Opinião

Aprender das empresas excelentes*

Eugénio Viassa Monteiro, professor da AESE-Business School**

Escrevi, em coautoria um caso da Infosys, uma empresa de IT criada em 1981, contando hoje com 210 mil colaboradores muito especializados. Está cotada na NYSE e em Mumbai, valendo mais de 45.000 milhões de dólares, com uma faturação superior a 11.000 milhões.

Das reflexões suscitadas sobre aquele crescimento espectacular procurei fixar-me nalguns fatores que talvez possam ser a explicação.

A Infosys nasceu na Índia, num ambiente marcado por um modelo de economia de tipo soviético, exigindo um sem número de licenças (o chamado Licence Raj), muitos controlos e alta corrupção a todos os níveis. Um ambiente difícil, imprevisível, nada claro, demandando um redobrado esforço para as empresas sobreviverem.

Fundada por um grupo de sete engenheiros, a trabalhar no mesmo tipo de atividade, TI- Tecnologias de Informação, eles tiveram tempo para pensar no tipo de empresa, os objetivos e o modo como poderiam funcionar e chegar a ter sucesso. Um aspecto básico e fundamental era para eles a empresa ganhar respeito de cada um dos seus stakeholders[3] desde o início da atividade.

Ganhar respeito dos stakeholders
E como fizeram?

– Com os clientes, em primeiro lugar. Dando-lhes um bom produto/serviço, melhor do que o esperado para o custo combinado. Por vezes, no início gasta-se muito mais tempo para dar uma resposta acabada; isso é, contudo, um investimento no conhecimento, na aprendizagem, que com tempo dá fama de bem fazer e das capacidades, que chamam novos clientes. Por isso, nos primeiros anos, a Infosys tinha reputação e clientes, mas as receitas não abundavam.

Foi quando (em 1987) um dos elementos propôs ao grupo vender a empresa por 1,5 milhões de dólares. Ela fora constituída com um capital de $250 igualmente distribuído entre os sete. Após longa discussão, Murthy afirmou: “Estou confiante de que a empresa acabará por ter sucesso. Se algum de vós quiser sair, eu adquirirei a sua parte.” No final, quando os outros cinco manifestaram o seu apoio, o Sr. Murthy comentou de forma definitiva: “Que esta seja a última vez que falamos na venda da empresa em momentos críticos!”

O modo de trabalhar, prometendo, também os produtos da próxima geração, uma vez que os avanços feitos via inovações pela Infosys ficavam também acessíveis aos clientes, criou verdadeiras parcerias e, mesmo hoje a grande fatia dos rendimentos é de clientes de repetição, que continuam agarrados à Infosys.

– Conquistar o respeito dos colaboradores, está em directa relação como eles são tratados. Após o recrutamento, a Infosys dá uma intensa formação residencial de 18 semanas, em instalações próprias em Mysore, da mais elevada qualidade, imensamente cuidadas, num ambiente quase paradisíaco. O Centro de Mysore pode receber grupos de 15.000 jovens e o conteúdo da formação é equivalente ao BSc de uma boa universidade.

Numa empresa em grande crescimento há boas possibilidades de promoção, para as pessoas mais ajustadas para a nova função; a Infosys tem o cuidado de dar formação para a nova situação e exigências próprias, para que o jovem promovido se saia bem.

Muitos candidatos para preencher as vagas anuais, recrutados nos Campus das universidades (engenharia em particular), cerca de 75% das necessidades e também cerca de 25% com mais experiência, buscados do “mercado de trabalho”. Num ano normal, bom, em que tenham de admitir 30.000 novos, cerca de 7.500 serão pessoas com experiência, que vêm doutras empresas. Isso pode parecer um tanto ‘injusto’, buscar quem se especializou noutras empresas concorrentes. Contudo, note-se que nas empresas com muitos trabalhadores, em particular na Índia, a meritocracia é débil ou inexistente e as pessoas estão como esquecidas, sem desafios que as façam crescer. Quando aparece uma possibilidade exterior de serem contratadas, com melhores condições, já não se sentem reféns – sem saber aonde ir, porque ninguém os desejava – ao haver muitas pessoas qualificadas à procura de trabalho.

Como a Infosys, também as outras empresas vão buscar pessoas experientes no mercado e cria-se aí uma dinâmica de atração que é muito positiva. Pessoas mal aproveitadas nas sua capacidades intelectuais e de ação, agora encontram alternativas que as fazem mais felizes e, onde se esforçam mais e dão mais de si. Isso acaba por ser bom para as próprias pessoas que saem, para os seus colegas que veem que o mercado os valoriza, como para o país.

Isso também justifica, em parte, o alto nivel de rotação, na ordem dos 12 a 15 % anuais. Cada empresa vai buscar ao mercado o que precisa remunerando melhor do que na empresa anterior e a agitação é benéfica para os bons trabalhadores.

Também com os rápidos avanços em tecnologia, uma saída de especialistas leva a buscar mais pessoas jovens, que são mais permeáveis e ágeis na aprendizagem das tecnologias mais recentes.

O ambiente de trabalho, dos Centros de Desenvolvimento da Infosys, é extremamente agradável. Só para dar um exemplo, a sede em Bangalore ocupa uma boa área na Electronic City, bem urbanizada, com muito gosto; contém 50 edifícios, cada um assinado por um arquitecto famoso e os espaços livres são muito repousantes, com repuxos de água, relva bem tratada, zonas ajardinadas, etc. Acaba por ser um verdadeiro privilégio trabalhar nesses espaços, onde não faltam ginásios, cortes de ténis, restaurantes variados, bibliotecas, etc. Toda a energia necessária é de produção local, por meios renováveis, nomeadamente solar, para se ter um ambiente isento de poluição.

Como em qualquer empresa as pessoas são avaliadas no seu desempenho profissional e as suas capacidades desafiadas para que cada um, de acordo com os desejos, se vá desenvolvendo. Houve desde os tempos em que a empresa era cotada na bolsa, uma retribuição para os que traziam boas ideias em ordem ao futuro da organização. Para eles havia um Programa de opção de aquisição de ações da empresa. Com a grande valorização da empresa, tais ações criaram muitos milionários, dando-se como um capitalismo popular, também por via de aquisição de ações nas Bolsas de Valores.

– Outro stakeholder a merecer atenção, para se ganhar o seu respeito são os acionistas. Naturalmente a grande valorização das ações fazia merecer todo o respeito; além disso, era dada toda a informação contabilística, em oito formatos diferentes, de acordo com as normas dos países de proveniência ou donde se desejava interessar investidores. Havia toda a transparência e verdade na informação.

Muito significativa foi a situação quando em 1995 a GE, que representava 25% da faturação, não aceitou um aumento das tarifas dos serviços a prestar. De um dia para outro, a Infosys perdia uma grande faturação. Os dirigentes da Infosys anunciaram que as duas empresas tinham decidido separar-se amigavelmente e a Infosys indicou como planeava recuperar essa perda. A comunicação imediata e a clareza fizeram, contrariamente ao esperado, elevar os valores das suas ações na bolsa! A saída da GE foi compensada por novos clientes e não houve impacto significativo nas receitas do ano. Tomando lição deste episódio, a Infosys decidiu que as receitas de um único cliente seu deveriam estar, no futuro, limitadas a 10% do total.

– A Infosys dá a maior importância ao respeito da sociedade. Considera que ela é como a resultante do respeito do conjunto de stakeholders. De facto ter numa cidade um Centro de Desenvolvimento é ter milhares de empregos, onde a juventude da terra pode trabalhar; é ter instalações modelares, mais ocupação de hotéis, mais vivendas ou flats ocupados, mais trabalhos auxiliares e, sobretudo, maior importância entre as cidades onde a Infosys se instalou.

O grupo fundador
A Infosys foi muito inovadora ao longo da sua afirmação e crescimento. Haveria um trabalho prévio do grupo de fundadores para estarem em sintonia sobre uma variedade de aspectos e o que iam definindo com a experiência adquirida e pondo em prática outros aspetos inovadores à medida que a dimensão da empresa e as receitas o permitiam. Assim, a Infosys foi pioneira em variadas coisas: para além do magnífico Centro de Formação, e um treino efetivo, à entrada, de 14,5 semanas; foi a primeira empresa indiana a ser cotada na Bolsa de Nova Yorque, depois de estar na Bolsa de Mumbai. Isso por uma questão de visibilidade em todo o mundo e para facilidade de buscar capitais necessários ao seu crescimento.

Os valores partilhados e transmitidos pelo grupo fundador, atraíram, retiveram e estimularam o talento necessário para uma entidade a trabalhar na ponta dos conhecimentos das TI e nas vias por onde a tecnologia vai avançando, como são a Inteligência Artificial, Machine Learning, i-cloud, Internet of Things, bem como o seu papel na rápida vaga de digitalização.

Fundação Infosys
Há enorme preocupação do grupo fundador e partilhada pelos atuais dirigentes que estão no efetivo, de criar postos de trabalho. A grande carência de parte significativa da população do país levou a criar uma Fundação, com funcionamento independente da empresa Infosys. O seu principal objetivo é promover novas causas nos campos da educação, saúde, desenvolvimento rural e artes, com desejos de chegar aos mais pobres das zonas rurais da Índia, com atividades destinadas a melhorar as suas vidas.

Além disso, desenvolvem-se atividades para a juventude das regiões rurais, ligadas com a aprendizagem do uso do computador. E há também estágios mais prolongados para jovens graduados de todo o mundo. Para além de aprenderem sobre os IT, alguns podem também ser recrutados para trabalhar na Infosys, quer na Índia ou no seu país de origem.

O Sr. Murty afirmava há pouco: “quando é que a violência invade a sociedade? Quando o povo perdeu a esperança. E quem é responsável por ela? São os ricos, os poderosos e a elite quem pode alimentar a esperança. Daí que seja a sua responsabilidade manter a esperança viva. No dia em que os ricos, os poderosos e a elite não tomam responsabilidade por isto  e por assegurar a paz, poderá haver violência”.[4]

Mais afirmava: “os líderes do capitalismo também no país precisam de exercitar moderação nos benefícios que se atribuem a si ou aos seus amigos. Se isso não acontecer, não haverá paz nem harmonia na sociedade (…). A minha esperança é que o bom senso prevalecerá”.

No passado Murthy tinha criticado o nível de desigualdade, mesmo dentro da Infosys, e tinha desaprovado publicamente o grande diferencial de salários e compensações entre a direção sénior e os que estão ao nível básico. “Algo está mal na sociedade quando tal acontece. Todos temos de abrir os olhos e fazer algo em relação a isto.”

No ano 2012 houve sinais de alarme: a Infosys crescia a ritmos mais lentos que as outras grandes empresas de IT; mas todas cresciam, é verdade. O Sr. Murthy comentava a esse propósito que em toda a atividade há ciclos e que é necessário encarar com sabedoria as fases de maior crescimento e outras de adaptação e lentidão.

Nas IT é frequente recorrer-se às fusões e aquisições. Quando as houver, devem ser ponderadas, pesando os “valores” das empresas a integrar. Se os valores são díspares, é melhor, sendo necessário, integrar pequenas start-ups que de certo modo completem o portfólio da empresa-mãe, trazendo-lhe a agilidade e dinamismo próprio das empresas em início. O mesmo se poderá dizer quando perante o nervosismo da empresa que está a desacelerar, estando um pouco pior que as competidoras, há a tentação de contratar pessoas de fora para dar novo alento.

Quando há valores na base da organização, os dirigentes a contratar deverão estar a par deles e em sintonia, e ver se se sentem confortáveis. A recuperação do crescimento deve ser bem pensada e feita ao ritmo apropriado, preparando bem as pessoas, sem criar frustrações.

Com a desaceleração e com algumas soluções apressadas, aumentou a rotação do pessoal, tendo sido nalguns trimestres bem superior à dos competidores, quando habitualmente costumava ser mais baixa. Pelos motivos que antes referia, a saída pode ser vista como uma valorização para os que saem e mesmo alguns podem ir criar novas empresas, com o que o país ganhará.

Governo Corporativo
A Infosys foi muito avançada no que toca ao Governo Corporativo, com administradores independentes no Conselho. Hoje, dos nove administradores do Conselho da Infosys, seis são independentes e deles três são mulheres.

Os administradores independentes sabem as suas funções, a periodicidade das reuniões, têm de se preparar, a sua remuneração, para que a empresa ao tentar alcançar os seus objetivos não se desvie dos seus valores. Há também alguns cursos de formação oportunos para os esclarecer sobre temas mais especializados da atividade da empresa.

Nos tempos de bom crescimento da atividade económica, a Infosys recrutava cerca de 30.000 colaboradores[5] por ano. Agora o número veio a decrescer situando-se de 12 a 15.000, na mesma proporção das outras empresas de IT indianas. Por outro lado, aqui é tudo trabalho qualificado.

E o país está a precisar de postos de trabalho com pouca ou nenhuma qualificação, que se criam muito nas indústrias, em particular ligadas à agricultura, no ramo têxtil, fabricas de sapatos, e muito em serviços associados à atividade turística. A história da Índia, os seus monumentos antigos, o pensamento, a ciência, o folclore, a música, o cinema, etc., criam forte desejo de visitar a índia, mas é preciso criar um sistema que informe, facilite os vistos e torne a viagem e estadia muito confortável, para se recordar pela vida fora.

Também o turismo de saúde está a crescer muito e é importante que os hospitais continuem a dar um serviço da melhor qualidade. É um setor que gera muito trabalho, sobretudo pouco qualificado, a par de pouco pessoal médico de alta especialização.

Toda a infraestrutura necessária para o turismo já existe e funciona, podendo sempre melhorar. Refiro-me aos hotéis, às cadeias de hospitais, aos transportes aéreos capilares e por via férrea, às auto-estadas e estradas, aos telefones, à internet, etc. Talvez falte dar publicidade e conhecimento, trazer operadores turísticos, criar mais circuitos e maior facilidade de acesso aos pontos e monumentos muito antigos que merecem ser visitados. Se França recebe 80 milhões de turistas estrangeiros, a China 30 milhões, a Índia tem que passar depressa 10 para 30 milhões.

Julgo que os bons empreendedores internacionais ganhariam muito em visitar na Índia o Centro de Formação da Infosys em Mysore, onde se investiram $1,000 milhões, talvez para ficar bem claro que os fundadores apostaram muito a sério no futuro da organização e neste importante fator de sucesso. Visitar também alguns grandes Centros de Desenvolvimento da Infosys na Índia: o de Bangalore, na Electronic City; o de Pune, talvez o de maior capacidade para 25.000 colaboradores, de Chandigarth, de Mangalore, de Chennai.
Naturalmente tais visitas devem ser combinadas com antecipação.

[1] Comunicação apresentada no Encontro Internacional de Professores de Politica de Empresa, em Sevilha, nos dias 15 e 16 de novembro de 2018.
[2] Professor da AESE-Business School; Professor visitante do IISantelmo: Professor do IIM-Rohtak (Índia)
[3] Portadores de interesse
[4] Indian Express, September 6, 2018.
[5] No ano terminado em março de 2018, Infosys teve 1.540.498 pedidos; fizeram-se 143.873 entrevistas e 52.943 ofertas de trabalho.

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*Comunicação apresentada no Encontro Internacional de Professores de Política de Empresa, em Sevilha, nos dias 15 e 16 de novembro de 2018.

** Professor da AESE-Business School e Dirigente da AAPI – Associação de Amizade Portugal-Índia

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Eugénio Viassa Monteiro

Eugénio Viassa Monteiro

Eugénio Viassa Monteiro, cofundador e professor da AESE, é Visiting Professor da IESE-Universidad de Navarra, Espanha, do Instituto Internacional San Telmo, Seville, Espanha, e do Instituto Internacional Bravo Murillo, Ilhas Canárias, Espanha. É autor do livro “O Despertar da India”, publicado em português, espanhol e inglês. Foi diretor-geral e vice-presidente da AESE (1980 – 1997), onde teve diversas responsabilidades. Foi presidente da AAPI-Associação de Amizade Portugal-India e faz parte da atual administração. É editor do ‘Newsletter’ sobre temas da Índia,... Ler Mais..

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