Entrevista/ “A tecnologia faz-se de qualquer parte do mundo e para qualquer parte do mundo”
![](https://linktoleaders.com/wp-content/uploads/2022/06/Sónia-Jerónimo_entrevista.jpg)
Depois de anos em Lisboa, Sónia Jerónimo rumou a Seia com um novo projeto na área de IT, porque, afirma, “a tecnologia faz-se de qualquer parte do mundo e para qualquer parte do mundo”. Em entrevista ao Link To Leaders a cofundadora da GO IT Concept fala dos desafios da interioridade e do objetivo de atrair empreendedores para a região. Acredita que o interior é o novo luxo e que será o futuro para se viver e empreender durante os próximos anos.
“Levar tecnologia a qualquer cliente do mundo e atrair os melhores talentos técnicos para fazerem parte desta jornada não só material, mas também intangível: contribuir para o desenvolvimento da região, fixação de pessoas e impacto no seu desenvolvimento económico, assim como estimular na região na criação de um ecossistema empreendedor”.
Esta é a missão assumida pela GO IT Concept, o novo projeto da empreendedora Sónia Jerónimo que criou a sua base na cidade de Seia. É uma empresa de outsourcing de tecnologias de informação que “ajuda os clientes a construir equipas “end-to-end” em parceria para a construção de produtos ou serviços digitais”.
Os objetivos para os próximos três anos são ambiciosos: ter cerca de 100 colaboradores e superar os 4 milhões de faturação.
O que a levou a lançar a GO IT Concept ?
A GO IT nasce de uma missão pessoal de deixar um legado transformador no interior de Portugal e de retornar tudo o que aprendi ao longo dos últimos 30 anos, contribuindo para uma região com um potencial enormíssimo. Esquecido por muitos, mas um diamante por delapidar. Sempre vivi no litoral (Lisboa) onde também contribui, aprendi, transformei oportunidades em grandes empresas e cresci imenso profissional e pessoalmente. Fiz toda a minha carreira de liderança e em empreendedorismo na indústria de IT, ciente de que tecnologia faz-se de qualquer parte do mundo e para qualquer parte do mundo.
A juntar a isto, uma enorme vontade de “desacelerar” da grande cidade e de toda a sua “loucura” quotidiana, energizar-me com uma maior proximidade e conexão com a natureza e com modos de vida mais tranquilos. Poder realizar coisas simples da vida como, simplesmente, “ter tempo”, ter tranquilidade e paz mental.
No interior encontramos, não um balanceamento, que pressupõe esforços enormes para encontrar equilíbrios, e por isso, há sempre um “trade-off”, um jogo de soma-zero, mas encontramos uma integração total entre vida e trabalho. Um verdadeiro sentimento de pertença sistémico. Viver e trabalhar em Seia é um “jogo de soma positiva”, porque estar e ser interior, com toda a sua qualidade de vida pessoal, familiar e profissional, é definitivamente um “jogo de soma positiva” – muito mais poderoso, porque todos ganhamos.
“A Câmara de Seia tem no seu plano estratégico (…) atrair empreendedores que escolham a cidade para desenvolver as suas ideias de negócio”.
Qual a missão?
É levar tecnologia a qualquer cliente do mundo e atrair os melhores talentos técnicos para fazerem parte desta jornada não só material, mas também intangível: contribuir para o desenvolvimento da região, fixação de pessoas e impacto no seu desenvolvimento económico, assim como estimular na região na criação de um ecossistema empreendedor, onde a GO IT é a grande pioneira e a f@brica do empreendedorismo, uma iniciativa da Câmara Municipal de Seia, terá também um papel crucial.
A Câmara de Seia tem no seu plano estratégico atrair não só nómadas digitais para a região, através da dinamização do projeto das Aldeias de Montanha, mas, sobretudo, atrair empreendedores que escolham a cidade para desenvolver as suas ideias de negócio. A parceria com o IPG – Instituto Politécnico da Guarda, que já possui instalações em Seia e licenciaturas na área da gestão do turismo e hotelaria, será fundamental em toda esta dinâmica.
O meu contributo é retribuir liderança e capacidade de atrair estes empreendedores para a região, em parcerias nacionais e internacionais, assim como recursos humanos na área tecnológica. Em conjunto connosco pretende-se também estimular a criação de “extended teams” ou “nearshore teams” para empresas internacionais e nacionais, que pretendem deslocalizar as suas equipas do litoral para o interior, promovendo mesmo o regresso às raízes de muitos colaboradores.
Porquê Seia? O que mais a atrai nesta região?
Ser um território propício a uma plena integração entre vida e trabalho. Um território aberto à inovação, criatividade e prosperidade. A sua pacificidade, tranquilidade e dinâmica próprias de uma cidade do interior com magníficas paisagens, são ingredientes importantes na escolha dos empreendedores.
Temos vista direta da cidade para a Serra da Estrela. No verão, as praias fluviais a escassos quilómetros, no inverno temos pistas para esquiar ou apenas almoçar num restaurante alpino na Torre. Temos tudo, para o nosso dia adia, desde comércio tradicional e de superfície maior, clínicas, hospital, restaurantes, etc… A cidade é fortemente acolhedora. Aqui temos tempo, porque nos dá a oportunidade de desfrutar cada momento do dia, sem a sensação de que quatro horas do dia foram passadas em trânsito e a correr freneticamente. Em poucos minutos chegamos a qualquer lado da cidade.
Não tenho quaisquer raízes na cidade de Seia, nem na região, e por isso, não sou suspeita na escolha. Vi aqui, o local para uma vida integrada e com uma visão mais estratégica de futuro, para poder desenvolver tecnologia a partir da Serra da Estrela, para qualquer parte do mundo e com a tecnologia, apoiar novos povoadores.
Quais os desafios que encontrou?
O maior desafio foi: por onde começo? Criar uma network local para que pudesse levar adiante os projetos em que acredito. Outro grande desafio, que ainda acontece, é que no interior a dinâmica é muito diferente do litoral, e por isso as decisões são mais lentas e este foi um grande ensinamento. A humildade para aceitar que há coisas que não podemos mudar, e ter a paciência necessária para lá chegar. O desafio dos recursos humanos (a falta deles) como massa crítica ainda é um desafio local. Muitos emigraram no passado para o litoral e os mais jovens ainda procuram missões que o interior está ainda a trilhar. Mas, já se encontram jovens que querem ficar por cá. As grandes cidades já não lhes dizem grande coisa.
“As nossas equipas são multiculturais, provenientes de diferentes geografias e nacionalidades, atuando em modo 100% remoto(…)”.
Que tipo de serviços disponibilizam e a quem se destinam?
Somos uma empresa de outsourcing de tecnologias de informação. Ajudamos os nossos clientes a construir equipas “end-to-end” em parceria para a construção de produtos ou serviços digitais. Desde a arquitetura, desenvolvimento de software, testes ou suporte aplicacional.
Atualmente, temos alguns clientes nacionais, mas fundamentalmente trabalhamos com empresas de produto dos Estados Unidos e Reino Unido, construindo equipas ligadas ao DataScience, Machine Learning , Inteligência Artificial, Business Inteligence e pura engenharia de software. As nossas equipas são multiculturais, provenientes de diferentes geografias e nacionalidades, atuando em modo 100% remoto, a partir de Seia ou da sua cidade/país. Promovemos a igualdade, inclusão e diversidade, atraindo os recursos humanos fundamentais que façam a diferença na jornada da GO IT e dos nossos clientes.
Como carateriza o espírito empreendedor nesta região do país?
Muito forte. Como nunca tiveram (e continuam a não ter) as facilidades do litoral, são muito resilientes e têm uma força muito especial – dão valor ao que conquistam a cada momento e ajudam o próximo. É uma região pautada muito pelo #givefirst – dar primeiro, muito diferente do litoral. As pessoas das Beiras são assim. O empreendedorismo passa muito pela tradição da produção de queijo, lã de burel, vinho e turismo.
Está na altura de diversificar e expandir para outras indústrias. A f@brica do empreendedorismo, pretende dinamizar essencialmente três grandes verticais: saúde, agroalimentar e turismo, sendo a tecnologia transversal aos três. Algumas parcerias estão a ser concretizadas com instituições internacionais para incubação em Seia, assim como protocolos diretos com o IPG – Instituto Politécnico da Guarda.
“Têm salários muitas vezes até superiores aos do litoral na verdade”.
Como é que a GO IT fomenta a possibilidade de profissionais de tecnologia poderem exercer a sua profissão a partir de Seia, com vencimentos iguais aos do resto do país?
A GO IT é uma empresa certificada pelo IAPMEI para uso de Tech Visa, o que nos permite contratar em todo o mundo e trazer para Seia os talentos e as suas famílias. Podem exercer a sua atividade a partir de Seia, da nossa sede ou das suas casas (home office), têm total flexibilidade e sempre atentos às necessidades pessoais e familiares de cada um.
Têm salários muitas vezes até superiores aos do litoral na verdade. Isto acontece porque os clientes que nos procuram não o fazem por salários mais baixos, mas porque contratamos os melhores engenheiros do mercado mundial, oferecendo uma jornada de vida e trabalho equilibrada nesta cidade do interior para si e para a sua família. A estabilidade, a segurança, a tranquilidade e a flexibilidade atrai os melhores engenheiros, bem qualificados, com experiência, e os clientes estão dispostos a contribuir e, sobretudo, porque, estamos a trazer para o interior riqueza e desenvolvimento social e económico.
Há clientes “cansados” de parceiros do litoral, a digladiarem-se diariamente pelos mesmos talentos, com todas as consequências na elevada rotatividade e dificuldade de retenção. A GO IT é uma jornada intangível para todos e o melhor? A partir do ponto mais alto de Portugal Continental.
Há cada vez mais pessoas a mudarem-se para o interior do país?
Sim, sobretudo pessoas de fora de Portugal. Mas há também muitas nacionais a quererem regressar. Mas o interior é cada vez mais procurado por estrangeiros, pensando muito nos filhos e na vida que querem que eles tenham fora da violência e loucura das grandes cidades.
Contudo, mais do que regressaram ou escolherem o interior é preciso dinamizar a região, criando empresas e fixando quem cá está. Retenção das pessoas da região. Para isso, o ecossistema empreendedor em várias frentes, é importante para a retenção e atração de talento local. Temos vindo a contribuir para esta missão, pois temos contratado local e internacionalmente, assim como promovemos a vinda de migrantes para a cidade, de outros países e continentes, trazendo as suas famílias e fixando-as aqui.
Que conselhos dá a quem quer empreender com alma em Seia?
Acreditar primeiro. Acreditar que o interior é o novo luxo, e será o futuro para se viver e empreender durante os próximos anos. Viver com qualidade e desenvolver atividades profissionais que podem ser feitas com vista à exportação para qualquer parte do mundo. Criar uma rede local de outros empreendedores locais e de proximidade, assim como stakeholders influentes na região e com vontade de fazer acontecer. Criar uma rede de facilitadores e instigadores do empreendedorismo e fortes ligações a instituições de ensino profissional e politécnico.
O interior tem vantagens competitivas únicas, para qualquer atividade, desde espaço, bons acessos rodoviários e tem, inclusive, um aeródromo inativo que se deveria reativar, trazendo voos comerciais internos para a região. Provavelmente o leitor nem sabia que Seia tem um aeródromo!
“Falta genuinamente “ouvir” cada colaborador, criando políticas de integração vida-trabalho e não os chamados “balanceamentos” de vida”.
As empresas portuguesas estão atentas ao bem-estar e desenvolvimento pessoal e profissional dos seus colaboradores? O que ainda falta fazer?
Falta genuinamente “ouvir” cada colaborador, criando políticas de integração vida-trabalho e não os chamados “balanceamentos” de vida. Balancear significa “soma-zero”. Integração significa “soma-positiva” – todos ganham. Políticas ou iniciativas “one-size-fits-all” estão totalmente desenquadradas e obsoletas. Iniciativas que continuam a separar vida pessoal e familiar do profissional são catastróficas.
Os líderes devem servir com o propósito de melhorar a vida dos seus colaboradores e das suas famílias, e não apenas a da empresa. Empresa-colaborador não tem de ser um “jogo de soma-zero”. Ainda há poucos dias, entrou em processo de seleção na GO IT um engenheiro com excelentes qualificações e experiência. Quando chegamos ao tema “porque queres mudar”? Ele respondeu, “a minha empresa atual não me “ouve” e não tem em consideração a minha vida familiar. Fui pai de um menino, que recentemente foi diagnosticado com síndrome de espectro autista, e preciso de me manter em trabalho remoto para apoiar o meu filho e a minha esposa. A minha empresa quer que eu regresse fisicamente ao escritório porque todos têm de ir!”.
Há abertura das empresas portuguesas para que os seus trabalhadores possam trabalhar remotamente a partir de qualquer região do país?
Das portuguesas, muito poucas do que conheço. A cultura portuguesa ainda assenta muito no “ver para crer”. Se estás no escritório e eu posso ver-te, então estás a trabalhar. Porém, há uma tendência clara para essa abertura. Vai levar tempo e as empresas vão aprender da pior forma, a meu ver. A perda de muito talento tem levado as empresas a terem de optar por esse caminho, mas estão apenas a ser reativas, mais do que proativas.
Como vê a GO IT daqui a três anos?
A GO IT pretende em três anos fazer uma jornada com grande impacto na cidade de Seia e no interior, quer a nível material, social e na própria indústria de IT. Queremos crescer de forma sustentável e coerente. Temos como objetivo ter connosco cerca de 100 colaboradores e superar os 4 milhões de faturação. O mercado internacional representará certamente mais de 70% do nosso mercado de exportação de tecnologia.
Projetos para o futuro…
Que a GO IT seja a semente pioneira da criação de um ecossistema de tecnológicas que se complementem entre si, projetando Seia como uma futura cidade digital.
Respostas rápidas:
O maior risco: Não ter recursos humanos locais motivados o suficiente para acreditar nesta jornada de empreendedorismo em Seia. Falta de apoio local para as atuais e futuras iniciativas.
O maior erro: Vejo sempre o copo meio cheio, por isso, os erros para mim são aprendizagem, que chegam por vezes “desformatados”. Temos de encontrar o seu significado e “formato” próprio para serem uma merecida aprendizagem.
A maior lição: Não queiras mudar o mundo de uma só vez. Respeitar o ritmo de cada um e contribuir sempre para que seja em cada dia, uma pessoa melhor.
A maior conquista: Ter “descoberto” Seia para viver, empreender e retribuir ( #givingback).
*E Ambassador na Fábric@ Empreendedorismo do Município de Seia