Opinião

Trump: Isto é mesmo a sério

Vítor Neto, presidente da Associação Empresarial do Algarve

No nosso texto anterior, questionávamo-nos sobre as consequências da eleição de Donald Trump para Presidente dos EUA, apontando algumas preocupações, tendo em conta as afirmações feitas na campanha eleitoral. Hoje, poucas semanas depois da tomada de posse, pelas medidas anunciadas e os atos já praticados pelo Presidente – que confirmam as propostas eleitorais – essas preocupações aumentaram.

Com este senhor, isto é mesmo a sério.

Não basta indignarmo-nos com a arrogância, os atropelos aos princípios institucionais e o estilo ameaçador.

Não nos deixemos inebriar com o espetáculo mediático gerado pelas grandes cadeias televisivas e as insidiosas redes sociais que faturam milhões, a partir do toque de twitter de Trump.

Não, não estamos perante um reality show. Importa ir mais a fundo.

Em primeiro lugar, devemos ter claro que o senhor não é «doido» e que tudo o que diz e faz, confirma uma estratégia bem precisa e com alvos bem definidos, seja no plano interno ou externo: problemática da emigração/segurança, estratégia económica, parceiros e alianças políticas e militares internacionais, focalização dos «inimigos». Seguro de estar a cumprir o que prometeu e de agradar aos seus eleitores e apoiantes. E a criar novos «aliados» estrangeiros de todos os continentes, por diferentes razões.

Tudo isto abalou o «sistema» de poder mundial. Provocou, em poucos dias, o pânico político (económico e militar) nos países aliados e parceiros tradicionais dos EUA – para além do México e Canadá – nos países europeus, desde logo, nos 27 da União Europeia, alguns dos quais já com sintomas avançados de trumpismo. A senhora May, pelo contrário, vê em Trump a tábua de salvação do incerto Brexit.

Impõe-se aqui uma primeira reflexão, simples, mas vital, sobre as causas que geraram o fenómeno Trump nos EUA e os sintomas de trumpismo em vários países europeus. E não vale a pena tergiversar, pois a resposta já existe: as causas residem na incapacidade política dos governos dos vários países, para compreender e responder aos desafios – económicos, políticos e sociais – em cada um dos seus territórios, incluindo a UE, no seu conjunto. Dê-se a volta que se quiser: nenhum governo, nenhuma força política o quer assumir, mas esta é a verdade. Aliás, foi a falta de resposta do «sistema» americano que gerou Trump. Só evitaremos a expansão do trumpismo na Europa eliminando as causas que o geraram.

Não ter a coragem de assumir as causas impede que se encontrem soluções e não gera capacidade para «obrigar» Trump a mudar de rumo.

Outra reflexão obrigatória – de que pouco se tem falado – é de ordem económica, associada aos interesses da economia americana, de muitos dos seus Estados federais e de poderosos setores empresariais.

Vastos setores empresariais americanos – exceto grandes «empresas tecnológicas» – têm consciência da fraqueza estrutural da sua Economia, nomeadamente do brutal défice comercial, em que só a China representa mais de 40% (370 mil milhões), mais a Alemanha, Japão, México, Canadá… e, em pequena escala, até Portugal. Têm consciência do atraso estrutural da sua indústria (85% das suas importações são máquinas e equipamento industrial e automóveis) que não evoluiu, em termos de inovação tecnológica, como alguns dos seus rivais, para onde transferiu fábricas e de onde importa… barato. E, claro, os problemas das fábricas encerradas e do desemprego em muitos Estados, levam a apoiar a afirmação de querer deixar de ter fábricas no México, no Canadá e na China, a produzir e exportar para os EUA.

A estratégia protecionista de Trump nasce daqui. Não é um reality show. E o senhor não vai desistir dela.

A mudança de estratégia da maior economia do mundo vai ter consequências no quadro da economia global. O resto do mundo económico europeu e mundial não o pode ignorar.

Para responder aos desafios, já não bastam as habilidades políticas a que o «sistema» aqui na Europa nos habituou, pensando cada um apenas em salvar o (seu) governo e ganhar próximas eleições.

O Mundo, a Europa e Portugal não podem fugir a este desafio.

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