Entrevista/ “A abordagem à política da habitação do governo não responde às verdadeiras necessidades dos portugueses”

Alfredo Valente, CEO da iad Portugal

“Faltam respostas concretas ao maior desafio, que é mitigar o gap gerado pela grande procura e a falta de oferta, o que só será possível através de medidas que, por exemplo, incentivem à nova construção e que venham agilizar esse processo”, revela Alfredo Valente, CEO da iad Portugal, em entrevista ao Link to Leaders.

A  iad foi criada em Paris em 2008, sendo uma rede imobiliária exclusivamente constituída por consultores independentes cuja atividade é a comercialização de imóveis da rede. Afirma ser a maior rede europeia de consultores imobiliários independentes, com 20 mil consultores e um volume de negócios anual de 536 milhões de euros. Rompendo com o conceito de lojas físicas, a iad promove uma relação de proximidade entre o consultor e o cliente

Em Portugal, a empresa entrou em 2015 e atualmente conta com quase mil consultores. Tem em curso um plano de investimentos para continuar a promover o crescimento da rede e da marca em Portugal.

Ao Link to Leaders, Alfredo Valente, CEO da iad Portugal, reconhece que o mercado imobiliário português enfrenta muitos desafios: “Estamos neste momento num contexto de mercado onde a oferta continua a ser pouca. Foi aprovado o “simplex” do licenciamento à construção, que para mim é a melhor medida do programa Mais Habitação, se trouxer alguma agilidade no licenciamento para termos construção nova a chegar ao mercado”. E defende que “o grande problema na habitação está para as famílias que querem agora entrar no mercado e não para as que já cá estão”.

Quais os desafios que se colocam ao mercado imobiliário em Portugal nos dias de hoje?
Estamos a viver uma crise de ausência de habitação ajustada às expectativas e às necessidades dos portugueses. Falamos de um mercado que passa por um período de inversão de uma tendência que conhecemos desde a saída da última crise, que foi mais prolongada em Portugal do que nos outros países. Desde 2013 que o mercado começa a recuperar e vai num contínuo até meio de 2022, subindo em número de transações e em preços, mesmo tendo atravessado uma crise pandémica da qual recuperou rapidamente para níveis ainda superiores.

No entanto, desde a última crise, Portugal nunca recuperou a construção nova. Os últimos anos de crescimento do mercado imobiliário foram feitos sobretudo à custa dos imóveis já existentes, pelo que a reabilitação dos grandes centros urbanos é um dos grandes méritos deste “boom” do mercado imobiliário em Portugal. Embora agora esta reabilitação esteja conotada como turismo, a verdade é que ajudou a dinamizar as cidades onde há uns anos pouca movimentação existia.

Não obstante, não conseguimos reconquistar o ritmo de construção. Assistimos à subida de preço porque estamos atualmente limitados ao parque existente e, portanto, havendo muita procura e os mesmos imóveis os preços subiram. Ao subirem, criaram de facto alguma exclusão no mercado imobiliário, nomeadamente para as famílias jovens com menos recursos.

Temos um mérito que é ter reabilitado as cidades e tornado os seus centros mais atraentes, mas pagamos um preço que foi excluir uma parte do mercado desta nova tendência da habitação e pelo facto de não haver construção nova, nomeadamente periférica.

Se de facto tornamos mais difícil o acesso a licenças de alojamento local há aqui todo um parque que foi reabilitado nos centros urbanos que dificilmente serve para habitação. Estamos a falar de apartamentos pequenos sem garagens e que pouco servem as famílias portuguesas porque há alguma incompatibilidade nas tipologias de edifícios e essa vai ser uma dificuldade nos próximos tempos porque vamos ter de reabilitar outra vez algum parque.

Dito isto, estamos neste momento num contexto de mercado onde a oferta continua a ser pouca. Foi aprovado o “simplex” do licenciamento à construção, que para mim é a melhor medida do programa Mais Habitação, se trouxer alguma agilidade no licenciamento para termos construção nova a chegar ao mercado.

“O Mais Habitação não responde ao desígnio de promover o acesso à habitação a custos acessíveis, sobretudo aos jovens ou às famílias jovens com filhos e em que cada um ganha 1000 euros por mês e que pretendem comprar uma casa”.

Considera que o programa Mais Habitação é um programa ambicioso para promover o acesso à habitação a custos acessíveis?
A meu ver a abordagem à política da habitação do governo não responde às verdadeiras necessidades dos portugueses. O grande objetivo de fazer chegar mais casas ao mercado, com preços ajustados à capacidade das famílias portuguesas, é consensual e prioritário. No entanto, considero que as medidas aprovadas no programa Mais Habitação, bem como o fim do incentivo fiscal aos residentes não habituais, dificilmente responde a esse grande objetivo.

Por outro lado, acredito que o arrendamento coercivo de imóveis devolutos terá pouca expressão. A demonização do investidor e do estrangeiro não vai ajudar. O Mais Habitação não responde ao desígnio de promover o acesso à habitação a custos acessíveis, sobretudo aos jovens ou às famílias jovens com filhos e em que cada um ganha 1000 euros por mês e que pretendem comprar uma casa.

O Governo está a saber encontrar as respostas certas para o problema da habitação? O que ainda falta fazer?
Há medidas positivas, nomeadamente o “Simplex” do Licenciamento Urbanístico. Atualmente quem pretenda construir um prédio após comprar um terreno tem inúmeros gastos no projeto de arquitetura, e ainda tem de esperar em média três anos pela licença e dois anos para ter a construção pronta. Além de ser muito um investimento grande, o projeto feito hoje daqui a três anos terá outro preço, devido aos custos de mão de obra, energia e matéria-prima, causando alguma instabilidade neste sentido.

Faltam respostas concretas ao maior desafio, que é mitigar o gap gerado pela grande procura e a falta de oferta, o que só será possível através de medidas que, por exemplo, incentivem à nova construção e que venham agilizar esse processo.

Inflação alta, juros a subir, custos de construção a aumentar, poder de compra a diminuir. É uma boa altura para comprar casa, seja para viver, seja para arrendar? E para vender, é um momento adequado?
Neste momento, uma casa em Portugal, em média, custa mais de 200 mil euros. Para se obter financiamento são exigidos 20% de capitais próprios. Em média são, portanto, precisos no mínimo 40 mil euros, o que dificilmente a maioria dos portugueses consegue pagar. Dito isto, independentemente das condições de mercado, e sobretudo devido ao nível de salários e poupança, é difícil comprar casa. Já para arrendar o cenário é não é muito diferente, uma vez que os preços estão muito altos e também aqui a oferta é escassa.

Já quem quiser vender um imóvel para comprar outro, o momento é adequado, porque à partida os vendedores conseguirão vender o imóvel por um preço superior ao de aquisição. O grande problema na habitação está para as famílias que querem agora entrar no mercado e não para as que já cá estão.

“Mudou a nossa relação com o espaço, o uso que dele fazemos. Valorizamos mais os espaços exteriores, o escritório em casa, a proximidade aos bens de primeira necessidade”.

Os últimos anos, marcados pela pandemia e, agora, pela guerra, e o contexto macroeconómico e financeiro deixaram ou estão a deixar marcas no setor imobiliário residencial? O que mudou ou está a mudar em termos de procura e oferta?
Em relação à procura, a mudança mais relevante é a forma como hoje vemos a casa, que não é a mesma de antes da pandemia. Mudou a nossa relação com o espaço, o uso que dele fazemos. Valorizamos mais os espaços exteriores, o escritório em casa, a proximidade aos bens de primeira necessidade.

Mas mudou também, para as famílias portuguesas, fruto do aumento dos preços e das taxas de juro, a acessibilidade que, infelizmente, piorou. Do lado da oferta, o impacto foi de facto do lado da construção nova, que se já tinha diminuído drasticamente desde a crise financeira sequência do subprime, só acentuou com o aumento generalizado dos custos de construção, escassez de mão de obra e das matérias-primas.

Portugal continua a ser um bom destino para se investir em imobiliário, apesar do momento mais complicado que se vive e do fim de medidas como os vistos gold?
Sem dúvida que sim e vemo-lo muito claramente nos dias que correm. Os negócios menos afetados são os negócios sem financiamento associado, que são muito frequentemente aquisições de não residentes e investidores. Portugal continua a oferecer condições muito interessantes para o investimento imobiliário, embora, é forçoso reconhecer, com menos competitividade depois das recentes alterações legislativas afetando Vistos Gold, alojamento local e estatuto de residente não habitual.

“Não espero grandes novidades relativamente à construção nova, que necessita ainda de tempo para ganhar confiança e tração”.

Qual a sua visão para o próximo ano?
Temos agora uma incerteza adicional: o contexto governativo que é por agora incerto. No que ao mercado imobiliário diz respeito, e se nada de extraordinário impactar, estimo que 2024 seja um ano de “pausa”, sem grandes evoluções a nível de número de transações e de preços. Isto contando que a inflação permaneça relativamente elevada, mas controlada, o mesmo acontecendo com as taxas de juro. Isto permitirá que os negócios se continuem a fazer com alguma normalidade. Não espero grandes novidades relativamente à construção nova, que necessita ainda de tempo para ganhar confiança e tração.

O que se deve ter em conta na hora de comprar casa em 2024?
Sobretudo aconselhar-se devidamente. Relativamente ao que se passa no mercado e às suas oportunidades, mas também no enquadramento financeiro das operações. No próximo ano vai ser muito importante contar com informação precisa. Os preços poderão conhecer alguma volatilidade, fruto de alguma eventual pressão financeira no vendedor, por exemplo, resultando em oportunidades que não se deverão desperdiçar. Por outro lado, do ponto de vista da cobertura financeira da operação, convirá estudar bem todas as opções, nomeadamente quanto ao enquadramento do financiamento: taxa fixa ou variável, qual o indexante, etc.

A informação é cada vez mais importante para a decisão e sobretudo para uma eventual necessidade de decidir rapidamente perante uma oportunidade.

O mercado imobiliário português vai continuar a atrair investimento nacional e estrangeiro?
Neste momento, há alguma retração na procura, nomeadamente estrangeira, mais reticente devido às alterações legislativas e que, por isso, pode começar a evitar Portugal. E por outro lado, neste contexto onde temos taxas de juro altas, enquanto não pararem de subir a procura por parte dos portugueses vai também retrair.

O mercado faz menos transações comparativamente ao ano anterior, um pouco menos de 20%, mas com tendência a estabilizar desde o início do ano. Os preços continuam a subir (à exceção das grandes cidades, onde desceram um pouco) por causa da falta de oferta, embora mais moderadamente.

Enquanto não houver oferta significativa de construção nova não antevejo uma descida significativa dos preços, e não vamos ter um mercado muito dinâmico. Tudo também depende da evolução das taxas de juro e da inflação. No entanto, não deixamos de ser um país atrativo para estrangeiros, nomeadamente por causa de questões como, por exemplo, o clima, o custo de vida, as condições de vida e a segurança.

A iad entrou em Portugal em 2015. Que balanço faz da sua atividade no mercado português?
O balanço da atividade da iad em Portugal é muito positivo, prova disso é que temos crescido sempre organicamente, nomeadamente em termos de rede. Neste momento estamos prestes a atingir o marco dos mil consultores. Este ano ganhamos quota de mercado e prevemos um crescimento de cerca de 4%, apesar do atual contexto de mercado, alavancado pelo aumento do número de consultores independentes que constituem a nossa rede, que já se afirma como a maior em Portugal e na Europa, e, consequentemente, do maior volume de transações que estes aportam.

“Marginalmente, aqui e ali, começamos a ver algumas tendências que podem vir a ganhar alguma expressão, como os terrenos para construção ou as casas em ruínas para reconstrução no interior”.

Quais os setores do imobiliário mais procurados?
O setor residencial é o mais procurado, sobretudo apartamentos nas grandes cidades e moradias nas zonas periféricas e rurais, o que não constitui nenhuma surpresa e não vai mudar substancialmente. Marginalmente, aqui e ali, começamos a ver algumas tendências que podem vir a ganhar alguma expressão, como os terrenos para construção ou as casas em ruínas para reconstrução no interior. Nas cidades, destaco o crescente interesse por imóveis que possam ser reconvertidos para habitação como lojas ou armazéns.

O que distingue a iad de outras imobiliárias?
O que nos distingue é, por um lado, a nossa estrutura 100% digital, que nos permite prestar um serviço de excelência, com apoio permanente aos nossos consultores tanto em termos de atividade como de formação especializada. Desde o início da sua atividade, a iad desmaterializou completamente a sua estrutura, o que para além de retirar da equação a rede física (agências), que do nosso ponto de vista não apresenta valor acrescentado, permite-nos melhorar a remuneração dos consultores, retirando o custo da rede física e a figura associada ao broker.  Por outro lado, investimos mais em tecnologia inovadora e pioneira, nomeadamente na difusão dos imóveis nos portais imobiliários. Quando não temos a montra física apostamos tudo na montra virtual, sendo que isto é feito com o mínimo esforço para os nossos consultores porque é tudo feito com recurso a tecnologia.

Diria ainda que algo que nos distingue é a possibilidade de os nossos consultores poderem criar o seu próprio negócio dentro da iad, usufruindo de um rendimento passivo e da constituição de um ativo, um património, que pode ser vendido ou deixado aos seus herdeiros.

Acredito que desenvolvemos um modelo verdadeiramente revolucionário que aporta valor a toda a cadeia, desde os compradores ou vendedores aos consultores, alocando recursos a pessoas, e não a estruturas que vemos como prescindíveis, ao mesmo tempo que possibilitamos a criação não só do próprio negócio, com total autonomia e apoio, em todos os momentos, de uma estrutura sólida e profissionalizada, como a construção de um legado passível de ser transmitido de geração em geração.

Planos para o futuro da iad Portugal?
A iad tem vindo a afirmar-se como um player de referência no mercado imobiliário nacional, demonstrando que há espaço para inovação também neste setor, e que, mais do que isso, ela veio para ficar. Temos em curso um plano de investimentos para continuar a promover o crescimento da rede e da marca em Portugal. Queremos experimentar alguns eixos novos, nomeadamente a parceria com os nossos consultores que são o nosso principal ativo e que certamente nos ajudarão no desenvolvimento de notoriedade da marca a nível local através dos seus casos de sucesso no ramo da mediação imobiliária.

Respostas rápidas:
Maior risco: Em pé de igualdade: ter escolhido a minha formação académica com o coração e não com a cabeça; ter, com pouco mais de 30 anos e três filhos já, deixado um emprego estável e financeiramente compensador para procurar algo que me realizasse mais.
Maior erro: Acreditar piamente, coisa que com a idade deixei de fazer.
Maior lição: Há pessoas, oportunidades, que mudam mesmo a nossa vida. É melhor estar atento.
Maior conquista: Os meus quatro filhos, pessoas íntegras, independentes, de valores forte.

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