Opinião

Desenterrar a verdade

Eugénio Viassa Monteiro, professor da AESE-Business School

Numa conferência sobre as “Grandes economias emergentes”, em que falava da Índia, estava um jovem de meia idade, bom empreendedor e conhecedor do Reino Unido, onde tinha vivido uma temporada.

Ao citar dados sobre a economia da Índia, de Angus Maddison, de William Darlymple, de Jeffrey Sachs, para falar com isenção e objetividade, ficava claro que, nos séculos XVI e XVII, a Índia produzia muito mais riqueza do que toda a Europa junta. E que, à saída dos ingleses, a Índia mal produzia uma ínfima fração, pela maciça destruição e roubo inflingidos pelos ingleses na manufatura indiana com grande tradição e no comércio. O jovem pareceu-me transtornado, pois via abalados os seus esquemas mentais, aquilo que aceitara como verdade irrefutável, sem discussão.

Ele vivera no Reino Unido embalado na doce ilusão de um país de direito, de igualdade perante a lei, de respeito mútuo, etc. e não se tinha dado conta de que tudo isso era para inglês ver e que a realidade exterior, nos diferentes locais, pouco ou nada tinha a ver com as ideias que se propagavam dentro. E eu nem sequer falei da escravatura, nem no aparteid

Citei dados da criação de riqueza antes e depois da exploração colonial que demonstravam, sem lugar para equívocos, o grande desastre que a colonização foi para os indianos. A Índia atraíra as atenções do mundo Ocidental, em particular do Rei de Portugal, pela sua riqueza, mormente da agricultura rica, variada, científica (com especiarias e plantas medicinais ayurvédicas e aromáticas, das quais muito aprendeu Gracia da Orta); da elaboração com grande requinte das sedas, algodão, lã, linho; e também de diamantes e joalharia; do grande comércio na costa da Índia, com aqueles produtos que faziam a admiração e seduziam os estratos sociais mais ilustrados e com meios, tanto do Oriente como do Ocidente. A Índia era na verdade o centro das atenções (como seria da alta sociedade portuguesa) do ‘mundo’ de então.

Para além dos três estudiosos que citei, hoje vai aparecendo mais literatura muito séria e documentada, que não se limita a historietas de como “os portugueses sempre venciam os espanhóis”. Entre outros, destaco o livro de Shashi Tharoor An era of Darkness (Uma era negra) e cito dois breves parágrafos que ele destaca num capítulo do livro, para dar uma ideia da pirataria e do complexo dos ingleses perante o brilho intelectual Indiano:

– Um é de Will Durant, americano, que escreveu The Story of Civilization, em 11 volumes, enquanto viajava pelo mundo. Quando chegou à Índia, em 1930, impressionado com a barbárie inglesa, interrompeu a Story, para escrever um pequeno livro, The case of Índia, onde fala assim, com uma mágoa incontida:

“A conquista britânica da Índia foi a invasão e destruição de uma civilização de alto nível por uma empresa comercial (a East India Company), absolutamente sem escrúpulos, nem princípios, sem se importar com a arte, mas apenas com a ganância, destruindo a ferro e fogo um país temporariamente em desordem e sem ninguém que lhe acudisse, matando e subornando, anexando e roubando, apoderando-se de modo ilegal, procurando dar aparência de ‘legalidade’ ao que agora (1930) já conta com 173 anos…”

Afirma ele ter ficado com “espanto e indignação” com o que viu e leu sobre a “consciente e deliberada sangria da Índia”, da qual fez esta apaixonada denúncia como o “maior crime da história”.

Outro texto sobre o elevado grau de desenvolvimento industrial da Índia, ao tempo da chegada dos portugueses e mais tarde dos ingleses, é de J. T. Sunderland, Ministro Unitariano Americano, nascido em Yorkshire, que assim descreve a indústria Indiana:

“Quase todos os tipos de manufatura ou produtos conhecidos no mundo civilizado – quase todo o tipo de criação da mente e feitura das mãos humanas, existente em qualquer parte, e louvados pela sua utilidade ou beleza – eram há muito feitos na Índia. A Índia era de longe a maior nação industrial e manufatureira, mais do que qualquer outra na Europa ou noutro lugar da Ásia. Os seus têxteis – finos, produzidos nos seus teares, em algodão, lã e seda ­– eram famosos no mundo civilizado; assim como a sua esplêndida joalharia e as pedras preciosas lapidadas em formas deslumbrantes; também o eram a faiança, a porcelana e a cerâmica, de todos os tipos, qualidade, cor e formas; e os delicados trabalhos em metal: ferro, aço, prata e ouro.”

E onde está tudo isso? Naturalmente na Coroa Britânica. Na Índia apenas ficou a fome, a pobreza, a humilhação e o sofrimento indizível. Talvez por ser pacifista, respeitando e defendendo a vida, e nunca ter invadido nenhum país.

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