Opinião
A Web Summit e a Democracia

A Web Summit é uma conferência com tema centrado na tecnologia da internet, realizada anualmente e fundada por Paddy Cosgrave, David Kelly e Daire Hickey. Participam desde grandes empresas, até empreendedores que ainda só têm a sua empresa em sonho!
Tendo começado em 2009, em Dublin, Irlanda, com perto de 200 participantes, chegou neste ano, em Lisboa (onde ficará até 2018), aos 53 056, dos quais 42% eram mulheres, vindos de mais de 166 países, e 19 mil jovens com bilhetes a custo reduzido. Participaram mais de 600 oradores (registe-se, no entanto, a fraquíssima participação de mulheres portuguesas como oradoras), em 21 palcos. Estiveram presentes mais de 1500 start-ups e mais de 1300 investidores de tecnologia dos principais fundos mundiais. Cerca de 2 mil jornalistas de todo o mundo divulgaram diariamente a Web Summit. O Facebook Live do evento contou com quatro milhões de visualizações. Entretanto, já foi anunciado que se estimam 80.000 participantes em 2017. Sempre a crescer, aquela que, segundo a Bloomberg, é uma “Davos para geeks”.
Cresce em participantes, cresce em organização e espalha-se pela cidade, num programa de 24 horas, pois a organização tem parcerias para realização de festas destinadas aos participantes da Web Summit.
Um megaevento que nos deixa absorvidos, arrebatados e cheios de informação ao vivo, não sendo sequer possível responder a todas as solicitações, em todos os meios, presenciais ou virtuais, nas redes sociais, na app do evento, nas conferências, na rua… enfim, uma verdadeira “internet ao vivo e a cores”, onde grandes e pequenos se juntam, onde interesses financeiros e potencial criativo coabitam, um evento de verdadeira Democracia económica!
No entanto, ao mesmo tempo que se torna intransponível ficar rendido ao mundo da web e a tudo o que ela traz, é forçoso parar para pensar.
Duas manifestações democráticas que parecem colidir com a globalização que a economia digital favorece, foram lembradas: o Brexit e a eleição de Donald Trump para Presidente dos EUA, esta enquanto decorria o Web Summit.
Muitos se espantam com estes resultados eleitorais, mas as hipóteses de idênticos resultados acontecerem noutras geografias são enormes.
O mundo da internet que tem gerado tantos novos negócios, que já nos faz sonhar com inteligência artificial, machine learning, viagens espaciais… convive com uma grande maioria de pessoas que não fazem ideia da potencialidade da internet, se é que sabem o que é a world wide web, e outras que sabem mas não gostam, pois o controle foge para o incontrolável, pelo menos nos moldes habituais, do Estado (determinado) para a Web (indeterminada).
Parecem coexistir duas realidades muito distantes. Não será o ser empreendedor que está em causa, até porque o conceito já é antigo, muito anterior à revolução digital, fazendo parte da própria natureza humana. Uns mais, outros menos, ser empreendedor é um ato criativo de fazer acontecer, presente em todos nós.
Embora ser empreendedor seja um ideal inato e um ato de liberdade pessoal para construir os seus sonhos, é-o também num mundo a várias velocidades. Disso, não nos podemos esquecer. É aí que está a questão.
A sociedade democrática compõe-se de vários tipos de pessoas, incluindo os sem acesso à educação, um número elevado e crescente de população envelhecida, os céticos… E também os geeks e nerds, absorvidos em tecnologia. Mas estes são poucos, não passam de um microssegundo, no meio da população mundial de 7.464.288.639.
A palavra democracia tem origem na grega demokratía, composta por demos (que significa povo) e kratos (que significa poder). É um sistema político em que o poder é exercido pelo povo, através do sufrágio universal. É um regime de governo em que todas as importantes decisões políticas estão com o povo, que elege os seus representantes, por meio do voto.
Ou seja, em Democracia a maioria governa. Ora, essa maioria não é formada pelas grandes empresas e menos ainda pelos geeks, nerds e simpatizantes.
Se eventos como o Web Summit são inegavelmente um exemplo paradigmático da mais pura vivencia em Democracia económica, não podemos deixar de pensar e agir, também empreender, para que a sociedade, como um todo, possa ser mais equilibrada e se desenvolva a velocidades menos diversas.
O desafio será apostar na criação de palcos como o Web Summit e, paralelamente, querer ir mais longe e empreender no sentido da criação de um mundo mais equilibrado e mais justo. Não podemos deixar que as assimetrias aumentem, nem devemos parar o conhecimento. Temos de encontrar soluções para que o desenvolvimento social acompanhe mais de perto o tecnológico. A revolução digital está a acontecer e não podemos permitir que, com ela, venha uma revolução social abrupta e tenaz.
O bom líder pensa em todos.