Opinião

A relevância de uma Diáspora dentro e fora do seu país

Teresa Guedes Coelho, KPMG em Espanha e Andorra*
Dar voz a portugueses que estão à frente de empresas e projetos pelo mundo fora é o objetivo do projeto do Link To Leaders e da Plataforma Portugal Agora. Teresa Guedes Coelho, sócia responsável de Recursos Humanos e Membro da Comissao Executiva da KPMG em Espanha e Andorra, é a segunda convidada desta iniciativa.

E nos dias incertos que correm ainda é mais importante essa sensação de comunidade que nos une e nos apoia onde quer que estejamos.

Seremos muitos os portugueses que no meio desta pandemia nos encontramos fora do nosso país, longe das nossas famílias e das nossas raízes mas, nem por isso, mais isolados por estarmos no país que nos acolheu e não no que nos viu crescer. Ser português tem muito desta raça lusitana que se mistura onde chega, que não domina, mas conquista e, como tal, continuamos a sentirmo-nos parte dessa grande comunidade “Lusa” apesar de dispersos em vários territórios. Temos no nosso ADN um pouco de Vasco da Gama ou Pedro Álvares Cabral, e brilham-nos os olhos quando ouvimos o nosso hino e somos conscientes que somos os filhos desses heróis que entre “gente remota edificaram Novo Reino, que tanto sublimaram”.

Nascida em Angola, criada no Brasil e tendo vivido grande parte da minha vida adulta em Portugal, diria que a emigração já era parte do meu histórico e, como tal, não contava ter de a voltar a viver. E não foi porque a procurasse, mas a vida é assim, repleta de surpresas e de oportunidades e, quando menos esperamos, elas podem encontrar-nos e desafiar-nos. Portanto, não devemos tomar o nosso caminho por determinado nem temer o desconhecido. Antes de mudar-me para Espanha, já estava acostumada a trabalhar com equipas multinacionais e de diversas culturas e, por isso, uma coisa que não parecia provável ou expectável tornou-se algo natural, e a partida foi triste, mas breve.

E como qualquer mudança na vida, o entusiasmo inicial deu lugar ao medo e também a alguma insegurança. Decorridos dois meses, vem o choque da mudança de país e dá lugar à saudade da família e dos amigos, do nosso lar, que é substituído por um apartamento alugado numa terra desconhecida. Os hábitos que alimentavam a nossa segurança e a falsa perceção de que temos tudo controlado, vão sendo substituídos por novos hábitos e, pouco a pouco, a confiança vai crescendo e a saudade dá lugar a uma paz e tranquilidade de quem sabe que estar bem depende de nós e não do lugar onde estamos. E esse é um dos grande poderes de quem emigra e, naturalmente, é o potenciador de qualquer diáspora.

Vejamos os exemplos mais famosos das Diásporas Judias ou da Chinesa que conseguiram alavancar todo o seu poder económico e comercial, numa rede internacional de contactos que, para além de outras coisas tão fundamentais e basilares como ajudar os seus conterrâneos a integrarem-se numa nova comunidade, servia também para alimentar e fomentar trocas comerciais ou desenvolver ajuda financeira a todos aqueles que precisassem. Estas redes e comunidades, quando assentes em princípios como a generosidade e a confiança, são na maioria das vezes catalizadores de oportunidades tanto a nível internacional como a nível nacional.

Quando cheguei a Espanha não conhecia muitos portugueses, na realidade ainda hoje conheço poucos, porque partimos da premissa de que, se tínhamos mudado de país, deveríamos fazer um esforço por integrar-nos. Hoje considero isso não um erro, mas uma visão limitada da realidade já que, sem duvida nenhuma, teria feito muita diferença, tanto na minha integração como na da minha filha, ter alguns contactos que nos ajudassem a entender melhor o mundo em que nos passamos a mover.

Cada país é uma realidade e tem uma identidade própria. Por muito que nós queiramos qualificar-nos de latinos, a maneira de fazer negócio em Espanha não tem nada que ver com a maneira de fazer negócio em Portugal e, sem nenhum juízo de valor, quanto mais depressa entendermos as diferenças mais depressa as passamos a respeitar. Isto é algo que, pessoalmente, creio que pode fazer a diferença no sucesso de integração de uma pessoa a um novo país, sendo que beneficiar de uma rede de contactos portugueses que já estejam integrados é uma via de aumentar as nossas chances de sucesso.

Por outro lado, também há que considerar todo o valor que esta rede dispersa de portugueses espalhados pelos quatro cantos do mundo pode, e deve, aportar ao seu país natal. Não me refiro ao tradicional cheque dos emigrantes que favoreceram governos locais e algumas entidades financeiras, mas sim aos conhecimentos e à experiência adquirida por estes profissionais e que pode catalizar o crescimento do país, através da obtenção de novas competências e ideias que podem originar novos negócios ou oportunidades locais.

Portugal é atualmente um dos países da Europa e do mundo que maior percentagem da população tem na condição de emigrantes. Desde os anos 60, a emigração portuguesa dirige-se sobretudo para destinos europeus, e são cada vez mais jovens altamente qualificados que procuram uma oportunidade de aprender e crescer. Uma diáspora portuguesa pode, e deve, contribuir para a boa integração destes jovens que, se pretendem, regressem mais cedo que tarde ao nosso país e possam seguir desenvolvendo as suas competências. Muitos negócios se lançaram em Portugal fruto dessas experiências internacionais.

Acresce a isto o facto de que o português tende a ser reconhecido internacionalmente pela sua capacidade de trabalho e de relacionamento, que lhe permitem integrar-se com alguma facilidade em contextos bem diversos e com uma facilidade para línguas que lhe permite posicionar-se de igual para igual na guerra do talento. Por esse motivo, participar deste tipo de redes pode ser um dinamizador e um acelerador de carreira para estes jovens ao conseguir ligar talentos e contactos, que nos permitam criar as relações de confiança que estarão na origem de sucessos pessoais e coletivos.

Vivendo em Espanha há mais de quatro anos, tenho hoje muito mais claro como se pode crescer e prosperar neste país encantador, e sou muito mais consciente do meu dever de ajudar e apoiar os portugueses que queiram dar esse salto. No entanto, sou igualmente consciente das minhas limitações pois quatro anos não é nada comparado com o que posso aprender com uma rede de profissionais que partilhe conhecimento sobretudo em áreas tão criticas hoje em dia como a ciência, engenharia, tecnologia, economia, medicina ou arte.

O Covid-19 veio recordar-nos que sozinhos podemos muito pouco, mas que juntos podemos ser muito mais rápidos na ajuda ao próximo, na deteção da doença, no apoio às famílias impactadas por estas circunstâncias, na preparação de medidas preventivas ou até mesmo na toma de decisões nunca antes consideradas. Podemos ajudar famílias e empresas com o que vamos aprendendo e escutando no nosso dia a dia por via da nossa exposição internacional.

E, por fim, um dos maiores benefícios que vejo nesta crise à escala mundial: num futuro muito próximo poderemos mobilizar trabalhos e oportunidades sem ter necessidade de mobilizar talento, podendo fazer chegar ao nosso país oportunidades que antes requeriam deslocalizações e processos de emigração. Para isso temos que ser mais conscientes de que juntos podemos muito mais e a Plataforma Portugal Agora poderá ser realmente diferenciadora.

*Sócia Responsável de Recursos Humanos e Membro da Comissão Executiva da KPMG em Espanha e Andorra


Teresa Guedes Coelho conta com 23 anos de experiência profissional na área de Recursos Humanos, com responsabilidades nas suas mais distintas vertentes: desde a atração e desenvolvimento de talento, a estratégias de transformação cultural, programas de reorganização estratégica de equipas, processos de M&A e algumas joint ventures. Incorpora uma experiência multisetorial tendo sido membro do Management Team em firmas internacionais nos mais diversos setores desde o retalho tradicional (Staples), ao financeiro (CAM e Barclays), aos seguros (Liberty Mutual), e mais recentemente na Amazon, de onde saltou para a liderança da área na KPMG Espanha.

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