Entrevista/ “The fear of the blank canvas” e o processo criativo

Começo com um excerto de uma das inúmeras cartas de Vincent Van Gogh ao seu irmão Theo:
“I tell you, if one wants to be active, one mustn’t be afraid to do something wrong sometimes, not afraid to lapse into some mistakes. To be good – many people think that they’ll achieve it by doing no harm – and that’s a lie, and you said yourself in the past that it was a lie. That leads to stagnation, to mediocrity. Just slap something on it when you see a blank canvas staring at you with a sort of imbecility.
You don’t know how paralyzing it is, that stare from a blank canvas that says to the painter you can’t do anything. The canvas has an idiotic stare, and mesmerizes some painters so that they turn into idiots themselves.
Many painters are afraid of the blank canvas, but the blank canvas is afraid of the truly passionate painter who dares – and who has once broken the spell of ‘you can’t’.
Life itself likewise always turns towards one an infinitely meaningless, discouraging, dispiriting blank side on which there is nothing, any more than on a blank canvas.
But however meaningless and vain, however dead life appears, the man of faith, of energy, of warmth, and who knows something, doesn’t let himself be fobbed off like that. He steps in and does something, and hangs on to that, in short, breaks, ‘violates’ – they say.”
Associo este excerto a uma leitura recente que fiz sobre a perspetiva do Kirby Ferguson, patente no seu projeto “Everything is a Remix”, sobre o processo criativo.
Ferguson argumenta que as ideias não são verdadeiramente originais, mas sim resultantes de um processo criativo que envolve três elementos básicos: Cópia, Transformação e Combinação. Dos vários exemplos que apresenta incluem-se, entre várias, as “inovações“ lâmpada elétrica de Edison e os Mac, identificando as referências que lhes estiveram subjacentes e afirmando que, de facto, estas inovações não foram mais do que uma evolução do já conhecido, consistindo esta numa combinação do existente transformado com algo de complementar que o transforma em “novo”, em algo de funcionalmente distinto. Conclui assim que o progresso da sociedade radica num contínuo de inovações que têm como alicerce a busca da cópia transformada e complementada (com elementos/componentes também já conhecidos).
A importância da existência de eco-sistemas que estimulem e fomentem estas possíveis transformações e combinações, criem um ambiente propício à partilha de conceitos e práticas e consagrem um território de criatividade e de experimentação, assume um papel determinante no desenvolvimento de projetos que se traduzirão, em última instância, em valor acrescentado para a sociedade.
A existência de locais que se assumem como clusters criativos têm precisamente este propósito, em que num mesmo edifício ou conjunto de edifícios se concentram empresas, pessoas, artistas que procuram “inspiração” na prossecução dos seus projetos os quais, através da inovação, irão potenciar o sucesso que ambicionam nos mais variados domínios. Eventos como o WebSummit idem.
O conceito de “fear of the blank canvas,” que decerto existe em todos os que ousam sair da sua zona de conforto procurando criar algo de novo, é de certa forma mitigado nesses espaços ou no âmbito de eventos coletivos, em consequência da segurança e do apoio adicional que induzem e da abundância de estímulos criados. Resulta igualmente da perceção de não estarem “sós” nos seus processos e projetos individuais e poderem, através das dinâmicas internas criadas, ter acesso a mais informação, mais ideias, mais referenciais. Além de se verem rodeados de outros exemplos de coragem dos que, tal como eles, aspiram ao êxito das suas iniciativas empresariais que, também enfrentando adversidades com intensidades variáveis e questionando o caminho do sucesso e do insucesso, são indubitavelmente fontes de “inspiração” acrescida.
O enveredar por uma senda de descoberta em que o receio de “falhar” é, por um lado, indissociável de cada opção tomada e, por outro lado, ultrapassado pelo que se sente de atracção e prazer em experienciar quotidianamente o apelo do novo e do desconhecido. Esta complementaridade “medo-prazer” manifesta-se simultaneamente e atua como o vento e o leme, elementos essenciais à progressão na rota traçada.