Entrevista/ “A política devia convocar os melhores”

Andreia Carreiro, Innovation & Energy Advisor da Cleanwatts

Andreia Carreiro, que promove a transição energética nos Açores e uma maior participação feminina no setor da energia, foi considerada a “Mulher na Energia 2022”, pela Comissão Europeia. Em entrevista ao Link To Leaders, fala deste reconhecimento, sobre o seu contributo para o setor, da start-up que ajudou a criar este ano, a Kinergy, e da crise energética.

Andreia Carreiro, Innovation & Energy Advisor da Cleanwatts, foi reconhecida como  “Mulher na Energia 2022” nos Prémios Europeus de Energia Sustentável (EUSEW2022), da Comissão Europeia

Andreia Carreiro concorreu com Apostolina Tsaltampsi, presidente da primeira comunidade que apoia líderes mulheres na transição para a energia verde na Grécia, e Brita Schaffmeister, CEO da Dutch Marine Energy Centre (DMEC), uma ONG que visa acelerar soluções para a energia marinha

Cofundadora da Kinergy, empresa criada nos Açores este ano, para acelerar a transição energética em ilhas, Andreia Carreiro colabora com a Comissão Europeia enquanto especialista externa. Foi adjunta do Secretário de Estado da Energia no XXII Governo Constitucional, tendo participado no desenvolvimento da legislação base do Setor Elétrico Nacional. Dirigiu o programa de Eficiência de Recursos na Administração Pública (ECO.AP) e desenvolveu os programas de incentivo ao abrigo do Plano de Recuperação e Resiliência (PRR), com especial destaque na Componente C13 – Eficiência Energética em Edifícios.

Atualmente, integra a equipa da Cleanwatts enquanto Strategic Projects, Innovation & Energy Policy Advisor e é membro dos Future Energy Leader Portugal da APE – Associação Portuguesa da Energia, onde participou na criação da iniciativa Women Energy Portugal, que pretende “agregar as mulheres do setor da energia em Portugal” e estimular a participação feminina, contribuindo para a redução de discrepâncias entre homens e mulheres.

Quem é a Andreia Carreiro?
Sou açoriana, vivo em Ponta Delgada e tenho 35 anos. Sou Engenheira e Doutorada em Sistemas Sustentáveis de Energia. Tenho dois Mestrados e um MBA (Master in Business and Administration) em regime de pós-graduação e diversas formações profissionais. Trabalho na área da energia, com especial foco na inovação de soluções aplicadas à transição energética e descarbonização. Sempre que posso, tento ser uma cidadã ativa nas temáticas da energia.

Recebeu o Prémio Woman in Energy. Estava a contar com este reconhecimento?
Não, de todo. Foi uma enorme surpresa vencer o prémio “Women in Energy”, da Comissão Europeia, no âmbito da European Sustainable Energy Week 2022, até porque as duas outras finalistas são mulheres muito competentes, com um vastíssimo currículo na área da energia e verdadeiramente inspiradoras. Pelo que julguei não ter a mínima hipótese. Foi uma autêntica surpresa, que me deixou muito feliz e ao mesmo tempo assustada. Não me preparei para vencer.

O que deve ser feito para promover a igualdade e a diversidade nos cargos de liderança, para que mais mulheres sejam reconhecidas pelo seu talento, pela sua formação e pelo seu trabalho?
Creio que devemos ter políticas que promovam a igualdade e a diversidade nos cargos de liderança, que devem ser ocupados por verdadeiros líderes – competentes e capazes de exercer as funções -, independentemente do género.

“(…) julgo ser importante despertar nos mais jovens o interesse pela energia, sendo esta uma ferramenta fulcral para combater as alterações climáticas e evidenciar que este é um mundo fascinante para mulheres e homens (…)”.

E para promover a participação feminina, em particular, no setor da energia?
Para promover a participação feminina, por um lado, julgo que devemos divulgar os trabalhos desenvolvidos por mulheres competentes na área da energia, a fim de estimular uma participação cada vez mais ativa das mesmas e promover a atração pelo setor. Por outro lado, julgo ser importante despertar nos mais jovens o interesse pela energia, sendo esta uma ferramenta fulcral para combater as alterações climáticas e evidenciar que este é um mundo fascinante para mulheres e homens que queiram desenvolver uma atividade profissional com um propósito.

A este nível, creio que a iniciativa Women in Energy Portugal, criada pelas mulheres que integram o programa dos Future Energy Leaders Portugal, integrado na APE – Associação Portuguesa da Energia, da qual também faço parte, tem um propósito muito interessante: estimular a igualdade de género no setor energético, por este ser maioritariamente composto por homens. No âmbito da iniciativa pretende-se agregar as diversas mulheres do setor, promover a discussão em torno dos vários desafios sentidos, evidenciar o trabalho meritório desenvolvido por mulheres e fazer com que a mensagem chegue às diversas gerações, entre outras.

Alguma vez sentiu que ser mulher era um obstáculo para realizar as suas funções?
Não, nunca. Sinto-me uma sortuda e privilegiada neste aspeto. Nunca senti que o facto de ser mulher fosse uma barreira para realizar as minhas funções. Apesar de trabalhar com muito mais homens do que mulheres, tive a sorte de, ao longo da minha vida profissional, académica e política, ter tido a oportunidade de trabalhar com mulheres muito competentes. Encontramos de tudo, como sempre e em todo o lado, mas conheci muito bons exemplos de mulheres competentes na energia. Por exemplo, na Cleanwatts há várias mulheres e muitas delas em cargos de liderança – e todas altamente competentes.

Na sua opinião, o que diferencia a visão das mulheres da dos homens no setor da energia?
Nada. Há pessoas com visões distintas e não géneros com visões distintas. E todas são importantes e acrescentam interesse ao debate. Mas creio que as diferenças associadas ao género em nada contribuem para obtermos visões distintas no setor da energia.

De todos os desafios que já passou, qual o que mais a marcou e que teve impacto na sua carreira?
Creio que tive vários, vividos de diferentes formas. Por exemplo, conciliar a atividade profissional de gestão de projetos europeus com a vida académica, enquanto fiz o doutoramento, foi muito desafiante. Foram anos difíceis, que obrigaram a muita disciplina, mas muito enriquecedores e absolutamente decisivos para ter a carreira que hoje tenho.

Depois, creio que a passagem pela vida política também foi marcante, por um lado, pela clara perceção que me deu do impacto das ações políticas na sociedade e no bem comum; e, por outro, pela dificuldade de gerir um trabalho político, altamente burocratizado e pouco ágil, a par da exposição e contestação fácil e permanente. É algo doloroso para quem gosta de fazer acontecer rápido e bem. Na minha opinião, esta é a principal razão de haver um notório afastamento dos melhores recursos humanos da política. É uma pena, pois perdemos todos com isso. A política devia convocar os melhores.

O seu contributo para a transição energética nos Açores não se esgota na vertente política. Para ajudar a combater as alterações climáticas e acelerar a transição energética nas ilhas açorianas, a Andreia ajudou também a fundar a start-up Kinergy. Pode falar-nos deste projeto?
Sim, sou uma das cofundadoras da kinergy, que foi criada há poucos meses nos Açores e nasceu com o propósito de acelerar a transição energética em ilhas, usufruindo do know-how da equipa que a constituiu e do suporte, em especial tecnológico, da Cleanwatts, scale-up portuguesa focada no desenvolvimento de soluções que tornem o cidadão um agente ativo da transição energética, ao desenvolver Comunidades de Energia, onde é possível produzir, consumir e partilhar localmente a energia proveniente de fontes limpas, numa lógica de autoconsumo coletivo.

Na Cleanwatts, sou diretora de inovação estratégica e dedico-me a criar e idealizar projetos inovadores que possibilitem desenvolver as melhores soluções para as Comunidades de Energia do futuro. Acredito que as Comunidades de Energia são uma ferramenta essencial para acelerar a transição energética e nos Açores fazem todo o sentido, pois há vários desafios de gestão das pequenas redes isoladas de energia. Atualmente, o que existe é um mercado essencialmente regulado com monopólios verticalizados, mas as comunidades trazem um maior grau de liberdade às pessoas que queiram produzir a sua própria energia e partilhá-la e/ou vendê-la os seus vizinhos, assegurando que há sempre benefícios sociais, económicos e ambientais para os seus membros.

“A Kinergy é muito recente, só agora começou, mas a Cleanwatts tem dado um enorme impulso ao desenvolvimento das Comunidades de Energia em Portugal e em outros Estados-membros”.

Qual acha que tem sido o contributo da start-up no setor da energia?
A Kinergy é muito recente, só agora começou, mas a Cleanwatts tem dado um enorme impulso ao desenvolvimento das Comunidades de Energia em Portugal e em outros Estados-membros. Tem mais de 100 Comunidades de Energia em curso – muitas das quais aguardam licenciamento na Direção Geral de Energia e Geologia para poder iniciar a operação – e tem muitas outras, em diferentes estádios de desenvolvimento e desenvolvidas em diversos modelos, com o envolvimento de agentes locais, empresas, parceiros, cidadãos, etc.

Todas estas comunidades têm possibilitado o aumento da competitividade das empresas e o seu posicionamento verde e ambiental, promovendo uma maior coesão territorial (ao desenvolver projetos nos territórios de baixa densidade) e assegurando uma maior acessibilidade energética. O programa “100 Aldeias”, da Cleanwatts, por exemplo, que tem vindo a ser um verdadeiro impulsionador do combate à pobreza energética, ao envolver as famílias economicamente vulneráveis, é uma proposta notável para este novo mundo da energia em Portugal e no mundo.

O setor energético vive um período repleto de desafios, não só em Portugal, como em todo o mundo. Quais são os principais desafios que o setor da energia enfrenta, atualmente?
São diversos, mas destaco os três mais preocupantes: 1) Os preços elevados da energia, associados à escassez de recursos para satisfazer todas as necessidades; 2) Disponibilidade imediata de matérias-primas para desenvolver projetos que incrementam a integração de renováveis; 3) Demorados processos administrativos associados ao licenciamento dos projetos, mesmo tendo uma legislação impulsionadora da sua agilização e simplicidade.

De que forma olha a Europa em termos energéticos?
Com alguma preocupação, principalmente no seguimento da invasão da Ucrânia pela Rússia e pela elevada dependência externa que a Europa em termos energéticos, com impactos negativos a nível económico, originando preços energéticos astronómicos e afetando também a qualidade de vida, estabilidade e bem-estar dos cidadãos. Pelo que descarbonizar e acelerar a transição energética, nas suas mais diversas frentes, é crucial.

Quais as principais competências para se ser uma boa líder nos dias de hoje?
Inteligência emocional, resiliência e humildade, saber inspirar, delegar, motivar e valorizar o trabalho meritório.

O que gostava de fazer no futuro?
Continuar a trabalhar no setor da energia, rodeada de pessoas dinâmicas e inspiradoras. Acredito que a transição energética acarreta múltiplos desafios e há muito por onde evoluir e inovar.

Respostas rápidas:
O maior risco: Entrar na vida política.
O maior erro: Trabalhar até à exaustão.
A maior lição: O ser humano nem sempre é confiável.
A maior conquista: Poder viver onde quero, nos Açores.

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