Entrevista/ “A ideia é posicionarmo-nos como um hub para inovação”

Charles Duvoisin, investigador do Safe Food Tech

“A nossa solução poderá transformar todos os alimentos em biológicos, e ainda manter o benefício do agrotóxico na produção agrícola”. A afirmação é de Charles Duvoisin, investigador do Safe Food Tech, que explica ao Link Leaders o que o seu projeto pode fazer para tornar os alimentos livres de toxicidade disponíveis para a sociedade.

A Safe Food Tech desenvolveu uma tecnologia, patenteada na Europa, Brasil e EUA, que permite neutralizar os tóxicos dos alimentos. O projeto, que recentemente ganhou os prémios de “Ideia Mais Inovadora” e “Melhor Projeto” no Programa Viseu Dá tudo, está a dar os primeiros, com o desafio de transformar uma investigação académica numa tecnologia disponível para a sociedade. Agora, vive a etapa de viabilização industrial e comercial e procura parceiros e investidores que tenham objetivos alinhados com os seus e que ajudem a implementar a tecnologia de forma escalável.

No futuro, a Safe Food Tech quer posicionar-se como “um hub para inovação, interligando a academia, as empresas, os governos e sociedade civil, para trabalharmos em uníssono, buscando metas e objetivos comuns”, explicou Charles Duvoisin, investigador do Safe Food Tech, em entrevista ao Link To Leaders. Escolheu Portugal para iniciar o projeto impulsionado pelo ambiente empreendedor que se vive no país, mas sem esquecer que Portugal pertence a União Europeia, o que certamente ajudará a conquistar novos mercados.

Como e quando surgiu a ideia de criar a Safe Food Tech?
Como investigador, desenvolvi uma linha de investigação sobre as aplicações tecnológicas da armadilha de elétrons em segurança alimentar. Foi uma grande descoberta! As inovações advindas deste conhecimento são disruptivas e geraram diversas patentes (propriedades intelectuais, no Brasil, EUA e Europa) com ampla aplicação, por exemplo, na eletroesterilização de alimentos, eletroneutralização de agrotóxico, eletrofármacos, em máquinas agrícolas, em tratamento de efluentes e até nas áreas petrolífera e aeroespacial.

Acabei sendo procurado por Luiz Roberto Freitas Jr., que trabalha com gestão de projetos multidisciplinares com uma equipa técnica em projetos empresariais, muito experientes, que procuravam tecnologias inovadoras e com potencial no mercado de start-ups. Após um ano de seleção entre os projetos, definiram a “Eletroneutralização de Agrotóxicos” para o lançamento dessa start-up devido a seu alto potencial escalável e investimento relativamente baixo frente ao amplo mercado a ser atingido.

A nossa tecnologia realiza a inativação do agrotóxico no alimento de uma forma física, simples e de baixo custo. E não altera as propriedades dos alimentos como cor, sabor, textura ou odor. Assim, pode tornar-se um grande aliado tanto para a agricultura, porque poderá continuar a utilizar os agrotóxicos que serão inativados antes do consumo humano, como para a população mundial, porque todos os alimentos poderão ser biológicos.

Com a experiência do Decio Whebe em projetos empresariais na área da saúde e na área financeira, a equipa foi-se organizando estrategicamente. A entrada do Pedro Silva, português consultor empresarial, despertou para iniciarmos uma start-up, procurando um ambiente mais desafiador em Portugal, onde o empreendedorismo se encontra bastante efervescente e em franco crescimento. O evento “Viseu dá tudo Cross-Tech Challenge foi o incentivador para que a Safe Food Tech fosse efetivamente criada e nominada.

Qual o investimento realizado neste projeto?
O projeto teve início em 2012, durante meu doutoramento em Ciências Médicas no Instituto Universitário Italiano de Rosário, na Argentina. As investigações académicas com resultados surpreendentes percorreram um longo caminho de testes, comprovações, estudos, defesas e publicações, além da IUNIR (Argentina) cujo diretor de tese foi Mario Secchi, seguimos para a Universidade Estadual de Santa Catarina – Brasil, onde o atual Dilmar Baretta foi coorientador e também orientador de mestrado de um dos nossos pesquisadores.

Fui indicado para realizar um pós-doutoramento na Universidade de Coimbra onde produzimos publicações inéditas e de alta qualidade. Também realizei um Pós-Doutorado na Universidade Federal de São Paulo-Brasil. Para as comprovações científicas foram construídos vários protótipos de mesa e até um de escala industrial, que continha um sistema de passagem do alimento por esteira. Estes investimentos contaram com NR12 para segurança do equipamento. Foram necessários para que chegássemos ao controle da tecnologia, e realizássemos testes repetidamente.

Outro investimento considerável foram as patentes advindas destas investigações, dada a importância comercial que estas invenções poderiam gerar, não exitamos em buscar os melhores escritórios de propriedade intelectual, e fomos criteriosos em “buscas de anterioridades” e descrições de patentes, incluindo o PCT em vários países importantes. No seguimento das investigações específicas ao projeto de eletroneutralização de agrotóxicos, os investimentos realizados foram num valor aproximado de 50 mil euros.

A tecnologia da Safe Food Tech está patenteada na Europa, Brasil e EUA. Porquê estes mercados?
No Brasil deu-se a origem da patente, visto que sou um investigador brasileiro, e o mesmo apresenta-se como um ótimo mercado de alimentos. A Europa destaca-se pela organização de mercado e de investimento, tanto que a patente é depositada na Comunidade Europeia e engloba 33 países que se demonstram conscientes para inovação e tecnologia. Os EUA, como a Europa, são conscientes e preocupados com a saúde, e além de serem grandes mercados, darão certamente mais visibilidade ao nosso projeto e à nossa tecnologia. Na verdade, não depositamos em mais países devido ao alto valor de investimento, e por este ser o primeiro projeto.

“Hoje o projeto está numa etapa de viabilização industrial e comercial. É um momento em que nós cientistas precisamos de apoio de uma equipa profissional em implementação de tecnologias inovadoras”.

Em que fase está neste momento o projeto?
Hoje o projeto está numa etapa de viabilização industrial e comercial. É um momento em que nós cientistas precisamos de apoio de uma equipa profissional em implementação de tecnologias inovadoras. A constituição da equipa Safe Food Tech é a fase que irá proporcionar este resultado. Esta equipa pretende guiar os próximos passos para a validação nos órgãos exigidos e para a procura de parceiros e investidores que tenham objetivos alinhados com os nossos, que é a implementação desta tecnologia de forma escalável, proporcionando oportunidade às indústrias alimentares e ao agronegócio de um investimento em qualidade alimentar e também acessibilidade à população a alimentos livres de toxicidade por agroquímicos.

A quem se destinam os serviços/tecnologia Safe Food Tech?
Acreditamos que hoje se destinam a todo o mundo, mas inicialmente o foco serão as empresas representativas de processamento e distribuição de alimentos, especialmente aquelas investidoras e incentivadoras em saúde e qualidade alimentar. Mas o mercado está a crescer e pretendemos alcançar hospitais, escolas, supermercados, agricultores e até chegarmos às residências. Na prática, através dessas empresas processadoras ou embaladoras de alimentos, temos a possibilidade de alcançar um número maior de consumidores. Com a implementação de um módulo contendo a nossa tecnologia, aos seus equipamentos de processo. Este módulo consistirá numa passagem do alimento “in natura” pela tecnologia, que irá neutralizar o agrotóxico no alimento. Em seguida estes poderão ser embalados ou processados normalmente. A tecnologia pode ser aplicada a qualquer tipo de alimento, em grãos, frutas e verduras, líquidos como sumos, leite ou azeite, entre outros. A tecnologia é extremamente adaptável a qualquer chão de fábrica e a capacidade de produção tem escala industrial.

“Para a fase de arranque do projeto, estamos à procura de parceiros e investidores que tenham objetivos alinhados com os nossos (…)”.

Como pensam chegar ao mercado português? 
A nossa estratégia iniciou-se exatamente através do programa “Viseu dá tudo”. Ali testamos as nossas ideias iniciais e conseguimos tornar-nos visíveis e abrir algumas portas, além do networking que começamos a construir dentro do grande meio ambiente empreendedor em que Portugal se tem tornando nos últimos anos. E acreditamos que o modelo de uma start-up e as suas ferramentas podem ajudar-nos imensamente na nossa jornada. E sem esquecer que Portugal pertence a União Europeia, o que certamente nos ajudará a galgar novos mercados.

Para a fase de arranque do projeto, estamos à procura de parceiros e investidores que tenham objetivos alinhados com os nossos, que é a implementação desta tecnologia de forma escalável, proporcionando oportunidade às indústrias alimentares e ao agronegócio que também procuram aumentar ainda mais  a qualidade alimentar, e também dar acessibilidade à população aos alimentos livres de toxicidade por agroquímicos, através da nossa tecnologia.

O desenvolvimento de um MVP (Minimum Viable Product) portátil, a montagem da nossa empresa em território português, a aquisição de equipamentos para nosso laboratório e investimento na área comercial será realizada a partir de Portugal e daí ampliada para Brasil e restante Europa, até alcançar os demais países.

O nosso objetivo é concretizar um modelo de negócio tipo Tetrapak – Embalagens, onde o nosso equipamento será construído “sob medida” para ser implantado nas instalações do cliente adaptando-se perfeitamente ao seu layout produtivo. O rendimento será um valor cobrado por unidade de alimento neutralizado (royalties).

A Safe Food Tech ganhou os prémios de “Ideia mais inovadora” e “Melhor Projeto” do programa “Viseu dá tudo”. Estavam à espera desta distinção?
Na verdade havia ótimas equipas neste desafio e aprendemos muito com todas elas durante o processo, que foi extremamente dinâmico e interativo. Esta experiência com Cross-Tech Challenge da V21 representa para nossa equipa uma motivação de grande importância para o projeto. Este prémio demonstra que estamos no caminho certo, porque conquistamos a confiança de profissionais de extrema qualidade, em áreas que estamos percorrendo para alcançar o sucesso do projeto. Cientificamente já estamos a estudar há anos e com muitos testes efetivos, de modo que estamos seguros. No entanto, o desafio agora é transformar uma investigação académica numa tecnologia disponível para a sociedade.

“Acredito que o nosso projeto também é inovador, pela maneira como a nossa equipa resolveu construir a ideia, em formato de start-up, procurando um ambiente mais desafiador em Portugal onde o empreendedorismo se encontra bastante efervescente e em franco crescimento.

O que vos distingue?
Esta tecnologia é realmente inovadora, não existindo hoje no mundo um sistema e método que possa eletroneutralizar os agrotóxicos dos alimentos de forma física. Os métodos atuais, na maioria, são químicos. Por exemplo, se o agrotóxico usado é ácido, que são a maioria, os radicais livres entrarão no organismo humano com esta capacidade de ligação orgânica, o que se torna muito oxidante. Então, hoje tentam adicionar sais para neutralizar quimicamente, porém esta adição de sais pode causar outros efeitos como, por exemplo, prejudicar um hipertenso. Enfim, uma tentativa de compensações e consequências.

A inovação está em realizar a real inativação destes agrotóxicos de forma física, não causando desequilíbrios e não prejudicando os alimentos nas suas propriedades organolépticas. Existem ainda grandes vantagens industriais, visto que a tecnologia é económica, com baixo consumo energético e adaptativa. Gostaria de comentar também que a tecnologia está em consonância, diretamente, com pelo menos 6 das 17 metas de desenvolvimento sustentável da ONU, o que nos orgulha muito.

Acredito que o nosso projeto também é inovador, pela maneira como a nossa equipa resolveu construir a ideia, em formato de start-up, procurando um ambiente mais desafiador em Portugal onde o empreendedorismo se encontra bastante efervescente e em franco crescimento.

Quais os desafios que se colocam à segurança alimentar nos dias de hoje?
O objetivo deste projeto é resolver um dos vários desafios que a segurança alimentar precisa resolver: Agrotóxico: herói da lavoura ou vilão da saúde? Esta frase sintetiza uma realidade mundial, onde precisamos produzir alimentos em alta escala para a crescente população, mas também solucionar os efeitos deletérios à saúde causados pela ingestão de agroquímicos, como cancro, alergias, Parkinson, Autismo, etc.
A nossa solução poderá transformar todos os alimentos em biológicos, e ainda manter o benefício do agrotóxico na produção agrícola.

No entanto, temos vários desafios na segurança alimentar e todos devem ser considerados de extrema importância, visto que impactam diretamente a saúde e qualidade de vida da humanidade. A contaminação alimentar está no nosso portefólio de investigações, com soluções também inovadoras e possíveis de serem realizadas em escala. Por isso, acreditamos no futuro da Safe Food Tech, pois temos uma missão de grande importância para o mercado e para a população geral.

“A ideia é posicionarmo-nos como um hub para inovação, interligando a academia, as empresas, os governos e sociedade civil, para trabalharmos em uníssono, buscando metas e objetivos comuns”.

Projetos para o futuro?
Para o futuro, além de viabilizar nossa tecnologia comercialmente, pensamos também neste projeto como um ponto de partida para a criação de uma espécie de núcleo de I&D, onde as nossas outras ideias, e ideias de parceiros, possam ter um ambiente propício para que sejam desenvolvidas e para que consigam ser aplicadas no mundo real.

Esta propriedade intelectual carrega uma bagagem com uma linha de pesquisa disruptiva e com aplicabilidade em vários seguimentos. O pragmatismo desta primeira solução no mercado deverá, com certeza, despertar para o desenvolvimento de uma linha de novos sistemas e métodos cujas tecnologias estamos preparados para realizar. A ideia é posicionarmo-nos como um hub para inovação, interligando a academia, as empresas, os governos e sociedade civil, para trabalharmos em uníssono, buscando metas e objetivos comuns.

Como veem a Safe Food Tech dentro de um ano?
Estamos a iniciar com um projeto sólido, que já está maduro quanto à segurança científica, mas sabemos que introduzir tecnologias inovadoras, disruptivas, requer um convencimento do mercado, não apenas do consumidor, mas também das perspetivas que possam agregar aos mercados existentes e dominantes. Portanto, formamos uma equipa experiente que pretende demonstrar ao mercado os benefícios em agregar esta tecnologia aos seus seguimentos e criar parcerias construtivas. Realmente estamos preparados para apresentar soluções com otimização de processos e muitas vantagens comerciais, com baixo investimento e através de um processo rápido, adaptativo, com baixo custo energético.

Esperamos que num ano já tenhamos alcançado KPI (Key Performance Indicator) com êxito, onde as ações e /ou co onjunto das nossas iniciativas esteja efetivamente a atender aos objetivos propostos, tanto na entrega de uma produção consolidada de alimentos livres da toxicidade ao consumo da população, além da primeira versão do nosso núcleo de I&D.

Neste primeiro período esperamos já termos passado a etapa de convencimento do mercado, e com bons parceiros estabelecidos, e, assim, devidamente estabilizados iniciarmos a fase de crescimento e expansão para outros países.

Respostas rápidas:
O maior risco: Foi investir nas propriedades intelectuais, acreditei na investigação e não me arrependi. Hoje temos um mercado protegido e seguro.
O maior erro:  Ficar tanto tempo sem uma equipa de projetos empresariais. O trabalho deles é essencial.
A maior lição: Aprender a persistir e ter paciência. Como inventor é difícil esperar o “TIME” do negócio, fico ansioso em solucionar os problemas da sociedade.
A maior conquista: Descobrir uma linha de investigação tão revolucionária e com tantas aplicações para o bem da humanidade, sinto que recebi um dom de Deus e por isso me esforço nesta missão. Sou realmente grato pela conquista de cada resultado destas pesquisas.

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