Entrevista/ “Acho que é uma lufada de ar fresco uma mulher num mundo de homens”
Jovem e empreendedora, Juliana Oliveira deixou o mundo das multinacionais para criar o seu próprio negócio: a OLIMEC. Uma empresa de metalomecânica que lidera com garra e dinamismo, contrariando a teoria de que este é um universo masculino.
O que a levou a deixar um emprego estável e bem remunerado numa consultora multinacional para se meter no meio do lixo?
Em pequena queria ser ministra quando crescesse, para mudar o meu mundo e o dos que me rodeiam. Desde cedo percebi que não tinha perfil para a política e na consultora era “mais uma” no meio de tantos. Mas o objetivo de vida não tinha mudado. Então, a forma que eu encontrei de mudar o meu mundo e o dos que me rodeiam foi criar a minha própria empresa, dando emprego e qualidade de vida a quem está comigo. Quando criei a empresa, não sabia que me ia meter “no meio do lixo” especificamente. Mas adoro!
Porquê o setor da metalomecânica?
Para além de querer ter uma voz no meu futuro, mudando o meu mundo e o dos que me rodeiam, a OLIMEC surge para homenagear a memória da pessoa que mais me influenciou na minha educação: o meu avô. Fui criada pelos meus avós, na metalomecânica que geriam, e o maior exemplo de seriedade, persistência, trabalho árduo e responsabilidade são as memórias que guardo do meu avô. A minha festa de batizado foi feita em plena oficina, aprendi a andar de bicicleta na oficina, sei que não se pode olhar para um homem quando este está a soldar, da mesma forma que sei que tenho que olhar para os dois lados da estrada para atravessar para o outro lado. Eu nasci e cresci no meio do ferro e do óleo, é essa a minha natureza, é nesse mundo que me sinto bem. Por isso, não fui eu que escolhi o sector, foi o sector que me escolheu a mim.
Como é gerir uma start-up onde predominam maioritariamente homens?
Gerir uma start-up por si só é complicado e, de facto, eu lido com muitos mecânicos, serralheiros, engenheiros (homens). No meu caso, sinto que existe um respeito maior por ser mulher. Nos fornecedores existe uma atenção especial porque está uma mulher num balcão de uma loja de peças, no meio dos homens; os clientes são recebidos por uma mulher que inclusive lhes oferece um café, ouvem o estado do serviço com outra predisposição; os funcionários têm um respeito acrescido também. Acho que é uma lufada de ar fresco uma mulher num mundo de homens, sinceramente.
Há cada vez mais mulheres na liderança de empresas portuguesas. A conclusão é do mais recente estudo da Informa D&B, que revela ainda que as mulheres são responsáveis por 34,2% dos cargos de gestão das empresas nacionais. Como é a Juliana enquanto líder e gestora?
E ainda bem. Tenho noção que a minha gestão é muito emotiva por toda a carga sentimental que deposito no projeto “OLIMEC”. As bases da minha gestão e dos valores da própria empresa são bastante tradicionais e inspirados na forma como o meu avô trabalhava e pensava o negócio. Enquanto líder tenho uma máxima que é “liderar pelo exemplo”. Se é preciso varrer a oficina eu sou a primeira a faze-lo. E isso mostra aos funcionários que se eu o faço, eles também têm que o fazer.
Quais os maiores desafios e entraves que encontrou pelo caminho?
Apesar de haver, supostamente, muitas ajudas à criação de empresas, a nossa maior dificuldade foi obter financiamento para começar o negócio. Foi uma verdadeira luta, para conseguir metade do valor pedido ao banco, com 9 meses de atraso. No início é muito difícil conquistar a confiança de qualquer pessoa. Não temos histórico de vendas, de desempenho financeiro, de clientes, etc. Temos que bater muitas portas até provar que merecemos o respeito dos bancos, dos parceiros, dos clientes, olham para nós como jovens sonhadores, até provarmos que somos jovens fazedores, com vontade de vencer.
Quantas pessoas fazem parte da empresa?
Sensivelmente 20 pessoas. Mas estamos em constante recrutamento.
Quais os clientes que mais peso têm na sua start-up?
Trabalhamos para 95% das empresas privadas de gestão de resíduos em Portugal, que fazem parte de grandes grupos nacionais (como Mota-Engil, Teixeira Duarte, etc), bem como para vários municípios, incluindo os maiores do país (Porto e Lisboa).
Quais as previsões de faturação para este ano?
Cerca de 2 milhões de euros.
É fácil ser-se empreendedor em Portugal?
Na minha opinião o empreendedorismo não combina com “facilitismo”. Os verdadeiros empreendedores gostam da luta, do desafio e da conquista. Mas respondendo diretamente à pergunta, é muito difícil ser-se empreendedor de uma empresa que não seja tecnológica, que venda serviços (e não produtos) e que recorra a mão-de-obra não qualificada.
Conselhos para quem quer lançar uma start-up em Portugal?
Primeiro, perceber se o produto/serviço que pretendem vender tem mercado. Podemos ter uma ideia muito gira, mas não ter ninguém que use aquilo que pretendemos produzir. É muto importante saber quem são os nossos clientes-alvo, onde estão, o que valorizam e o que precisam (e é isso que nós vamos vender!).
Segundo, não esperar que alguém faça algo por nós: arranje dinheiro por nós, venda por nós, trabalhe por nós. Nada que vale a pena é dado, pelo contrário, dá muito trabalho. Não esperem pelas ajudas dos outros para se lançarem, porque se esperarem nunca se vão lançar. Se acreditam e têm mercado, trabalhem muito, lutem ainda mais, e vão vencer. Se alguém ajudar, considerem um bónus.
Por querer ser um exemplo criou um blog onde partilha a dicas e conselhos sobre empreendedorismo, conta histórias motivadoras e mostra que, apesar das suas responsabilidades, tem um estilo de vida normal?
Sim. No início de 2017, e depois de várias pessoas me abordarem para falar sobre a criação da OLIMEC em 2016, e apesar da minha falta de tempo, decidi criar um blog (https://julianadoliva.blogspot.pt) onde partilho histórias de outras mulheres que também estão a fazer acontecer nas suas vidas e na dos outros. Novas, velhas, casadas, solteiras, mães, grávidas… de vários sectores, cada uma da sua forma e com a sua dimensão. No final percebemos que existem características comuns a todas elas, bem como histórias muito diferentes de vida. Para complementar, dou algumas dicas de gestão de empresas (que podem ser usadas tanto por mulheres como por homens); dou a minha perspetiva sobre eventos/acontecimentos de relevo para a economia nacional; falo sobre algumas atividades que me apaixonam, com o objetivo de mostrar que sou uma mulher com 29 anos, igual a todas as outras, apesar da minha costela de serralheira; e incentivo à partilha de histórias/ projetos, tudo que inspire os outros a fazerem acontecer, mostrando que está ao alcance de todos lutar pelos seus sonhos.
Projetos para o futuro?
Imensa coisa! Em primeiro lugar conquistar o mercado no sul do país, firmando a importância da nossa delegação sul (aberta em abril de 2017) em Palmela; entrar no mercado internacional com produtos e serviços no nosso sector-alvo; desenvolver projetos de I&D para a gestão inteligente da empresa, ajudando à criação de Smart Business para Smart Cities. No médio e longo prazo só Deus sabe. Mas será trabalhar muito, com vários projetos, em áreas diferentes, inclusive em projetos de responsabilidade social (algo que já fazemos com bastante regularidade). Pessoalmente, sou muito dinâmica e multifacetada, se aparecer algo que eu acredito e gosto, agarro.
Respostas rápidas:
O maior risco: Dependência técnica dos colaboradores
O maior erro: Ingenuidade
A melhor ideia: Especialização dos serviços no sector dos resíduos
A maior lição: Aprender errando
A maior conquista: A equipa OLIMEC








