Entrevista/ “Um avião é uma ferramenta de trabalho”

Marta de la Rocha, vice-presidente senior regional da Netjets

O setor da aviação executiva está a conquistar mais clientes em Portugal, como indiciam os números da Netjets. Marta de la Rocha, responsável pela empresa em Portugal, explicou ao Link to Leaders como funciona o modelo de negócio de propriedade fracionada e como o negócio é cada vez mais uma alternativa à aviação comercial.

Viajar de avião, a qualquer hora, em qualquer dia. Este é o lema da Netjets, empresa norte-americana privada de aviação executiva, instalada em Portugal há mais de duas décadas. Com uma frota europeia na ordem dos 90 aviões, e com a promessa de disponibilizar ao cliente um avião em 10 horas, a empresa tem o seu centro operacional europeu em Portugal, com uma equipa de cerca de 500 pessoas.

Com um modelo de negócio inovador baseado na copropriedade dos aviões, em 2017 a Netjets Europa transportou mais de 80 mil passageiro, enquanto no mercado nacional, realiza uma média de mil voos todos os anos. Num setor predominantemente masculino, cabe a uma mulher, Marta de la Rocha, liderar a empresa em Portugal, a par do Sul da Europa. Ao Link to Leaders, esta profissional falou do crescimento do negócio no nosso país.

Que balanço faz das operações da Netjets desde que está funcionar em Portugal?
A Netjets estabeleceu-se em Portugal em 1996 e acho que se deparou com uma oportunidade magnífica porque as pessoas que estão disponíveis para trabalhar aqui são altamente qualificadas, falam vários idiomas…Portanto, acho que foi uma sinergia que compatibilizou logo o nosso modelo de negócio com o país onde ficámos instalados.
Somos uns contribuidores significativos da economia portuguesa e, neste momento, temos 500 empregados aqui na sede operacional [em Paço de Arcos] e mais ou menos 70% das pessoas são portuguesas. Na Europa, a Netjets tem uma equipa de 1400 pessoas.

Portanto, uma avaliação positiva destes anos de atividade em Portugal?
Sim, sem dúvida alguma. O investimento que temos feito ao longo dos anos tem sido uma aposta ganha. Estamos muito satisfeitos, Portugal acolheu-nos incrivelmente bem, de tal forma que temos estes escritórios [em Paço de Arcos], mas também temos o nosso centro de treino em Cascais. O investimento foi na ordem dos 5 milhões de euros ao longo de 10 anos.

É basicamente um avião que é partilhado por vários proprietários, que podem ser de várias nacionalidades.

Porquê esta opção por Portugal? O que levou a Netjets a escolher o nosso país para se instalar?
Porque Portugal no fundo foi sempre um pioneiro na área da aviação, mas também aderiu e compreendeu muito rapidamente o conceito do que nós fazemos. Nós criámos o conceito de copropriedade a que chamamos de fractional ownership. É basicamente um avião que é partilhado por vários proprietários, que podem ser de várias nacionalidades.

Em termos práticos, como funciona?
Nós olhamos para um avião da Netjets, sabemos as horas que tem de voar por ano, dividimos isso até a um máximo de 16 partes, apesar de que, na realidade, podemos ter um cliente que é propriedtário de 12% ou 18%. Todos os custos fixos e variáveis dividem-se para corresponder à percentagem que o cliente precisa e que realmente comprou. Então fazemos uma otimizaçao de custos, de eficiência.
Os custos fixos implicam manutenção, tripulação, seguros… tudo acaba por se dividir para se tornar num investimento mais eficiente do que ter um avião próprio que, na maior parte das vezes, acaba parado a maior parte do ano.

Os nosso contratos são de cinco anos, com um período de compromisso estabelecido. Mas a partir do momento em que o cliente passa esse período, e quer sair ou mudar de avião, a Netjets garante a recompra do avião em 90 dias ao valor atual de mercado.

A compra é feita como?
Os nosso contratos são de cinco anos, com um período de compromisso estabelecido. Mas a partir do momento em que o cliente passa esse período, e quer sair ou mudar de avião, a Netjets garante a recompra do avião em 90 dias ao valor atual de mercado. Enquanto o proprietário de um avião pode ficar um ano à espera de comprador. Portanto, é uma liquidez garantida, é muito fácil, é a paz que os nossos clientes procuram. O que tentamos fazer é transformar um mundo muito complexo e com muitas camadas em algo fácil e ágil.

Temos 700 aviões a nível gobal e isto torna-nos na quarta maior linha áerea do mundo, e os clientes acabam por nunca sentir aquelas fragilidades que o avião próprio aporta.

O coproprietário de uma parte do avião paga o quê? Uma mensalidade, uma anuidade?
Temos várias estruturas porque vai comprar uma percentagem do ativo e depois vai ter os custos fixos e os custos variáveis quando voar, o que teria se tivesse o seu próprio avião. Só que neste caso estamos a falar de uma fração do custo e com tudo ganha-se uma série de vantagens realmente importantes.

No fundo, estão a comprar acesso à maior frota de aviação privada do mundo. Temos 700 aviões a nível gobal e isto torna-nos na quarta maior linha áerea do mundo, e os clientes acabam por nunca sentir aquelas fragilidades que o avião próprio aporta. Ou seja, quando a tripulação precisa de treinar, quando o piloto fica doente, quando o avião tem uma  manutenção inesperada. Com um avião próprio não só tem um investimento muito maior como também essas limitações. Com a Netjets tudo isso desaparece porque no fundo está a pagar só o que precisa, mas acedendo à maior frota do mundo e com um tempo de resposta de 10 horas de pré-aviso na Europa, por exemplo. É um produto realmente visionário tendo em conta que o conceito nasceu há 30 anos, mas muito atual.

Como funciona, por exemplo, se um cliente quiser usar um avião na semana X e outro dos coproprietários o quiser usar na mesma altura?
Aí funciona a nossa economia de escala. Comprou uma percentagem num avião que encaixa com o seu perfil de voo, mas imagine que no dia não temos esse avião, ou essa categoria de avião, disponível. Aí utilizamos as nossas economias de escala para contornar essas situações. Se calhar o que acontece é que damos um upgrade gratuitamente para um avião de categoria superior, porque o que nós prometemos é que na hora que quer voar e no dia que quer voar, vai voar.

Portanto, não há incompatibilidade de agendas, é sempre resolvido.
O nosso trabalho aqui, no nosso dia a dia, é assegurar que temos uma resposta para todos os nossos clientes.

Muitas pessoas que já tiveram um avião próprio acabam por escolher um produto da Netjets pela eficiência e pela facilidade – porque nunca mais têm de se preocupar com seguros e manutenções porque é realmente um trabalho laborioso.

Então não estamos a falar de um avião específico, alocado um determinado cliente mas de um tipo de avião é isso?
Mais ou menos, porque o contrato está associado a uma matricula específica. Mas, na prática, o cliente não vai necessariamente voar naquela matrícula. Vai voar na nossa frota. Imagine que um cliente tem um avião transatlântico porque precisa, por exemplo, de voar regulamente para Miami, mas no dia em que voar sozinho para Londres é um desperdício  usar um avião daqueles, tão grande. Isto é uma das coisas que também torna a Netjets altamente eficiente, porque posso ter escolhido o transatlântico para ter a garantia de que quando preciso de voar para Miami ou Nova Iorque vou conseguir fazê-lo, mas no dia a dia peço um dowgrade do avião que corresponde aquele voo.
Portanto, pela primeira vez, e quando muitas vezes nesta indústria o cliente tem de se adaptar ao avião que encontrar disponível no mercado, a Netjets permite inverter essa equação. É o avião que se vai adaptar ao passageiro e ao itinerário.
Muitas pessoas que já tiveram um avião próprio acabam por escolher um produto da Netjets pela eficiência e pela facilidade – porque nunca mais têm de se preocupar com seguros e manutenções porque é realmente um trabalho laborioso.

Estamos a falar de que valores neste tipo de serviço?
É sigiloso, na medida em que os nossos produtos são altamente complexos e personalizáveis. Ou seja, não é a mesma coisa contratar um avião de seis lugares e outro de 14, ou com uma autonomia de 13 horas. Mas digamos que pode começar por uns 5 mil euros por hora.

Quem são os clientes portugueses da vossa empresa?
Principalmente empresas privadas. Porque no fundo o que o nosso modelo oferece é a capacidade de poder ser muito reativo, de ter uma capacidade de resposta única, mas sem ter assumir os encargos e as responsabilidades do avião próprio.
Temos bastantes empresas privadas e alguns particulares que precisam de viajar. Digamos que o perfil de quem voa com a Netjets neste momento se consegue distinguir entre alguém mais senior, que está numa fase em que já criou a sua empresa e que agora precisa de ter uma vida mais ágil a nível pessoal e profissional. E estamos a ver emergir uma nova geração de millennials que tem outra forma de comunicar, de trabalhar, que precisam de ser reativos, de ter uma resposta rápida, que preciam de ir a três cidades num dia, e de no da seguinte estarem a horas na board meeting.

Que tipo de destinos são mais procurados, por exemplo, pelos empresários portugueses?
Normalmente os destinos europeus. A Netjets não tem uma base física. Todos os nossos aviões são registados em Portugal, mas não temos os aviões todos num sítio porque quanto mais disperso o plano ao final do dia, melhor para nós, porque o que garantimos contratualmente é a capacidade de ter um avião até 10 horas do cliente. Portanto, se nos ligam de Moscovo a pedir um avião, em 10 horas nós temos de ter um avião ali próximo para poder dar resposta a esse voo. A mesma coisa se nos ligam da Dinamarca, de Inglaterra…Portanto, a nossa base não existe, o que vão surgindo são hubs naturais onde o volume de voos é maior.

Que hubs são esses?
Londres, Paris, Genebra, Zurique… depois no verão altera completamente. Começamos a ver muito movimento no sul de França, em Espanha, Faro de repente também explode.

A Netjets é o operador com mais voos de e para Portugal, com três vezes mais voos que o segundo maior operador.

O que representa o tráfego gerado em Portugal ?
Portugal está de facto a ser um destino cada vez mais importante. Neste momento, temos 30 clientes com base em Portugal, temos mais ou menos mil voos por ano e o crescimento este ano tem sido realmente encorajador. Em 2017, tivemos um aumento de 11,8% de voos comparado com 2016.
A Netjets é o operador com mais voos de e para Portugal, com três vezes mais voos que o segundo maior operador. O top três dos aeroportos mais ocupados da Netjets em Portugal são Faro, Lisboa e Tires (Cascais).
A nível do global, e já sem falar de Portugal, este ano vimos recordes a acontecer. Houve uma procura muito maior deste tipo de solução.

A gestão das operações é toda feita em Portugal?
Sim, é toda feita aqui. Em média, estamos a fazer uns 140 voos por dia com passageiros a bordo. Nós distinguimos o que são movimentos, o que inclui os voos de posicionamento (uma questão nossa de logística), e os voos com passageiros a bordo. Fizemos em média 140 dia, o que é extraordinário. Contudo, o nosso maior desafio é transformar isso num serviço altamente personalizado, altamente dedicado. Queremos ser a melhor experiência de customer service do mundo. É ir ao encontro de cada pessoa, de cada indivíduo, cada vez que voa para fazer disso a melhor experiência para o cliente.

A performance da empresa na Europa está a correr bem?
Este tipo de solução cada vez mais vai ter procura porque o avião comercial é cada vez mais difícil, mais desafiante. Porque no fundo o que as pessoas têm de mais valioso, neste momento, é o tempo. Portanto, perder duas horas à espera de um voo, com potenciais atrasos, para depois ainda ter uma escala de duas ou três horas, e finalmente chegar ao destino, significa que cada vez mais as pessoas procuram este tipo de solução. Isto já é uma ferramenta de trabalho mais do que outra coisa.

E em Portugal este tipo de serviço ainda é visto como um luxo ou já começa a ser encarado, como referiu, como uma  ferramenta?
Isso foi verdade em certo ponto da história. As pessoas olhavam para este tipo de serviço e viam uma coisa quase extravagante. Mas hoje em dia, o ritmo de vida que as pessoas têm, o conflito permanente entre a esfera pessoal e profissional gera uma necessidade natural. Nos Estados Unidos esta realidade já está mais do que assimilada, é um mercado maduro. A aviação executiva nasceu nos Estados Unidos e para eles isto é quase como apanhar um táxi. As pessoas precisam de poder mexer-se e rapidamente. Na Europa esse conceito está realmente a desenvolver-se no mesmo sentido.

A história tem vindo a provar que o modelo de propriedade fracionada é um modelo acertado, sensato, eficiente, que só tem as vantagens de ter um avião próprio, mas sem nenhumas das desvantagens.

Como vê o futuro desta área de negócio globalmente e em Portugal, em particular?
Na prática já conhecemos o que é a realidade da aviação comercial, já percebemos o que são hoje em dia as exigências e o ritmo de trabalho e, portanto, isto é um progresso inevitável. Acho que cada vez mais vamos ver este setor desenvolver-se e a tentar encontrar respostas para as diversas procuras que existem no mercado.Temos sempre novos produtos que vamos criando para nos irmos adaptando à procura de cada região e de cada mercado. A história tem vindo a provar que o modelo de propriedade fracionada é um modelo acertado, sensato, eficiente, que só tem as vantagens de ter um avião próprio, mas sem nenhumas das desvantagens.

Como se gere uma operação como esta, num setor que é maioritariamente de homens?
É uma verdade que o setor é predomimanete masculino. Aqui a minha sorte é que a Netjets, sendo uma empresa americana, que já tem muitos anos de operação, aposta muito nos seus empregados, sejam eles homens ou mulheres. E o meu trajeto reflete isso. Eu vinha da área de letras, estudei em Inglaterra, passei pela hotelaria e de repente entro na Netjets na área de costumer relation management. Em 2011 passei para uma área mais comercial e, neste momento, estou numa transição porque estou responsável pela área comercial do Sul da Europa. Isto é um exemplo perfeito de que a empresa aposta nos seus empregados.

E como gere diferença a multicultural na empresa?
O nosso maior desafio é que a “nossa” Europa inclui África, Rússia… no fundo tendo a operação que temos, a nossa obrigação é tornar cada voo e cada experiência únicas. Como fazemos isso? Temos um departamento de owner service que é o ponto de contato com o cliente, e que está dividido geograficamente. Temos equipas para dar resposta à diferença de língua e de cultura que temos em cada área da Europa. Temos 10 idiomas representados na nossa equipa. Acaba por ser uma cobertura muito abrangente.

Quais os clientes mais emblemáticos que já passaram por aqui?
Não posso revelar.

Qual o seu maior desafio enquanto líder deste projeto?
Acho que é ser um desafio permanente. Somos uma empresa extraordinária, que oferece economias de escala, oferece volume, todos os dias a gerir 140 voos de passageiros o que se  traduz, se calhar, em 200 movimentos por dia, só na Europa. É transformar esta logística – juntar avião, com tripulação, com passageiros – mantendo sempre a nossa prioriadade que é a segurança, uma missão transveral a toda a operação.

Qual o aspeto mais satisfatório deste trabalho?
Há um conforto enorme em representar o número um, seja de que setor for. Para mim é um orgulho enorme trabalhar na empresa número um da indústria da aviação executiva. Mas pessoalmente o que mais me satisfaz é que  é uma escola maravilhosa. É uma empresa super dinâmica, super exigente, mas onde conseguir o impossível, ultrapassar obstáculos, desafios, problemas, e encontrar soluções, é quase uma coisa diária para nós. E depois, obviamente, as pessoas com quem tive o privilégio de trabalhar e de conhecer. Para mim, tem sido uma das melhores experiências nos meus 13 anos de Netjets.

Quais são os seus focos para além da Netjets
É fácil: os meus filhos que são a minha perdição. E gosto muito de viajar, de ler, estudei canto e gosto muito. É a minha paixão escondida.

Comentários

Artigos Relacionados

Anabela Possidónio,Integral Coach