Opinião

2024: Novos líderes precisam-se!

José Crespo de Carvalho, presidente do ISCTE Executive Education

Tempos houve, na pandemia, em que muito se disse “nunca desperdices uma boa crise”. E muitos de nós foi o que acabámos precisamente por fazer.

Redesenhar sem saber o futuro, mudar, quebrar o que vinha de trás, experimentar e, ao mesmo tempo, tomar todas as dores, e mais uma, do contexto pandémico. Porém, se na altura da pandemia “valia tudo” porque não sabíamos o que nos esperava, agora não só não vale tudo como o que temos é apenas incerteza. E estamos a ficar muito mais paralisados pela incerteza que pelo caos trazido pela pandemia. Curioso, no mínimo. É, de facto, muito mais simples mudar quando todos mudam do que mudar quando apenas alguns mudam ou quase ninguém está a mudar mais ainda. As 5 tendências sobre liderança bebem alguma inspiração ou contrariam, mesmo, as tendências da Fast Company, verdade, e são sempre apoiadas por uma visão do que se vai passando neste pequeno Portugal e nas várias experiências que vou tento com empresas e em formação de executivos.

  1. Há uma necessidade de novos líderes? Pergunta ou afirmação?

Parece haver um amplo consenso de que, pelo menos, 50% das competências necessárias para os líderes de hoje são competências que nenhum deles ainda tem. Os outros 50% são competências que sempre foram necessárias, mas que agora são exigidas a níveis muitíssimo mais elevados.

Que superpoderes são necessários agora? Importar-se efetivamente com os outros e tornar-se responsável por esses outros. A linha divisória entre o que é um líder e um pai de filhos é cada vez mais estreita e não é de estranhar. Porquê? Porque as pessoas querem, todas, segurança psicológica.

A segurança psicológica conseguida pelo líder foi sem dúvida um superpoder na pandemia. A questão é que não apenas se continua a querer segurança psicológica extremada como se veio ainda adicionar a necessidade de atender e superar as expetativas das pessoas (muitas vezes confundindo o pessoal com o profissional). Se a isto juntarmos a necessidade de criar uma super-comunidade, gerir o remoto, exponenciar o digital a par com um esforço tremendo de criação de cultura – nova cultura – e de alavancagem do trabalho com introdução de IA, então talvez estejamos mesmo a falar de líderes que não existem. Ou de supra-humanos.

  1. Redesenhando o desenvolvimento de lideranças

A procura de líderes como se acha que devem ser/estar e com as características que o contexto, e mesmo estrutura, novas trazem é gigante em todo o mundo. A forma como até aqui desenvolvemos líderes está, pode afirmar-se, desadequada. Ponto. Quer a abordagem intensiva convencional à formação de lideranças quer a exposição aos convencionais conteúdos de várias naturezas e formatos parecem que não estão a resultar. Claro, os líderes não nascem à pressão e não se fabricam intensivamente e em quantidades astronómicas para novos contextos que nada são similares aos anteriores. Nem líderes empresariais nem líderes do que seja.

Aproveitando ferramentas digitais e sobretudo entrando em componentes que aparentemente são intrusivas estão a desenhar-se novas formas de trabalhar líderes. Formas essas que devem fazer emergir insights sólidos. Há que fazer um esforço por criar interações sociais intra ou inter-equipas – mas interações a sério – e por criar ambientes únicos, ambientes fortes e capazes de levar à introspeção, exposição e posterior mudança, onde se possam fazer partilhas, mostrar vulnerabilidades e pedir ajudas para crescer. Este medo da exposição é complexíssimo, no entanto, sem ele não haverá novos líderes porque não nascem líderes das formas mais convencionais. Muito menos dentro da estrutura (e contextos) atuais.

  1. Trabalho dos vários vieses

O treino futuro vai incluir educação, formação, exposição e prática sobre vieses e desconstrução de vieses diários das lideranças. Aprender a reconhecer e mitigar o viés será visto como uma habilidade essencial – uma coleção de superpoderes – para os líderes tomarem decisões sólidas e desenvolverem equipas coesas de elevado impacto, contribuindo igualmente para o desenvolvimento da inclusão efetiva de todos. Não há, pois, como escapar aos vieses e à exposição aos vieses na formação de novos líderes.

  1. Ambientes de trabalho de longo prazo

Por um lado, queremos e temos de responsabilizar colaboradores. Não apenas líderes. Por outro, há uma questão séria que passa por como responsabilizar quem não se vê, ou responsabilizar uma boa parte da equipa que está longe no dia a dia, por exemplo em remoto? E como medir com precisão o desempenho sem mostrar vieses para com os colaboradores que não se veem com tanta frequência? Para além disto, um clássico atual, como medir desempenho nas condições atuais?

2024 irá ver abordagens diferentes à gestão de desempenho à medida que as novas realidades de trabalho se vão estabelecendo. Desde a pandemia, muitas empresas descobriram que a vigilância e as avaliações de desempenho exaustivas não produzem colaboradores mais envolvidos e produtivos – na verdade, o oposto parece ser mais verdadeiro. Porém, qualquer nova abordagem para a gestão de desempenho poderá ter de exigir que as empresas reconheçam que ameaçar e/ou fiscalizar os funcionários em regimes híbridos pode não funcionar – pelo menos a longo prazo. Em vez disso, as empresas precisarão reconhecer e recompensar as necessidades dos funcionários por status, autonomia, certeza, relacionamento e justiça.

Não obstante, e sem que haja medo de o dizer, há aspetos pré-pandemia que deveriam ser repensados e repostos. Se a autonomia cresceu então a responsabilidade tem de crescer mais ainda. E cresceu? Continuamos às voltas com a segurança psicológica e o “medo de os perder”. Será futuro? Parece-me que não. A linha ténue entre ser líder e pai de crianças está mais viva que nunca. Terá de ser trabalhada. Muito trabalhada.

  1. Finalmente, transformação via IA

O ano de 2024 irá ser, indiscutivelmente, um ano de avanço para a Inteligência Artificial. Já em 2023 se experimentaram avanços em inúmeras empresas via IA nas áreas de marketing, vendas, atendimento ao cliente, entre muitas outras. Em 2024, vamos certamente assistir a interrupções em serviços B2B e também B2C, à medida que novas formas de trabalho surgem e é introduzida IA nessas relações.

All in all, as coisas vão mudar. Os líderes vão mudar. Os líderes terão de se expor mais, passar por processos de formação onde sejam trabalhados vieses, têm de ser responsabilizados e responsáveis. Terão de ser mais e mais humanos e de se expor. Mas que não se espere que deste processo nasçam novos pais de adultos. Os adultos seus colaboradores. Porque isso não é viável. Para além de, culturalmente, ser impossível. O mundo da liderança muda, mas muda com ele o mundo dos liderados. E quem não o perceber não pode andar pelas empresas.

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José Crespo de Carvalho

José Crespo de Carvalho

Licenciado em Engenharia (Instituto Superior Técnico), MBA e PhD em Gestão (ISCTE-IUL), José Crespo de Carvalho tem formação em gestão, complementar, no INSEAD (França), no MIT (USA), na Stanford University (USA), na Cranfield University (UK), na RSM (HOL), na AIF (HOL) e no IE (SP). É professor catedrático do ISCTE-IUL, presidente da Comissão Executiva do ISCTE Executive Education e administrador da NEXPONOR. Foi diretor e administrador da formação de executivos da Nova SBE e professor catedrático da Nova SBE (Operations... Ler Mais..

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