia, de tornar a nossa identidade digital cada vez mais humana”.
Quais os cuidados que devemos ter no metaverso?
Caminhamos num sentido de humanizar a tecnologia, de tornar a nossa identidade digital cada vez mais humana. Só faz sentido e só conseguiremos pensar nesse cenário se as nossas representações em 3D forem autênticas, genuínas e quebrarem mesmo barreiras entre o offline e o online. A nossa identidade tecnológica tem de ser uma representação do nosso “eu” e esse é o principal cuidado que devemos ter.
Como vê a Didimo dentro de 5 anos?
Em cinco anos, acredito que a Didimo será uma chave fundamental para a criação automática de avatares e ativos digitais em 3D, tornando-se numa das maiores, senão a maior, referência na indústria do entretenimento, uma vez que poupamos 90% dos custos na criação de conteúdos e aceleramos o tempo de colocação no mercado.
Integrou em 2021 a lista “EU Prize for Women Innovators”, que distingue as 21 mulheres mais empreendedoras da Europa. O que ainda lhe falta fazer? Quais os seus planos para o futuro?
Foi uma experiência incrível ter sido reconhecida entre as mais de 260 candidatas a esta distinção e foi ainda melhor ter sido a representante de Portugal neste prémio. Ajudou-me a perceber que o meu esforço está a ter um impacto positivo na sociedade e não existe nada mais gratificante do que isso. Sentir-me reconhecida pelo trabalho que faço e pelo contributo que tento dar ao mundo, dá-me força para continuar, mas coloca também, em mim, uma responsabilidade maior para crescer enquanto profissional e, principalmente, para continuar a inspirar outros a lutar por avanços que verdadeiramente ajudem as pessoas.
“A tecnologia tem o potencial de ser uma ferramenta incrível ao uso da educação, mas é preciso que haja esse investimento”.
Que legado quer deixar no mundo?
Gostava que o meu trabalho contribuísse para desafiar os limites atuais do meio tecnológico e que me permitisse contribuir para criar relações mais humanas no digital. Estou a trabalhar para essa finalidade, mas gostava que o meu legado passasse por trazer a riqueza da interação humana para todos os contactos digitais que tivermos e que, através da tecnologia, conseguíssemos levar a educação a todas as partes do mundo, especialmente às mais isoladas. A tecnologia tem o potencial de ser uma ferramenta incrível ao uso da educação, mas é preciso que haja esse investimento.
Com o meu trabalho, espero também impulsionar e inspirar outros negócios no meio tecnológico a crescerem e a desenvolverem-se. Quero contribuir com a arma mais poderosa que existe, a educação, para uma mentalidade forte e enraizada no poder do empreendedorismo e da liderança para mudar o mundo.
Respostas rápidas:
Maior risco: Quando desenvolvemos algo que nunca ninguém imaginou ou ousou fazer antes, o maior risco é, sem dúvida, conquistar o mercado.
Maior erro: Ter demorado tanto tempo a encontrar o meu nicho de atuação e o setor de indústria em que me queria especializar.
Maior lição: Aprender a dizer que não a coisas que não acrescentam ao meu propósito. Dizer que não, na verdade, significa dizer que sim ao que realmente importa.
Maior conquista: Ter construído a melhor equipa de trabalho; uma equipa altamente qualificada, com o propósito de contribuir diariamente para o desenvolvimento de um produto que procura solucionar uma lacuna enorme na indústria do videojogo.