Kairos, a empresa que identifica problemas e lança start-ups para os resolver

Esta é a história de uma empresa que cria start-ups com um objetivo concreto: resolver os problemas de outras empresas. O jovem norte-americano Ankur Jain é o mentor da Kairos.

Numa tarde ensolarada de primavera, Daniel Mishin estava a passear pela sua casa no West Village de Manhattan, um espaço que causa a inveja do mundo imobiliário. O mais invejável é o preço: os residentes pagam cerca de 1600 euros por mês, por um quarto particular, cerca de 20 a 40% abaixo da média de um apartamento partilhado – mas o preço inclui serviços de limpeza, segurança, internet, serviços públicos.

Os vizinhos sabem que têm de agradecer a Daniel Mishin o arranjo da casa porque esta é o resultado da atividade da sua empresa, a Residenz, que tem como objetivo criar moradias urbanas acessíveis para jovens profissionais.
A realidade é que há uma força motora por trás da Residenz – a mesma que está associada a um número crescente de start-ups dirigidas por jovens e ambiciosos fundadores: chama-se Kairos.

Kairos, que em grego significa oportunidade, é uma empresa norte-americana fundada há 10 anos, em Nova Iorque, e que no último ano e meio criou quatro start-ups, investiu em mais 16 e continua a ter planos para continuar a crescer.

Uma abordagem diferenciadora
A empresa tem uma abordagem diferente ao mercado: é parte de capital de risco, parte grupo de mentoria, parte de sociedade de elite e está voltada para o tipo de jovens empreendedores que tradicionalmente seriam atraídos para os “santuários” altamente bem pagos de Silicon Valley.

O argumento diferente da Kairos é o seguinte: há uma enorme oportunidade inexplorada, e um potencial de lucro, em “indústrias” pouco procuradas, como o atendimento a idosos ou os depósitos de segurança para arrendamentos, onde a inovação pode literalmente mudar a vida das pessoas.

A chave para o sucesso passa por reverter o típico processo de desenvolvimento de Silicon Valley. Em vez de criar um produto e depois vendê-lo aos consumidores, a Kairos quer que os fundadores identifiquem problemas reais enfrentados pelos consumidores e, em seguida, projetem as soluções.

Desta forma, Ankur Jain, 28 anos, fundador e co-CEO da Kairos, pensa muito mais em Warren Buffett do que em Jack Dorsey. E num curto espaço de tempo, o seu foco produziu resultados. Hoje, há mais de 6,5 biliões de dólares em empresas que foram fundadas por empreendedores da Kairos. A maior parte foi iniciada por pessoas com menos de 30 anos.

“Veem-se muitas pessoas em Silicon Valley a ir atrás de grandes ideias para mudar o mundo” refere Ankur Jain. “Em última análise, você desperdiça todo esse dinheiro e ninguém usa o produto. Ninguém o queria”. Jain é o primeiro a admitir a ironia.

Raízes empreendedoras
Ankur Jain conta que na sua infância, em Seattle, teve uma “exposição” precoce a megaempresas como a Microsoft e a Boeing. O seu pai, Naveen Jain, foi fundador e ex-CEO da InfoSpace, uma empresa que cresceu e explodiu com a bolha das dotcocm. Também foi cofundador da Moon Express, um negócio de exploração lunar. A mãe, por sua vez, é uma empreendedora e filantropa focada nos direitos, ciência e tecnologia das mulheres.

Quando a crise financeira começou a despontar em 2007, Jain percebeu que estava a acontecer uma mudança importante: os grandes negócios estavam a ser demonizados e novas start-ups, como o Facebook, estavam a ser celebradas. Ou seja, a recessão estava a destacar as falhas da sociedade.

Em 2008, conjuntamente com outros estudantes, lançou a Kairos como uma incubadora. Para obter apoio, tentaram organizar uma reunião das mentores e líderes empresariais da Wharton School a bordo do Intrepid, um museu de transportes, em Nova Iorque. Enviou 50 cartas a CEOs e um dia recebeu um telefonema do escritório de Phil Condit, antigo CEO da Boeing. Tornar-se-ia seu mentor. “Foi uma verdadeira experiência de start-up” afirma.

Projetos diversos
A incubadora transformar-se-ia em vários projetos, incluindo algo chamado Kairos 50, um lote anual de empresas em estágio inicial que receberam financiamento na ordem dos 40 milhões de euros. Em 2012, Jain deixou a Kairos (que continuou a ser liderada pelo sócio Alex Fiance.) para lançar a start-up Humin, uma plataforma que ajudava as pessoas a gerirem os seus contactos. Quando o Tinder comprou a Humin, Jain tornou-se o vice-presidente de produtos da empresa-mãe. A experiência ensinou-lhe muito sobre como funciona o produto, especialmente em grande escala, mas diz que perdeu a fase de desenvolvimento da empresa.

Assim, em 2017, voltou à Kairos a tempo inteiro como co-CEO com uma ideia do que é a versão 2.0 da Kairos. Em vez de apenas ajudar a incubar empresas em estágio inicial, queria estar diretamente envolvido na construção de algumas das mais promissoras – usando a Kairos como empresa controladora, sob a qual as novas start-ups poderiam crescer e prosperar, e onde o próprio Jain funcionaria como um cofundador de cada uma.

Para começar, a empresa faria uma versão do que a Kairos fez na Wharton School quando estava a iniciar a atividade: iria encontrar problemas grandes e negligenciados para os empreendedores resolverem. Considera que há problemas que as start-ups não são adequadas para resolver. Por isso, quando construiu esta nova versão da Kairos, criou primeiro uma maneira de identificar os problemas certos.

Primeiro passo: “Fazemos muita pesquisa”, explica. Começou a procurar dados, a conversar com fundadores em todo o mundo e a analisar imensas propostas de empresas. Em vez de procurarem um pitch apelativo, Jain e a sua equipa analisaram se uma start-up era a melhor maneira de resolver o problema que estava a acontecer.

Kairos reuniu um conselho consultivo de nomes famosos, que inclui atualmente o magnata da maquilhagem Bobbi Brown, o comissário da NFL Roger Goodell, Dr. Mehmet Oz, o ex-presidente mexicano Vicente Fox, a vice-diretora de marketing da MetLife, Esther Lee.

Depois de analisarem toda a pesquisa, decidiram coletivamente os cinco pontos essenciais para a Kairos se focar: dívida de empréstimo estudantil, custo de arrendamento, educação de filhos, perda de emprego e assistência sénior. Este processo de seleção é repetido trimestralmente e o objetivo é restringir a lista de ideias de start-ups que a Kairos irá adquirir e desenvolver.

Exemplos bem-sucedidos
“Quando olhamos para o mercado, a questão colocada é: a solução é mais bem feita por uma start-up? E foi assim que em 2017, a Kairos fez um investimento inicial numa start-up chamada Little Spoon, co-fundada por Lisa Barnett, Ben Lewis, Angela Vranich e uma mãe, Michelle Muller. Eles viram um problema que precisava de ser resolvido: os pais dos recém-nascidos preocupam-se com a nutrição dos filhos, mas não têm necessariamente tempo, ou os meios, para produzir alimentos de alta qualidade atendendo às necessidades da criança. Então, em vez de refeições orgânicas a maioria dos pais compra alimentos processados que estão nas prateleiras das lojas há meses.

Este não foi um problema difícil de resolver, mas exigiria um novo pensamento. Primeiro veio a parceria entre dois fundadores com expertise compatível: Lisa Barnett entendia de saúde e produtos de consumo, tendo passado seis anos como investidora e, antes disso, através da sua experiência na Estée Lauder. Por sua vez, Lewis conhecia a distribuição de alimentos, tendo cofundado a empresa de iogurte grego The Epic Seed e a distribuidora de alimentos Green Shoots Distribution.

A Little Spoon construiu uma plataforma que se chama Blueprint onde, através de uma série de perguntas aos pais, se chega a um plano de nutrição personalizado para cada criança.

Para produzir a comida, a start-up manda os produtores de alimentos para uma instalação de produção no sul da Califórnia, onde tudo é preparado – mistura, embalagem e o processamento a frio. O sistema de distribuição adoptado permite que a Little Spoon envie as refeições personalizadas para cada família. “Essa cadeia permitiu-nos ser uma marca acessível a todos, em todos os lugares. Sabíamos que para cumprir a nossa missão, tínhamos que ter uma pegada nacional desde o primeiro dia”. Lisa Barnett acredita que o pensamento outsider da Little Spoon – nenhum fundador veio da indústria de bebés – foi parte do seu sucesso.

Como a Kairos continua a crescer, as suas start-ups parecem estar a desenvolver um padrão. Cada uma procura o mínimo de fornecedores possível de forma a manter parte da solução que a start-up está a tentar resolver – e então coordena-os todos para que trabalhem juntos.

Esse foi também o caso da Cera, por exemplo, que atua numa das áreas menos exóticas da empresa: cuidar de idosos. A start-up, sediada no Reino Unido, foi cofundada por Ben Maruthappu, um médico de 30 anos, formado em Harvard, que anteriormente trabalhou no Serviço Nacional de Saúde inglês..

O problema tornou-se pessoal quando tentou encontrar um local que fizesse assistência a um parente. Era caro e os fornecedores pareciam completamente descoordenados. “Foi um pesadelo. Havia um rondar permanente de cuidadores. Nunca sabíamos quem estava a chegar ou a sair”.

Maruthappu falou com a Kairos 50 e permaneceu em contacto com a empresa enquanto continuava o seu trabalho como médico. Decidiu que queria encontrar uma maneira de reduzir o custo do atendimento, fornecendo um serviço mais consistente.

Parecia impraticável lançar uma empresa tradicional dedicada aos idosos, mas ele achava que a solução estava na coordenação: os cuidadores precisavam de uma maneira confiável e previsível de se movimentarem entre as diferentes famílias, estando disponíveis quando necessário e não apenas sentados e a custar dinheiro às famílias, enquanto um paciente dorme.

Recorrendo ao dinheiro da Kairos, Maruthappu começou a adquirir pequenas empresas de enfermagem. Em seguida, desenvolveu uma aplicação para cada enfermeiro coordenar o seu trabalho.

O resultado: os seus cuidadores estão programados para visitar um paciente três vezes por dia, e uma ajuda adicional pode ser obtida sob procura, 24 horas em 7 dias. Os cuidadores, por sua vez, podem agendar as suas próprias horas e fazer coisas como preencher relatórios nos smartphones enquanto se deslocam para casa.

Desde o lançamento, há quase dois anos, a Cera cresceu para uma média de mais de 6 mil atendimentos por semana e está a crescer a uma taxa mensal de cerca de 25%, frisou Maruthappu. A empresa fechou uma ronda de angariação de fundos da Série A de 17 milhões de dólares e lançou o Cera Flex, um programa que permite que os profissionais de saúde façam o check-in num número maior de pacientes visitados durante o seu período de inatividade.

A start-up Rhino da Kairos abordou o seu problema de maneira semelhante. Foi projetada para resolver o problema dos depósitos de segurança, o mês extra que um inquilino deve pagar ao senhorio como uma espécie de seguro contra danos. Nenhum dos lados gosta deste sistema. Isso torna o arrendamento de um apartamento inacessível para muitas pessoas e pode colocar os proprietários em problemas se os danos de um inquilino excederem o valor do depósito. Para encontrar uma solução, Jain colaborou com Paraag Sarva que já estava a trabalhar na ideia por trás da Rhino. A solução de Sarva consistia em substituir o depósito por um seguro. Em vez de pagar uma quantia grande, um inquilino pagaria um pequeno plano mensal, que poderia descer entre 40% a 50% após um ano. Esse seguro cobriria o senhorio em caso de danos.

A Kairos, além de fornecer o capital inicial do projeto, ajudou a introduzir Paraag Sarva às poderosas empresas de imóveis de Nova Iorque para apresentar a sua ideia. A Rhino foi lançada no ano passado e, atualmente, está disponível em 50 mil unidades.

Um dos parceiros da Rhino é a Residenz, a empresa que Daniel Mishin, do início do texto, lidera. É essencialmente uma empresa de administração de imóveis que se aproxima de proprietários com imóveis de dois quartos e lhes explica como eles poderiam ser divididos em unidades para três inquilinos, tornando-os mais lucrativos para o proprietário.

Em qualquer dos casos, a ideia central  da Kairos é dar aos jovens empreendedores o poder de lidarem com problemas complexos de novas maneiras. Hoje, 10 anos depois da sua fundação, a sua atividade projeta-se a nível internacional.

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