5 questões a Luís Sarmento, cofundador e CEO da Inductiva

Créditos: Paulo Duarte

O cofundador e CEO da Inductiva, start-up que já este mês fechou uma ronda de investimento Seed de 2,25 milhões de euros, partilhou com o Link to Leaders a sua experiência de empreendedor e a sua visão de inovação e de liderança.

Fundada em janeiro de 2021 por três alumni da Universidade do Porto, Luís Sarmento, Hugo Penedones e Clara Gonçalves, a Inductiva Research Labs assumiu como principal “missão” democratizar o acesso a ferramentas de simulação em larga escala em vários domínios científicos, incluindo dinâmica de fluidos, dinâmica molecular, mecânica estrutural ou sistemas quânticos, entre outros. Ao remover barreiras técnicas inerentes às atuais ferramentas computacionais, a Inductiva permite que os cientistas, os engenheiros e as empresas acelerem o desenvolvimento de soluções eficientes em várias áreas industrias.

Recentemente foi-lhe atribuída a chancela spin-off da FEUP, e já este mês protagonizou uma ronda de investimento de 2.25 milhões de euros. Agora vai alargar a oferta de funcionalidades computacionais para engenheiros e cientistas e expandir a base de clientes entre start-ups, laboratórios científicos e grandes empresas industriais.

O que é para si inovação?
Inovação é a capacidade de fazer as mesmas coisas de uma forma melhor, mais barata, mais rápida e mais eficiente, combinada com a capacidade de alargar o universo de coisas que é possível fazer, com coisas que até à altura eram consideradas impossíveis. Inovar é muito difícil porque, para além da criatividade e talento individual, é necessário uma cultura organizacional e processos que permitam que esses esforços individuais se multipliquem uns aos outros de uma forma sustentada para depois se efetivarem em algo concreto. E é necessário também uma combinação de vários traços culturais, incluindo traços de uma insatisfação com o presente, de ambição em imaginar um futuro melhor e uma certa dose de rebeldia que nos propela para a frente independentemente dos normais padrões da sociedade. Uma combinação saudável de todos estes traços culturais favorece a inovação.

O percurso da Inductiva e a forma como introduzimos uma API inovadora na área da simulação computacional ilustra bem o que acabo de dizer. De facto, como utilizadores, sentimos desde o início uma grande insatisfação com o estado atual das ferramentas de simulação computacional: são difíceis de usar, de instalar e configurar, de programar, e acaba por ser complicado e caríssimo correr as simulações na cloud. Adicionalmente, o tratamento dos dados de simulação e a sua integração com ferramentas de Inteligência Artificial também é difícil e muito pouco prática. Mas grande parte destes problemas têm sido vistos como “normais”, havendo um certo grau de conformismo e mesmo estagnação na usabilidade e funcionalidade destas ferramentas. E foi com base nesta insatisfação que resolvemos ser mais ativos e contundentes em tentar resolver estes problemas em benefício do utilizador, sem estar presos aos cânones que têm marcado a área da simulação computacional.

Sinto que fomos particularmente rebeldes em introduzir uma API Python que permite controlar toda uma série de tarefas associadas à simulação computacional programaticamente, incluindo a gestão eficiente de recursos computacionais, sendo eles na cloud ou “in your own premises”. Esta API tem sido muito bem recebida pelos utilizadores de simulação computacional. E temos sido ambiciosos porque achamos que isto é só o início daquilo que se irá tornar a plataforma computacional para simular, prever e otimizar todas as coisas na Natureza.

“Liderar é uma das atividades mais complexas que um ser humano pode desempenhar (…)”.

Qual a competência fundamental para exercer a liderança nos dias de hoje?
Não penso que exista uma única competência. Liderar é uma das atividades mais complexas que um ser humano pode desempenhar, e envolve lidar com uma miríade de variáveis, com tantos graus de incerteza e com tanta aleatoriedade que são precisas todas as capacidades da inteligência e sensibilidade humana, e claro, alguma sorte, para se almejar ter equipas bem-sucedidas e comprometidas com os nossos valores e com a nossa missão.

Por isso, acho que as competências fundamentais da liderança são precisamente as que nos permitem lidar com tanta complexidade. Isso inclui a capacidade de estar atento ao ambiente, de saber ler o cenário, de ouvir os outros, de não ter medo de tomar decisões, e, acima de tudo, de aprender com os erros, que são inevitáveis.

Se especializarmos esta pergunta na indústria tecnológica “deep-tech”, e em particular do domínio computacional, que é onde a Inductiva opera, então acho que as competências base de qualquer líder, para além das que enunciei anteriormente, passam também por estar atento ao mundo exterior, antecipar os grandes movimentos tecnológicos que poderão vir a acontecer a nível global e conseguir vislumbrar o caminho e as oportunidades para as suas empresas no meio de tanto “ruído e nevoeiro”.

Isto é extremamente difícil porque, para além de conhecimento técnico e visão estratégica, é necessário ter uma enorme capacidade de gestão emocional e de equipa para se fazer o “long game”, porque os grandes sucessos na indústria tecnológica raramente acontecem de um dia para o outro. Penso que a equipa de liderança da Inductiva tem manifestado essa visão estratégia desde o início. Foi sempre claro para nós que vários domínios da ciência e da engenharia estão a tornar-se cada vez mais computacionais, recorrendo a ferramentas de simulação e Inteligência Artificial como parte central do processo de investigação e desenvolvimento.

Por exemplo, na indústria farmacêutica, o uso de ferramentas computacionais é parte essencial do processo de descoberta de novas substâncias ativas. A realização dos tradicionais testes em laboratório para se apurar a efetividade de um conjunto reduzido de substâncias promissoras é, hoje em dia, precedida de uma fase de análise de dados e simulação computacional, onde são testadas virtualmente milhares de substâncias candidatas. Ou seja, está a passar-se de um regime dominado pelos teste in vitro (ou seja no laboratório real), que são lentos e muito dispendiosos, para aquilo que hoje em dia se chama de testes in silico (silício é a base dos chips computacionais), ou seja, por análise computacional, muito mais baratos e passíveis de serem realizados em escalas muitíssimo maiores. Coisas semelhantes estão a acontecer noutras indústrias. É tendo por base esta visão sistêmica do que se está a passar no mundo da tecnologia que temos orientado a nossa estratégia de desenvolvimento de produto a curto, médio e longo prazo.

Uma ideia que gostava de implementar?
Essa é, sem dúvida, a ideia que estamos a implementar na Inductiva: a criação de uma plataforma computacional que permita a cientistas e engenheiros acelerar o seu processo de investigação e desenvolvimento e, ao mesmo tempo, que permita a empresas de base tecnológica desenhar e refinar os seus produtos usando técnicas computacionais e, assim, levá-los mais rapidamente para o mercado.

Uma plataforma envolve muitos componentes. Neste último ano, temos vindo a desenvolver alguns desses componentes. Talvez o componente principal, e aquele que nos distingue mais no mundo da simulação, é a nossa API Python que permite com poucas linhas de código configurar uma infraestrutura computacional na cloud ou em hardware local, e em seguida orquestrar simulações em larga escala sobre essa mesma infraestrutura. Este componente é game changer porque permite de uma forma simples e natural integrar programaticamente rotinas de simulação em cadeias de processamento mais longas, envolver a consulta de bases de dados, ferramentas de análise de dados e até modelos de Inteligência Artificial.

O outro componente que estamos prestes a disponibilizar é um módulo de otimização de recursos de cloud que permite escolher automaticamente e em benefício do utilizador o melhor hardware para executar um determinado conjunto de simulações. Aqui por “melhor”, entendemos o hardware mais adequado tanto em termos de desempenho computacional como em termos de custo, permitindo aos utilizadores fazerem uso das melhores ofertas computacionais disponíveis em várias clouds.

Pessoalmente, estou muito contente com estes dois componentes porque julgo que são elementos importantes no processo de democratização de computação científica em larga escala, e estamos confiantes que quer grupos de investigação, quer start-ups tecnológicas, quer empresas de grande dimensão vão poder acelerar e baixar os custos dos seus processos de desenvolvimentos usando a API da Inductiva.

Claro que agora que levantamos uma ronda de investimento seed, liderado pela Iberis, temos a possibilidade de acelerar muito o processo de desenvolvimento da plataforma da Inductiva, e podemos ser ainda mais ambiciosos. No nosso roadmap atual, que esperamos entregar até meados de 2024, estão componentes que melhoram imenso a usabilidade da API, incluindo a disponibilização de ferramentas de visualização e de ferramentas de reporting que permitem compreender todos os custos de cloud envolvidos e assim otimizar os processos.

2024 será também o ano em que poderemos finalmente integrar na API o produto de dois anos de investigação e desenvolvimento que temos feito na aplicação de técnicas de Inteligência Artificial para a aceleração de simulação computacional. Isto permitirá aos utilizadores obter resultados de simulações usando as previsões feitas por Inteligência Artificial, que podem ser realizadas centenas ou milhares de vezes mais rapidamente que os métodos tradicionais de simulação, e assim acelerar ainda mais o processo de teste in silico que referi acima. Este é um trabalho de que nos orgulhamos muito, e que em breve irá ver a luz do dia em benefício dos nossos utilizadores.

“Não devemos esquecer que para haver um processo de investimento há duas partes: por um lado uma start-up, por outro lado um investidor. E da mesma forma que há muitas start-ups, com modelos de negócio distintos (…), também há muitos investidores diferentes (…)”.

Que argumentos não devem faltar numa start-up para atrair investimento?
Esta é uma pergunta interessante mas complexa. E é complexa porque não me parece que haja um conjunto de argumentos bem definidos que define univocamente a capacidade de uma start-up atrair investimento. Não devemos esquecer que para haver um processo de investimento há duas partes: por um lado uma start-up, por outro lado um investidor. E da mesma forma que há muitas start-ups, com modelos de negócio distintos, diferentes potenciais de crescimento, criadas por fundadores com diferentes perfis, diferentes fases em termos de crescimento, etc, também há muitos investidores diferentes, com teses de investimento diferentes, com perfis de risco diferentes, e com mandatos diferentes.

O principal em tudo isto é que aconteça um encontro feliz entre ambas as partes, e a base desse encontro pode ser qualquer coisa que faça sentido para os dois lados num determinado instante de tempo. No fundo, para start-ups no início do seu percurso, como a nossa, é um pouco semelhante ao processo de duas pessoas se apaixonarem e decidirem ir viver juntas.

Falando novamente do nosso percurso, os nossos investidores reconheceram que tínhamos um um produto que, apesar de ainda estar no início do seu desenvolvimento, tem um grande potencial de crescimento. De facto, a simulação computacional tem imensa aplicação prática em várias indústrias mas carece de uma plataforma computacional simples de usar que lhe permita atingir o potencial transformador que efetivamente tem. É este o problema que resolvemos, e esse foi um dos pontos que permitiu atrair o investimento. Ao mesmo tempo, operamos numa área tecnicamente complexa, pelo que não seria qualquer investidor que se sentiria à vontade para investir em nós. Todos os nossos investidores – a Iberis, a Shilling, e os seis angels que investiram em nós – têm um track record longo em tecnologia, e acredito que isso facilitou a sua decisão de investimento num projeco tão tecnológico como o nosso.

Além disso, os investidores acreditaram que éramos uma equipa com capacidade para executar a visão ambiciosa que traçamos. De facto, a equipa de founders, constituída por mim, pelo Hugo Penedones e pela Clara Gonçalves é bastante atípica relativamente ao que é hábito start-ups nacionais: somos todos bastante seniores, com carreiras longas na indústria tecnológica nacional e internacional, e com experiência no ecossistema de empreendedorismo. Acho que isso nos têm permitido ir enfrentando os desafios que vão naturalmente surgindo de uma forma bastante assertiva. Os investidores reconheceram isso e acreditaram que somos uma start-up a fazer algo que é verdadeiramente diferenciador e com impacto global.

“Na minha opinião, uma verdadeira start-up é um espaço onde se cometem inevitavelmente erros de quase todo o tipo (…)”.

Erros que as start-ups nunca devem cometer?
Essa é mais uma pergunta difícil, porque pode parecer que há uma série de respostas óbvias, mas eu acho que não há. Na minha opinião, uma verdadeira start-up é um espaço onde se cometem inevitavelmente erros de quase todo o tipo, não propositadamente mas porque se está a operar no limite do que somos capazes de fazer e dos recursos disponíveis, e ainda por cima, estamos a tentar executar tudo mais rapidamente possível. Nesse cenário, vamos cometer erros em todas as frentes: na definição do que deve ser o produto, na contratação de pessoas, na gestão da equipa, na comunicação com a equipa e com o exterior, etc.

O que uma start-up deve ter, também por definição, é a mentalidade, a agilidade e a assertividade para saber reagir rapidamente aos erros, e corrigir as suas causas. E isso não é nada fácil, e nem toda a gente tem a capacidade de agir dessa forma. Na minha opinião, é essa a essência de uma start-up: uma organização que se move muito rapidamente e que tem uma enorme capacidade de corrigir rapidamente os erros, de melhorar continuamente e de se adaptar agilmente a um ambiente que está em constante mudança.

Aliás, se não estivermos no regime em que estamos no limite de cometer erros, e que por isso eles por vezes acontecem de uma forma não deliberada, então não estamos a falar de uma start-up: estamos a falar de uma empresa mais tradicional, em que as coisas acontecem segundo uma certa lógica bem definida, com alguma calma e seguindo um “rule book” escrito por gurus.

Mas isso não é uma start-up porque esta organização dificilmente se tornará numa empresa verdadeiramente diferenciada e com capacidade de ter impacto global. Se uma empresa fizer o que todos fazem, não há razão para acreditar que se torne diferente de todas as outras, e por isso será mais uma a partilhar o mercado e a lutar por uma pequena fatia. Aliás, penso que esse é o maior erro que uma start-up pode cometer: não perceber que tem de operar num regime diferente, e estar disposta a eventualmente cometer todo o tipo de erros por estar a operar no limite, porque só dessa forma se pode tornar verdadeiramente única.

Segundo os cânones do empreendedorismo, a Inductiva cometeu muitos erros. Um dos “erros” que cometemos foi o de arrancar em 2021 sem ter uma ideia concreta do produto a desenvolver. Na verdade, tínhamos apenas a intuição de que a procura por métodos computacionais, em particular de Inteligência Artificial e simulação computacional, estava a aumentar em várias áreas da indústria. É claro que esta intuição não surgiu do vazio: veio da experiência que tínhamos tido em empresas nas quais tínhamos trabalhado anteriormente, como a Google e a Deepmind. Mas quando começamos a Inductiva não sabíamos de facto qual iria ser o produto.

Demoramos cerca de ano e meio até perceber onde estava de facto o problema dos utilizadores: fomos observando que em todas as áreas industriais os utilizadores tinham imensa dificuldade em usar as ferramentas de simulação já existentes, e tinham custos de utilização enormes. Nessa altura, e perante uma definição mais concreta do problema do utilizador, tivemos a capacidade de corrigir a nossa rota e focar todo o nosso esforço em desenvolver um produto que endereça esse mesmo problema.

Daqui resulta a plataforma computacional da Inductiva para simulação em larga escala, e a nossa original API python que permite controlar todo o workflow e a configuração de hardware na cloud usando apenas algumas linhas de código python. Mas acredito que se não tivéssemos cometido o tal “erro” e tivéssemos forçado uma definição prematura de um produto, provavelmente não teríamos uma solução tão diferenciada e tão bem recebida como a que temos agora. O que foi chave para a Inductiva foi ser humilde, admitir os supostos erros e corrigi-los na altura certa.

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